"Amiga? Tu destruíste a nossa vida por essa 'amiga'! Durante cinco anos, eu e o Vasco vivemos na miséria, a acreditar nas tuas mentiras sobre a falência! Trabalhei até à exaustão, o meu filho apanhou azeitonas na berma da estrada para termos o que comer! E tu? Tu esbanjavas a tua fortuna com ela e com o filho dela! Usaste o Vasco, o teu próprio filho, como se fosse um objeto, para salvar o filho dela! E agora dizes que estavas a 'ajudar uma amiga'?"
A voz de Lia estava carregada de dor e raiva.
Gonçalo respondeu com desdém.
"Vocês fizeram essas escolhas. Ninguém vos obrigou a viver assim. Podiam ter pedido ajuda."
Lia riu, um riso amargo e cheio de dor.
"Pedir ajuda? A quem? A ti? O grande magnata do azeite e da cortiça que fingia estar falido? Fui uma tola, Gonçalo. Uma tola cega de amor."
Ela finalmente percebera. A sua ingenuidade, a sua dedicação cega, tinham sido a sua perdição e a do seu filho.
Gonçalo pareceu frustrado com a reação dela. Deu de ombros e saiu do quarto.
Lia e Vasco recuperaram no hospital durante alguns dias. Lia ouvia as enfermeiras cochicharem sobre Gonçalo. Sobre como ele não saía da cabeceira de Martim, sobre os presentes caros que levava para o menino, sobre a dedicação com que tratava Beatriz.
Nenhuma palavra sobre Vasco. Nenhuma visita.
Aquilo só reforçou a decisão de Lia.
Após terem alta, Lia levou Vasco ao pequeno parque de diversões da cidade. Queria compensá-lo, criar uma memória feliz depois de tanto sofrimento.
Vasco sorria, mas os seus olhos ainda carregavam uma sombra.
"Mamã, porque é que eu não tenho um pai como os outros meninos?" perguntou ele, enquanto comiam um gelado.
Lia abraçou-o. "Tu tens uma mãe que te ama por dois, meu amor."
"Vamos aos carrinhos de choque!" pediu Vasco, tentando animar-se.
Enquanto esperavam na fila, uma funcionária sorriu para eles.
"Que família bonita! O pai deve estar quase a chegar, não?"
Vasco baixou a cabeça. "Eu não tenho pai."
A funcionária ficou sem graça.
"Claro que tens, campeão!" A voz de Gonçalo soou atrás deles.
Ele estava ali, com Beatriz e Martim.
Lia enfrentou-o, a voz calma, mas firme.
"Não, Gonçalo. Ele não te tem a ti. Um pai não faz o que tu fizeste."
Gonçalo ficou sem palavras. Pela primeira vez, Lia viu um lampejo de... culpa? Ou seria apenas frustração por ser contrariado?
A funcionária, sem perceber a tensão, continuou: "Ah, que bom! A família toda reunida! Querem um bilhete familiar para os carrinhos?"
Beatriz sorriu, deliciada com a situação, e comprou o bilhete familiar.
"Claro! Vamos divertir-nos em família!" disse ela, olhando para Lia com superioridade.
Vasco agarrou-se à perna de Lia, angustiado.
Nos carrinhos de choque, Lia conduzia com cuidado, Vasco ao seu lado. Gonçalo, no carrinho com Martim, demonstrava uma ternura e paciência que Lia nunca vira nele. Ele guiava o carrinho de Martim com cuidado, ria com ele.
Martim, no entanto, olhava para Vasco com malícia.
De repente, Martim deu uma guinada brusca no volante do seu carrinho e chocou violentamente contra o de Lia e Vasco.