A voz dela tremia um pouco, uma mistura de excitação e medo. Eu não sentia nada além de um vazio no estômago. Um homem alto e de ombros largos desceu os degraus da varanda. Ele tinha cabelos grisalhos e um sorriso que não alcançava os olhos. Era o Senhor Antônio, o rico fazendeiro que agora era meu padrasto.
Ele abraçou minha mãe e deu um beijo em sua testa. Depois se virou para mim.
"Você deve ser a Sofia. Seja bem-vinda."
A voz dele era educada, mas fria. Atrás dele, na porta, apareceu um rapaz. Ele parecia ter a minha idade, talvez um pouco mais velho. Era alto, com os mesmos cabelos escuros do pai, mas seus olhos eram diferentes. Eram duros, cheios de um desprezo que me atingiu como um soco. Ele não disse nada, apenas me encarou de cima a baixo, e eu soube, naquele exato momento, que eu não era bem-vinda ali. Aquele era Pedro, seu filho.
Minha mãe me empurrou levemente para frente.
"Diga olá para o seu novo irmão, Sofia."
Pedro soltou um riso baixo, um som feio.
"Ela não é minha irmã."
Ele se virou e entrou na casa, nos deixando do lado de fora. O sorriso do Senhor Antônio vacilou por um segundo antes de ele se recompor.
"Pedro ainda está se acostumando. Entrem, entrem."
Entramos na casa. O chão de madeira polida brilhava, e os móveis eram escuros e pesados. Tudo cheirava a cera e a dinheiro. Uma empregada nos levou para o meu quarto, um cômodo pequeno nos fundos da casa, perto da cozinha. A janela dava para um muro. Enquanto eu desfazia minha mala, que continha poucas roupas e meus preciosos livros, ouvi a voz de Pedro vindo do corredor. Ele falava com o pai.
"Eu não quero essa gente aqui. Elas tomaram o lugar da minha mãe."
O Senhor Antônio respondeu em um tom baixo, tentando acalmá-lo. Eu fechei a porta do quarto devagar, sentindo o ar me faltar.
Mais tarde, enquanto eu arrumava meus livros na pequena prateleira do quarto, a porta se abriu com um estrondo. Pedro estava parado ali, com os olhos queimando de raiva. Ele caminhou até mim, pegou o livro mais antigo que eu tinha, um presente do meu pai biológico antes de ele morrer. As páginas estavam amareladas e a capa, gasta.
"O que é isso?" ele perguntou, folheando com nojo.
"É meu," eu disse, com a voz falhando. "Por favor, me devolva."
Ele riu de novo, aquele mesmo som horrível.
"Na minha casa, nada é seu."
Com um movimento rápido, ele rasgou o livro ao meio. O som do papel se partindo ecoou no quarto silencioso. Ele jogou os pedaços no chão, um de cada lado, e me olhou, desafiador. Eu fiquei paralisada, olhando para as páginas destruídas do único bem que eu realmente valorizava. As lágrimas queimavam meus olhos, mas eu me recusei a chorar na frente dele. Ele esperou por uma reação, e como eu não dei nenhuma, ele se irritou.
"Sua mãe matou a minha. Vocês duas são umas aproveitadoras. Mas você vai se arrepender de ter pisado aqui."
Ele saiu, batendo a porta com força. Eu caí de joelhos no chão, juntando os pedaços do meu livro. O cheiro de mofo das páginas velhas era o cheiro da minha infância, agora destruída. Minha antiga vida era pobre, vivíamos em uma casa minúscula com goteiras no teto, e muitas noites fomos dormir com fome. Minha mãe dizia que este casamento era nossa única salvação, a única forma de eu ter um futuro, de poder estudar e ser alguém. Eu odiava nossa pobreza, odiava a fome e o frio, mas naquele momento, olhando para meu livro rasgado, eu odiei ainda mais aquela casa rica e fria. Meu único sonho era estudar, conseguir uma bolsa e ir para a universidade, para bem longe dali. Era um sonho simples, uma necessidade básica de escapar.
Naquela noite, o jantar foi servido na enorme sala de jantar. A mesa era comprida e eu me sentia minúscula sentada nela. Minha mãe conversava animadamente com o Senhor Antônio, rindo de suas piadas. Ela estava radiante, usando um vestido novo que ele lhe dera. Ela me olhou uma vez, viu meu rosto sério e fez um sinal discreto para que eu sorrisse. Eu tentei, mas meus lábios não obedeciam. Pedro não veio para o jantar. Eu podia ouvir o som da televisão alta vindo de seu quarto, um barulho que parecia uma barreira entre mim e o resto da casa. Minha mãe não perguntou sobre o livro, não perguntou por que eu estava tão quieta. Ela estava ocupada demais construindo sua nova vida para se preocupar com os destroços da minha. Eu me senti completamente sozinha, uma estranha isolada naquela fortaleza de riqueza e infelicidade.
Depois do jantar, eu voltei para o meu quarto. Os pedaços do livro ainda estavam no chão, onde eu os deixei. Sentei na cama, abraçando meus joelhos. A fome que eu sentia não era de comida. Era uma fome de segurança, de um lugar onde eu pertencesse. De repente, ouvi uma batida leve na porta. Eu não respondi. A porta se abriu um pouco e uma mão colocou um prato de comida no chão, perto da porta. Era um prato simples, com arroz, feijão e um pedaço de frango. A mão se retirou e a porta se fechou. Eu não sabia quem tinha sido, talvez a mesma empregada que nos mostrou o quarto. Era um gesto de bondade anônima, uma pequena luz naquela escuridão imensa.
Eu comi a comida em silêncio, sentada no chão. O gosto era bom, mas parecia cinzas na minha boca. Mais tarde, quando eu já estava deitada na cama, a porta se abriu novamente. Era o Senhor Antônio. Ele estava segurando um livro novo, de capa dura e brilhante.
Ele o colocou na minha mesinha de cabeceira.
"Eu soube o que Pedro fez," ele disse, sem me olhar nos olhos. "Ele tem um temperamento difícil. A morte da mãe dele foi um golpe duro."
Ele finalmente me olhou, e seu olhar era severo.
"Mas você precisa entender o seu lugar aqui, Sofia. Não provoque meu filho. Não me dê problemas. Apenas seja grata pela oportunidade que sua mãe conseguiu para vocês."
Aquelas palavras me atingiram com mais força do que o ato de Pedro. O livro novo não era um presente, era um aviso. Um lembrete de que eu era uma intrusa, tolerada apenas enquanto fosse invisível e silenciosa. A esperança que a comida tinha me dado se desfez completamente. Eu estava presa, e o preço daquela "nova vida" era a minha dignidade.