Os dias seguintes foram um borrão de dor silenciosa.
Eu continuava no apartamento, presa àquele acordo.
Ricardo agia como se nada tivesse acontecido.
Ele me tratava com a mesma gentileza superficial, os mesmos mimos.
Mas agora eu via a verdade por trás da máscara.
Ele me exibia em jantares, em eventos sociais.
Sempre com Isabella por perto, observando.
Ele me beijava, me abraçava, mas seus olhos procuravam a reação dela.
Eu era um troféu, uma provocação.
Eu me sentia um fantoche, minhas cordas manipuladas por mãos invisíveis.
Numa noite, estávamos em um coquetel.
Ricardo estava ao meu lado, a mão possessivamente na minha cintura.
Isabella estava do outro lado do salão, rindo com um grupo de amigos.
De repente, ela cambaleou novamente, a mão na testa.
"Ricardo... acho que vou desmaiar."
Ele me soltou como se eu queimasse.
Correu para ela, a preocupação estampada no rosto.
A mesma cena, o mesmo abandono.
Eu já nem sentia mais nada. Apenas um vazio gelado.
Desta vez, não esperei.
Saí do salão em silêncio, pedi um táxi.
Voltei para o apartamento.
Aquele lugar, antes um refúgio, agora era uma prisão dourada.
Abri o armário, tirei as caixas onde guardara as coisas de Ricardo.
Comecei a doar tudo.
As joias, para uma instituição de caridade.
As roupas de grife, para um bazar beneficente.
As bolsas, para amigas da minha mãe que precisavam.
Eu queria me livrar de cada vestígio dele na minha vida.
Enquanto esvaziava as gavetas, encontrei um pequeno urso de pelúcia.
Ricardo me dera na primeira semana, dizendo que era para eu não me sentir sozinha.
Lembrei de como me senti feliz, protegida.
Uma lágrima solitária escorreu.
A ilusão de felicidade. Tinha sido tão real para mim.
Agora, tudo se reduzira a cinzas.
Joguei o urso na caixa de doações.
A porta do apartamento se abriu.
Ricardo entrou, com Isabella a tiracolo.
Ele parecia irritado.
"Onde você se meteu? Sumiu da festa."
"Não estava me sentindo bem," menti.
Seus olhos percorreram o quarto, notaram as caixas.
"O que é isso? Está de mudança?" Ele riu, mas havia um tom de desconfiança.
"Apenas organizando algumas coisas," respondi, a voz neutra.
Isabella observava tudo com um sorriso satisfeito.
"A Isa vai passar uns dias aqui," Ricardo anunciou, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Ele nem me perguntou. Apenas decidiu.
Eu assenti, indiferente.
O que mais eu poderia fazer?
Isabella começou a dar ordens.
"Essa cortina é horrível. Quero uma de seda pura."
"E esses quadros? Tão sem graça. Ricardo, lembra daqueles que vimos na galeria?"
Ele concordava com tudo, ansioso para agradá-la.
Em poucas horas, o apartamento começou a mudar.
As coisas que eu gostava, que tinham um toque meu, sumiam.
Eram substituídas pelos gostos de Isabella.
Eu observava tudo, sentada num canto.
O apartamento que Ricardo "me deu" estava se tornando o ninho de amor dele com Isabella.
Eu me sentia uma intrusa na minha própria vida.
Mas, por incrível que pareça, senti um certo alívio.
Isso só reforçava minha decisão.
Faltavam poucos dias para o aniversário de Ricardo.
Poucos dias para a minha liberdade.
Eu contava as horas.