Eu continuei a ser tratada como algo inferior, uma sombra que se esgueirava pelos cantos da casa. Pedro me ignorava na maior parte do tempo, mas quando seus olhos se fixavam em mim, era sempre com o mesmo ódio. Seus atos de crueldade se tornaram mais sutis, mas não menos dolorosos. Ele "acidentalmente" derramava suco nos meus cadernos, escondia meus sapatos antes de eu ir para a escola na cidade vizinha, e espalhava boatos maldosos sobre mim entre os filhos dos outros fazendeiros. Cada pequeno ato era uma afirmação do seu poder sobre mim.
Eu suportava tudo em silêncio. Minha mãe, quando eu tentava reclamar, sempre tinha a mesma resposta.
"Sofia, por favor, não crie problemas. Pedro é um menino perturbado. Tenha paciência. Pense no nosso futuro."
O futuro dela estava garantido. O meu dependia de mim mesma. A escola era meu único refúgio. Lá, eu não era a enteada indesejada, era apenas mais uma aluna. Eu me dedicava aos estudos com uma intensidade desesperada. Cada nota alta, cada elogio de um professor, era um tijolo que eu colocava no muro da minha futura liberdade. Eu passava as noites em claro, estudando com a luz de um abajur fraco, devorando os livros que pegava emprestado na biblioteca da escola.
Meu plano era claro: terminar o ensino médio com as melhores notas possíveis, conseguir uma bolsa integral em uma universidade pública em São Paulo ou no Rio de Janeiro, e nunca mais voltar. Eu contava os dias. Faltavam dois anos. Depois um ano. Depois, apenas alguns meses. A esperança de fugir era o que me mantinha de pé.
Então, a tragédia aconteceu. Foi numa tarde chuvosa de sábado. Minha mãe e o Senhor Antônio tinham tido uma discussão feia. Eu ouvi os gritos do meu quarto. Era sobre dinheiro, sobre a desconfiança dele, sobre a família dela que sempre pedia ajuda. Depois, silêncio. Mais tarde, ouvi o som do carro dela saindo em alta velocidade.
Uma hora depois, o telefone tocou. Era da polícia. Houve um acidente na estrada que ligava a fazenda à cidade. Um carro derrapou na pista molhada e bateu de frente com um caminhão. O carro era o da minha mãe.
Corremos para o hospital da cidade. O cheiro de desinfetante e doença me sufocava. O Senhor Antônio andava de um lado para o outro na sala de espera, com o rosto pálido. Eu fiquei sentada, imóvel. Quando o médico finalmente apareceu, sua expressão era grave.
Minha mãe estava viva, mas em estado crítico. Ela foi levada para a cirurgia. Horas se passaram. Horas de um silêncio tenso, quebrado apenas pelos soluços ocasionais do Senhor Antônio.
Pedro chegou algum tempo depois. Ele não disse uma palavra. Apenas se sentou no canto mais distante da sala, me observando. Seus olhos não tinham pena ou preocupação. Tinham uma frieza calculista, quase triunfante. Era como se ele estivesse assistindo ao capítulo final de uma vingança que ele esperava há muito tempo. Um arrepio percorreu minha espinha. A tempestade lá fora tinha passado, mas eu sentia que a verdadeira tempestade, para mim, estava apenas começando.