Capítulo 4 Nenhuma Correspondência

SAGE

Na biblioteca, sentamo-nos junto à janela. O Leo espalha os lápis de cor e começa a pintar com uma concentração invejável. Eu pego num livro, mas passo mais tempo a observá-lo do que a ler. Gosto de ver como ele se perde nos desenhos, como se o mundo lá fora não existisse.

- Sage, olha! - Ele levanta uma folha com um dinossauro cor-de-laranja e um sol enorme no canto. - Este és tu, e este sou eu a jogar à bola.

- Está lindo, Leo. Vais ser um grande artista.

Ele sorri, orgulhoso, e volta ao trabalho. Por momentos, esqueço-me de tudo o resto.

Quando chega a hora de almoço, levo-o até minha casa. A avó Mila está sentada à mesa, a ler o jornal com as mãos a tremer um pouco.

- Avó, este é o Leo, filho do Thunder. Hoje estou a tomar conta dele.

Ela sorri-lhe, calorosa.

- Muito prazer, Leo. Espero que gostes da nossa comida.

- Gosto de tudo, menos de cebola - responde ele, tímido.

Rimos os três. Faço massa com frango e legumes, simples e rápido. Enquanto cozinho, explico à minha avó sobre o novo emprego no ginásio.

- Vou começar amanhã, avó. É só limpezas, mas já é alguma coisa.

- O importante é não desistires, filha. - Ela olha para mim com ternura. - E obrigada por trazeres companhia.

Depois do almoço, o Leo insiste em ajudar a arrumar a cozinha. Passa-me pratos, ri-se quando quase deixa cair um copo, e no fim tudo fica limpo. Sinto-me menos sozinha.

Saímos para o parque infantil a umas quadras de casa. O ar está frio, mas o céu está limpo. Jogamos futebol, ele corre, cai, levanta-se, ri alto. Eu deixo-o suar, deixo-o ser criança. Sento-me num banco a vê-lo, e por um instante, tudo parece mais leve.

Depois do parque, levo-o a uma cafetaria pequena e acolhedora. Pedimos chocolate quente e um bolo de maçã. Ele conta-me histórias da escola, dos amigos, das coisas que gosta. Sinto uma ternura inesperada por este menino.

Quando já são quase seis horas, caminhamos de volta ao ginásio. O Ringue Clandestino está mais movimentado àquela hora. Entro com o Leo e vejo o Thunder ainda a treinar um lutador no ringue. O barulho dos socos, o som das luvas a bater, o cheiro a suor - tudo intenso. O Leo fica parado, olhos arregalados, meio chocado com a violência do que vê.

Abaixo-me ao lado dele.

- Isto é um desporto, Leo. - falo baixinho. - Tem regras, tem respeito. Não é só bater por bater. Os lutadores treinam muito para saber controlar a força e proteger-se.

Ele assente, ainda meio impressionado, mas parece compreender.

Thunder termina o treino, limpa o suor da testa e vem ter connosco.

- Obrigado, Sage. A sério. Não sei o que faria sem ti hoje.

- Não tem de quê, Thunder. O Leo portou-se muito bem.

Despede-se de nós com um sorriso cansado, e eu levo o Leo até à porta, onde ele corre para os braços do pai.

Volto para casa, exausta. Amanhã acordo cedo para o primeiro dia de trabalho. O Hugo junta-se a nós para o jantar - massa com atum, simples e rápido - e falamos de tudo e de nada: música, filmes, sonhos parvos, coisas que nos distraem da vida difícil.

Antes de dormir, sento-me no computador e abro o site onde adicionei o meu ADN, cheia de esperança que um dia encontre algum familiar do meu pai biológico, ou até o próprio. Mas, mais uma vez, nada. Nenhuma correspondência, nenhuma pista.

Fecho o portátil, deito-me e olho para o teto. Amanhã vai ser um longo dia. Mas pelo menos, hoje, fiz a diferença na vida de alguém.

            
            

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