"Não faças um drama, Lia. O Martim está doente. Uma doença rara. O Vasco pode salvá-lo. É um pequeno sacrifício."
"Pequeno sacrifício? Ele é teu filho! Tu és um pai negligente, um mentiroso!" Lia gritava, as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto.
Gonçalo agarrou-a pelo braço, com força.
"Cala-te! Não tens o direito de me acusar." Dois homens grandes, que pareciam seguranças, surgiram ao lado dele.
Nesse momento, uma enfermeira saiu apressada do quarto onde Vasco estava.
"Doutor, o menino Martim teve uma crise. Precisa de uma transfusão urgente. E o menino Vasco... teve uma reação alérgica a um dos contrastes do exame. Também precisa de atenção."
Gonçalo largou Lia.
"O quê? Como assim?"
Um médico aproximou-se. "Senhor Vaz, o Martim precisa de sangue O negativo. Temos pouco. E o seu filho Vasco... parece que tem um tipo de sangue muito raro, AB negativo, que também é compatível com o Martim, caso a medula não seja. Mas ele próprio está instável."
Gonçalo olhou para Lia. Um brilho calculista acendeu-se nos seus olhos.
"Lia... tu tens sangue AB negativo, não tens? Lembro-me de quando o Vasco nasceu."
Lia recuou, horrorizada.
"Tu não te atreverias."
"O Martim precisa de sangue, Lia. E tu vais doar. Ou então," ele aproximou o rosto do dela, a voz um sussurro venenoso, "garanto-te que o bem-estar do Vasco será seriamente comprometido."
Ameaçá-la com o próprio filho.
Lia sentiu o desespero tomar conta de si. Não tinha escolha. Pelo Vasco.
"Eu dou," disse ela, a voz embargada. Um riso amargo escapou-lhe dos lábios. "Mas vais pagar por isto, Gonçalo."
Levaram-na para uma sala. A agulha entrou-lhe no braço. A dor era física, mas a dor na alma era mil vezes pior.
O sangue dela, o sangue raro que Gonçalo agora cobiçava para o filho da amante, começou a fluir.
Gonçalo observava, impaciente.
"Mais rápido. Tirem mais."
"Senhor, ela não pode doar tanto de uma vez," avisou a enfermeira.
"Eu pago o suficiente para que ela possa. Tirem o que for preciso para o Martim."
Lia fechou os olhos. Concentrou-se apenas em Vasco. Tinha de o salvar. Suportaria qualquer coisa por ele.
Antes de perder a consciência devido à quantidade de sangue retirado, ouviu a ordem final de Gonçalo.
"Certifiquem-se de que o sangue dela vai primeiro para o Martim. Ele é a prioridade."
Traição final.
Quando Lia acordou, Vasco estava ao seu lado, a chorar baixinho. A sua mãozinha segurava a dela com força.
"Mamã... doeu muito?"
Lia sentiu o coração partir-se.
"Desculpa, meu amor. Desculpa não te ter protegido."
Vasco abanou a cabeça. "Tu protegeste-me, mamã. Tu és forte."
Lia abraçou-o.
"Vamos embora daqui, Vasco. Para sempre. Longe dele."
A porta abriu-se e Gonçalo entrou. O seu rosto estava tenso.
"Ouvi dizer que estás a pensar em ir embora."