Clara massageou as têmporas, tentando aliviar a tensão acumulada após uma exaustiva jornada no hospital. Suas mãos estavam ásperas devido ao uso constante de desinfetante, e uma leve dor nas costas lembrava as longas horas de pé. Apesar do cansaço físico, sua mente não encontrava descanso. Desde que lera a mensagem de Lisana naquela manhã, uma sensação de inquietação a acompanhava como uma sombra persistente.
O apartamento, embora pequeno, era seu refúgio. As paredes, pintadas em um tom creme desbotado, estavam decoradas com fotos da família e alguns quadros baratos comprados em um mercado local. Uma planta murcha no canto mostrava as tentativas frustradas de Clara de trazer um pouco de vida ao espaço. Mas, naquela noite, nem mesmo seu santuário parecia acolhedor; ao contrário, sentia-se claustrofóbico.
O telefone vibrou sobre a mesa, quebrando o silêncio com um som agudo que a fez sobressaltar-se. Clara olhou para a tela iluminada, onde o nome de Lisana piscava insistentemente. Um calafrio percorreu sua espinha. Ela não sabia o que esperar daquela ligação, mas tinha a sensação de que não seria nada bom.
Respirou fundo, tentando se acalmar, e deslizou o dedo pela tela para atender a videochamada.
- Clara! - saudou Lisana com um entusiasmo exagerado, seu rosto perfeitamente maquiado preenchendo a tela. Seus cabelos caíam em ondas suaves sobre os ombros, e sua maquiagem estava impecável, como sempre. Mas havia algo em seus olhos, um brilho calculado, que fazia Clara se sentir vulnerável mesmo através da tela.
- Olá, Lisana - respondeu Clara, esforçando-se para soar tranquila. Seu coração batia forte, mas sabia que não podia demonstrar fraqueza. Lisana era como uma predadora, sempre à espreita, pronta para aproveitar qualquer sinal de fragilidade.
- Fico tão feliz em te ver - continuou Lisana, inclinando levemente a cabeça com aquele sorriso que misturava calor e superioridade. Era um sorriso que Clara conhecia bem, um sorriso que prometia problemas disfarçados de boas intenções. - Me conte, como você está?
Clara tentou manter um tom neutro, embora sentisse que o ar na sala ficava mais pesado a cada palavra de Lisana.
- Bem, eu acho. Foi um dia longo, mas estou bem. E você?
- Ah, você sabe, sempre ocupada - respondeu Lisana, fazendo um gesto despreocupado com a mão. Atrás dela, o luxuoso salão de sua casa era visível: um espaço amplo e bem iluminado, com móveis modernos e detalhes decorativos que refletiam um gosto caro. Um contraste doloroso com o modesto apartamento de Clara. - Mas fiquei surpresa quando o doutor Rivas mencionou que você estava trabalhando no hospital.
Clara sentiu os ombros se retesarem. Ela havia tentado manter seu trabalho discreto, evitando qualquer conexão com Lisana ou seu mundo.
- Sim, bom... Estou grata pela oportunidade. Foi uma mudança importante.
Lisana arqueou uma sobrancelha, seu sorriso se tornando ligeiramente mais afiado.
- Imagino que deve ser um grande desafio, não é? O hospital pode ser um lugar tão... fascinante. Cheio de histórias, de pessoas interessantes.
As palavras de Lisana tinham um tom dúbio que Clara não podia ignorar. Havia algo na entonação que a deixava em alerta, como se Lisana estivesse sondando, procurando algo específico.
- Sim, há muito para aprender. Tem sido uma experiência enriquecedora - disse Clara, esforçando-se para manter a compostura.
Lisana inclinou a cabeça, como se avaliasse cada palavra de Clara.
- Você sempre foi tão dedicada, Clara. Fico feliz em ver que está progredindo. Embora deva admitir que fiquei um pouco surpresa por você não ter me ligado para agradecer.
O comentário foi como um golpe no estômago de Clara.
- Lisana... claro que sou grata pela sua ajuda. Não quis incomodá-la com isso.
Lisana soltou uma pequena risada, elegante e quase sarcástica.
- Incomodar-me? Por favor, Clara, somos amigas. Você não precisa se preocupar com isso.
Clara sentiu o ar ao seu redor ficar mais frio. Sabia que, por trás do sorriso de Lisana, havia algo muito mais sombrio.
- Mas, falando de amigas, há algo que acho que precisamos discutir - continuou Lisana, com um tom mais sério.
Clara sentiu o coração acelerar.
- O que você quer dizer?
- Você sabe que eu não gosto de deixar pontas soltas - disse Lisana, com um olhar penetrante que perfurava Clara como um bisturi. - E sinto que há algumas questões do passado que precisam... de um pouco de clareza.
O suor começou a se formar na nuca de Clara. Não era a primeira vez que Lisana falava em termos vagos, mas desta vez havia algo mais em sua voz, algo que fazia o medo se instalar profundamente em seu peito.
- Lisana, se isso tem a ver com...
- Tem a ver com muitas coisas - interrompeu Lisana, com um sorriso que parecia saborear o momento. - Mas não se preocupe, não estou aqui para te culpar. Só quero garantir que estamos na mesma página.
Clara engoliu em seco, tentando encontrar as palavras certas.
- Farei o que você precisar.
- Isso era o que eu esperava ouvir - disse Lisana, sorrindo satisfeita. - Só preciso de um pequeno favor.
Clara sentiu todo o corpo se retesar.
- Que favor?
- Há um paciente no seu hospital... Mateo Torres. Quero que se aproxime da esposa dele. Conquiste sua confiança. Só isso, por enquanto.
O coração de Clara batia tão rápido que parecia prestes a explodir. Ela não conseguia entender por que Lisana estava interessada naquela família, mas sabia que aquilo era apenas o início de algo muito mais sombrio.
A videochamada terminou pouco depois, mas Clara permaneceu olhando para a tela apagada do telefone. Lá fora, a chuva continuava caindo com força, mas Clara mal conseguia ouvi-la. Sua mente estava inundada de pensamentos, cada um mais aterrorizante que o outro. Sabia que o que Lisana pedira não era um simples favor. Era o começo de uma teia de intrigas que poderia desmoronar tudo o que ela havia construído.
Levantou-se da cadeira, cambaleando levemente. Olhou pela janela, para as ruas desertas iluminadas por postes piscantes, e um pensamento tomou conta de sua mente: não havia como escapar de Lisana.