O sol do nordeste castigava, mas aquele dia da formatura do ensino médio parecia diferente.
Era o dia em que Ana e sua irmã gêmea, Clara, esperavam o anúncio das bolsas de estudo, um futuro promissor acenando.
Mas para Ana, a luz dos olhos da mãe sempre foi Clara, a filha perfeita, enquanto ela era a sombra, a rebelde.
Até que seu nome foi lido em voz alta: "Bolsa integral para a Escola de Música do Rio de Janeiro... Ana de Sousa!"
A euforia foi triturada pelo ódio no rosto da sua mãe, Maria, que sibilou: "Isso deve estar errado!"
A alegria virou cinzas quando Clara chorou, e Maria lançou-lhe um olhar venenoso.
Dias depois, a carta oficial da escola chegou.
Mas Ana não teve chance de abri-la.
Escondida, ouviu a voz trêmula de Clara: "...tem certeza, mãe? E se descobrirem?"
E, então, a de Maria: "Ninguém vai descobrir. Você merece isso, não ela. O convite agora está no seu nome."
O sangue de Ana gelou.
Elas falsificaram o documento.
"O que vocês fizeram?" Ana gritou, a dor e a raiva rasgando sua garganta.
A dor piorou quando Maria apontou para a porta: "Fora da minha casa! Eu não tenho mais filha! Vá viver sua vida vergonhosa longe daqui!"
E para a vila, com fotos distorcidas: "Vejam! Vejam todos o tipo de filha que eu tenho! Ingrata! Tentei dar tudo para ela, e agora ela ataca a própria irmã por inveja!"
Ana foi jogada na rua, com a humilhação queimando.
Dias de fome, frio, e a reputação espalhada: "A filha da Maria? A desvergonhada? Não, obrigado."
A música, antes sua salvação, virou corrente.
Em um beco, após uma briga brutal, chutes, socos, sua cabeça no paralelepípedo.
"Deixa ela aí. Já era."
A escuridão a engoliu, seu último pensamento sobre o sonho roubado.
Mas, de repente, uma luz forte.
O sol do nordeste entrava pela janela do seu quarto.
"Vamos, Ana, levanta! Hoje é o dia da formatura!"
Ana piscou. Estava de volta.
Uma risada insana escapou.
Lágrimas de uma fúria fria.
Desta vez, seria diferente.
Desta vez, eles iriam pagar.