Sofia estava a fechar a última mala quando a campainha tocou.
Era Lorena.
Impecavelmente vestida, um sorriso cínico nos lábios.
"Soube que estavas de partida. Vim desejar-te boa viagem."
"O que queres, Lorena?" Sofia estava cansada demais para jogos.
"Só queria agradecer-te. Pelo rim, claro. E por cuidares do Marcos enquanto eu não podia."
Ela aproximou-se, a voz a baixar para um sussurro.
"Sabes, ele fica um bebé quando está doente. Precisa de muita atenção."
Sofia sentiu o sangue ferver.
"Ele é todo teu, Lorena. Aproveita."
Nesse momento, Marcos entrou no apartamento.
Vinha do hospital, ainda pálido, mas já com a sua postura arrogante de sempre.
"Lorena, meu amor! O que fazes aqui?"
Ele abraçou-a, ignorando Sofia completamente.
"Vim ver como estavas, querido. E trazer-te para casa."
Lorena agarrou-se ao braço dele, possessiva.
Carlos, que viera com Marcos, observava a cena com um misto de raiva e resignação.
"Marcos, a Sofia..." começou Carlos.
"Ah, Sofia, ainda estás aí?" Marcos olhou para ela como se só agora notasse a sua presença. E as malas.
"Vais mesmo viajar?"
Sofia respirou fundo.
"Sim, Marcos. Vou."
"Mas... e nós? O nosso casamento?" Ele parecia genuinamente confuso.
Era inacreditável a sua capacidade de se iludir.
Lorena apertou-lhe o braço. "Não te preocupes com isso agora, querido. Precisas de descansar."
Ela lançou um olhar vitorioso a Sofia.
Marcos deixou-se levar por Lorena, como um fantoche.
Antes de sair, virou-se para Sofia.
"Quando voltares, falamos sobre os preparativos. Quero uma festa enorme."
Sofia não respondeu.
Apenas observou-os a sair.
Ela já tinha aceite. Ele nunca a escolheria.
Algumas horas depois, quando Sofia já estava no táxi a caminho do aeroporto, o telemóvel de Marcos tocou. Era ele.
"Sofia, querida, esqueci-me de te perguntar. Podes deixar a receita daquele assado de domingo que a minha mãe tanto gosta? A Lorena quer tentar fazer para mim."
A sua voz era casual, como se nada tivesse mudado.
Sofia sentiu uma vontade de rir. Um riso histérico, desesperado.
Ele ainda não tinha entendido.
Nesse instante, o telemóvel de Marcos, que estava no banco ao lado dela (ele deixara-o no apartamento na pressa de sair com Lorena), acendeu-se com uma chamada.
Era Lorena. Sofia não atendeu.
A chamada foi para o voicemail. Momentos depois, uma notificação de mensagem de voz.
Sofia hesitou, mas a curiosidade foi mais forte.
Clicou para ouvir.
A voz de Lorena, melosa e fingida.
"Marquinhos, meu amor, estou aqui no supermercado. Aquela parva da Sofia não me atende. Podes pedir-lhe a receita do assado? E já agora, diz-lhe para deixar as chaves do carro dela. O meu está na oficina e preciso de ir ao cabeleireiro amanhã. Beijinhos!"
Sofia desligou a mensagem, o estômago a revirar.
O carro dela. A receita dela. A vida dela.
Tudo para servir os caprichos de Lorena e a cegueira de Marcos.
De repente, o telemóvel de Marcos tocou novamente. Desta vez, um número desconhecido.
Sofia, num impulso, atendeu.
"Marcos Andrade?" Uma voz masculina, dura.
"Ele não pode atender agora," respondeu Sofia.
"Diga-lhe que o Afonso Monteiro quer o dinheiro dele de volta. Aquele negócio que a Lorena o convenceu a fazer... era uma fraude. E se ele não pagar, vai haver problemas."
O homem desligou.
Sofia ficou em choque. Lorena não era apenas interesseira. Era uma criminosa.
E Marcos, o seu escudo.
Nesse momento, o seu próprio telemóvel tocou. Era Marcos.
Ela atendeu, a voz fria.
"Sofia, ainda bem que te apanhei. A Lorena está um pouco stressada. Aquele tal Afonso ligou-lhe a ameaçá-la por causa de um mal-entendido num negócio. Podes ir ter com ela ao Leilão de Vinhos da Vinícola Imperial? Fica perto do aeroporto. Ela precisa de apoio moral. Eu estou a caminho, mas vou atrasar-me um pouco."
Usá-la como escudo emocional para proteger Lorena.
De novo.
"Marcos," disse Sofia, a voz perigosamente calma. "Estou no leilão. Onde é que ela está?"
Ele pareceu aliviado. "Ótimo! Ela está perto da entrada do terraço. Veste um vestido vermelho. Obrigado, meu amor. Sabia que podia contar contigo."
Ele desligou.
Sofia pagou ao taxista e saiu.
O Leilão de Vinhos da Vinícola Imperial. Um evento de caridade da alta sociedade.
Ela conhecia o local. O terraço tinha uma vista deslumbrante. E uma queda perigosa.
Um plano começou a formar-se na sua mente.
Um plano arriscado. Mas ela estava farta de ser a vítima.