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Capítulo III
Estevão desviou o olhar para mãe, perplexo, e só então notara o quão estava abalada – pálida, olhos muito abertos, que pareciam suplicantes, mordeu os lábios e baixou os olhos, as mãos estavam unidas junto ao peito. Ela lhe pareceu muito frágil e tremia tanto que era visível o quão abalada ela estava.
Ele olhava de um para o outro, sem conseguir acreditar em seus olhos; seu pai pigarreou e pareceu recompor-se do choque inicial, estendeu-lhe a mão esperando que Estevão o retribuísse.
Estevão apenas a olhou, incrédulo. Estaria sonhando? Ou melhor, estaria ele tendo um pesadelo?
Finalmente respirou fundo e exalou todo ar pela boca – seu peito doía, parecia esmagado.
De repente se ouviu dizendo:
"- Vá embora. Não precisamos de você aqui."
E entrou fechando a porta com estrondo atrás de si.
Foi para a cozinha e sentou-se. De repente seu estômago se revirou, a cabeça rodava sem parar e ele correu para o banheiro. Vomitou. E outra vez.
Quando se recompôs, lavou o rosto e se encarou no espelho – que diabos estava acontecendo?
Respirando fundo desceu a procura da mãe, precisaria de muitas explicações, e não se contentaria com menos que a sua história toda! Sem faltar um mínimo detalhe.
Descendo as escadas, ouviu vozes que sussuravam e constatou que ele ainda estava lá. Ótimo. Assim teria duas versões da história e tiraria suas próprias conclusões.
Estevão adentrou a cozinha e viu que ambos estavam sentados lado a lado, de costas para ele. Contornou a mesa e foi sentar-se em frente a ambos.
Quando o viram aproximar-se, seu pai o encarou com firmeza e sua mãe com olhar suplicante.
Certo. Havia muito mais que um simples abandono ali. Fosse o que fosse, havia decidido que era hora de saber.
Encarou-os com frieza no olhar e disse o mais calmamente que conseguiu:
"- Falem."
E esperou. Edward olhou para Marina esperando que ela falasse. Marina então limpou a garganta, tomando coragem e começou:
"- Seu pai e eu nos conhecemos durante uma viagem que ele fez ao Brasil. Uma viagem de negócios, que se estendeu por seis meses. Seu pai viajou pelo país e numa dessas viagens ele foi a minha cidade : Poços de Caldas, em Minas Gerais. Ele estava andando na praça do centro, e eu estava lá, em uma barraca, vendendo quitutes caseiros. Ele veio até mim e comprou um pedaço de bolo – ele falava muito mal o português e eu não falava nadica de inglês, nem sabia que língua era essa. Apesar de não conseguirmos nos comunicar direito ele continuou indo todas as manhãs a minha barraca e um dia me chamou para sair, para tomar um sorvete. Eu estava encantada – era muito nova, devia ter dezesseis anos na época, que aceitei prontamente! Seu pai era tão bonito e era excitante sair com um rapaz diferente, de outro lugar no mundo que eu nem sabia onde era, com tanta coisa diferente entre nós e ele havia se interessado por, que era tão sem graça, na época – Marina cruzou as mãos no colo e sorria, nostálgica, os olhos brilhando enquanto lhe contava a história.
Embora estevão já soubesse dessa parte, não quis interromper pois precisava, agora mais que nunca, de saber todos os detalhes dessa história.
Marina umdeceu os lábios e passou a mão pelos cabelos. Continuou:
"- Nós saímos aquela noite mesmo, e foi maravilhoso e quando ele me deixou em casa, ele me beijou e eu senti que morria e ao mesmo tempo estava mais viva que nunca – e soube, naquele instante, que o amava. Seu pai foi me procurar no dia seguinte,mas eu não estava lá, então ele foi até minha casa, uma casinha simples, num bairro longe do centro. Quando chegou percebeu uma movimentação na casa, um a comoção de pessoas e soube que algo estava errado – eu acabara de perder meu pai, que estava a muito doente e nem os médicos conseguiram determinar o que era. - parou um instante para secar as lágrimas do rosto, ao que Edward gentilmente lhe oferecera um lenço que tirara do paletó. Grata, ela aceitou o lenço e secou com ele suas lágrimas, enquanto continuou seu relato.
- Meu pai falecera aquela noite, pouco depois que eu havia chegado em casa. Agora éramos apenas meus irmãos e eu. Minha mãe já era falecida. Quando vi seu pai eu corri e me joguei nos braços dele, e ele imediatamente me abraçou, cuidou de mim, até pagou pelo funeral de seu avô. Mas eu precisava tomar uma decisão: naquele domingo ele iria embora, voltaria para são Paulo e de lá ele viajaria de volta para os Estados Unidos. Eu sabia que ele me amava e embora estivesse assustada e com medo de tudo, meu futuro parecera muito vazio e cinzento sem ele e eu aceitei sua oferta e viajei com ele e, quando chegamos aqui, eu já estava grávida de você. Seu pai e eu então nos casamos e fomos felizes, até que você nasceu. Seu pai era um homem de negócios e precisava receber seus parceiros e sócios em casa e toda a gente da alta. Eu era um bichinho assustado, num mundo desconhecido, que não falava bem aquela língua estranha, não se adaptava a essas comidas muito diferentes e isso se refletiu em nossa relação. Isso e o fato de que seu avô o deserdara por ter se casado com uma mulher tupiniquim, sem eira nem beira, que não possuía os requisitos para ser uma boa esposa para seu filho. Eu me senti magoada ao ouvir essa conversa, por acaso, enquanto levava-lhes uma bandeja com café e biscoitos, que eu mesma havia preparado. Fiquei tão nervosa que derramei café em seu avó e ele bradou furioso: "-Veja só a esposa que você arrumou! Que dama!" e jogou o guardanapo pro alto e saiu. Da soleira da porta ele gritara que o deserdava, que o esquecesse a partir de então. E foio que seu pai fizera. Mas aquilo tudo era demais para mim e eu decidi que iria embora, pegaria você e um dinehiro suficiente e voltaria pro Brasil. Quando estava tudo pronto, eu passei mal e então descobrimos que eu estava novamente grávida.
Estevão gelou.
"- O quê? Ouviu-se dizer. Ele tinha um irmão ou irmã? O que estava acontecendo? O quê mais a mãe escondera?
"- Isso mesmo. - respondeu Marina – Você tem uma irmã, dois anos mais jovem que você."
Esperou pela reação dele, mas ele nada dissera. Estava atônito demais para conseguir pronunciar qualquer coisa. Apenas fez um gesto com a mão para que a mãe continuasse.
Marina prosseguiu:
"- descobrir que estava grávida novamente alterou todos os meus planos e seu pai ficara simplesmente maravilhado com a notícia. Mas a felicidade não durou, filho. Meses depois eu sofri uma ameaça de aborto espontâneo e passei dois meses no hospital, internada. Sua irmã nasceu prematura e precisou ficar 2 meses no hospital, para ganhar peso e poder sobreviver, se allimentar e respirar sem aqueles tubos todos. Foram dias muito dolorosos para seu pai e eu. Quando Maria Tereza, esse é o nome dela, finalmente teve alta, nós a trouxemos para casa e você ficou encantado por ela imediatamente. - sorriu tristemente – Nós pusemos seu bercinho no seu quarto por que você não saía do lado dela. Olhou de relance para o homem sentado ao lado da mãe e viu que ele agora parecia sofrido, como se carregasse um grande fardo, por tempo demais. Seus olhos estavam sombreados pela dor e Estevão podia jurar ter visto uma lágrima se formar em seus olhos.
Resignada, Marina continuou:
"- Quando Maria Tereza fez um ano, eu já não podia mais! Eu precisava respirar, ser eu mesma de novo... Eu percebi que jamais seria a esposa que seu pai precisava, não importava o quanto nos amássemos. E então eu me decidi novamente a deixá-lo. E tomei a decisão mais difícil e dolorosa de toda minha vida: deixar para trás minha doce e valente menininha! - soluçou e não resistiu ao pranto por alguns minutos. Estevão continuava impassível e mudo. Não podia acreditar em seus olhos e em seus ouvidos! Aquilo tudo era demais para ele – sua mãe, sua adorada mãe não fora capaz de separá-lo de sua família, fora? Não conseguia pensar direito; seu coração parecia perfurado no peito e sua garganta havia se fechado em um nó impossível de engolir...estava sufocando ali. Pôs-se de pé e foi até a janela mais próxima e a abriu, a escancarou na verdade, e sugou todo o fresco ar noturno qe seus pulmões podiam suportar e exalou tudo de uma vez, fazendo um barulho alto.
'-Continue." - Pediu, com voz gélida.
Marina estremeceu. Estava prestes a perder o filho...a perder tudo! Gemeu. Mas já não podia mais voltar atrás. Nunca mais.
Então reunindo o resto de força que ainda possuía ela terminou a história:
"- Seu pai saíra para trabalhar uma manhã e então eu corri, peguei suas coisas e as minhas, aprontei você e peguei sua irmã no colo a abracei forte contra o peito e pedi a Deus força para fazer o que era necessário e também pedi perdão, a Deus, a ela, a você a seu pai, pelo que estava fazendo. Eu sabia que jamais poderia cuidar dos dois, e Tetê era muito pequena e muito frágil para ser exposta às dificuldades que certamente enfrentaríamos. Então, me enchi de coragem e parti, levando você comigo. Eu pretendia voltar ao Brasil, mas então me ocorreu que lá seria o primeiro local que seu pai procuraria, então decidi viver mais alguns anos por aqui, enquanto seu pai desistia de nos procurar. E foi o que fiz. Sem planejar vim parar aqui e aqui conheci Laila e ficamos amigas instantaneamente e então havia essa casinha para alugar e eu fiquei aqui. Seria por alguns anos apenas, mas me apeguei ao lugar e aos vizinhos – sentia como se houvesse ganhado uma segunda família, que me amava e protegia e resolvi ficar. E nunca mais soube de seu pai, a não ser por alguma aparição de destaque nos jornais nacionais. Também não soube mais de Tereza, mas não passei nenhum desses dias sem chorar e me perguntar como ela estaria, se estaria bem, e se algum dia a veria de novo...se ela me perdoaria.." calou-se.
A essas palavras, Eduard reagiu instintivamente e foi taxativo:
'-Jamais." - fitou-a com olhar feroz. Jamais chegará perto de minha filha novamente, ouviu bem?"
Marina se encolheu e abaixou a cabeça, chorando em silêncio.
Edward se ergueu e pôs as mãos no bolso. Respirou fundo e disse:
'- Sua mãe simplificou demais toda a história, mas é isso. Quando cheguei em casa aquela noite, minha esposa e meu filho haviam desaparecido; em seu lugar uma carta mal escrita como pedido de desculpas e um adeus. - Bufou com indignação diante da lembrança daquela que fora a pior noite de toda sua vida. - Eu liguei para a polícia, mas já era tarde, vocês não puderam ser encontrados. Na manhã seguinte tomei um vôo para o Brasil e voltei a antiga casa da sua mãe, mas havia sido tudo em vão - os irmão haviam vendido a casa e nada se sabia sobre seu paradeiro. Entrei em contato com o consulado americano no Brasil que trabalhou juntamente com a Polícia Feral e muitos meses mais tarde, descobriram o paradeiro de uma de suas tias. Me encontrei com ela e ela me garantiu que não sabia nada sobre a irmã, ou do filho e que não a vira desde o funeral do pai. Depois disso eu voltei para casa. Arrasado, derrotado. Mas ainda tinha uma razão para viver: Tereza. Eu cuidei da minha filhinha o melhor que pude e, assim que ela cresceu o bastante, ela mesma começou a busca pelo irmão que ela estava determinada a ter de volta." Fez uma pausa, a voz embargada pela emoção.
Saber disso fizera Estevão gemer de dor. Como a mãe fora capaz?...
'-Anos atrás, soubemos de um engenheiro que estava ganhando fama e conquistando espaço na indústria imobiliária por ser inovador e ousado em seus projetos e nos materiais que usava, na forma como edificava um shopping inteiro em meses, e isso chamou nossa atenção, somos uma empresa do ramo,e Tereza, que trabalha comigo, decidiu saber tudo que houvesse para saber desse novo cara de Nova Yorque, e quando ela me disse seu nome, ao lado de sua foto numa matéria de jornal, eu fiquei chocado. A princípio, ela não havia reparado na foto, mas quando viu minha reação, ela me arrebatou o jornal e agora era ela quem estava chocada - de fato, somos idênticos, com pouquíssimas diferenças entre nós e então ela soube que aquele cara, era o irmão que havia anos ela buscava."Edward riu da recordação da eufórica reação da filha ao descobrir o irmão.
"-Ela queria sair imediatamente para encontrá-lo e dizer-lhe que era sua irmã e perguntar se você se lembrava dela...- a voz falhou um instante e Edward pigarreou e levantou os olhos para o filho – foi quase impossível segurá-la e evitar que se machucasse. Então decidimos que seria mais prudentenos aproximarmos anonimamente e sabermos quanto da história você sabia e se você estaria aberto a nos reencontrar. O resto foi fácil e ela mesmo decidira como tudo seria feito. Na manhã seguinte, contratamos seu escritório e solicitamos seus serviços para uma de nossas obras mais ousadas o Lake Mall, em Statan Island.
Estevão se virou naquele momento e disse:
'-Espere um minuto, a Architetcural Insight Corporation lhe pertence?! - Estevão não podia crer que a obra que alavancara de vez sua carreira e lhe dera condições de voltar para casa era da empresa de seu pai! - Estava boquiaberto e então teve outro choque – Tereza, a assistente que trabalhou comigo durante todo esse tempo era a minha irmã? - ele se segurou na borda da bancada para não cai, sentia que o chão não era estável sob seus próprios pés. Encarava o pai duramente e exigiu: - "Responda!"
"-Sim." Disse Edwuard simplesmente.
Sem dizer palavra ele saiu pela porta, nem mesmo as chaves do carro ele apanhou. Caminhava a passos largos e duros e Marina emendou com dificuldade:
"-Deixe-o ir, ele precisa respirar, ele precisa pensar. Quando estiver pronto ele voltará para casa e eu o avisarei..."
"- Está louca se pensa que eu vou ir embora assim sem falar direito com meu filho, Marina. - rosnou.Daqui eu não arredarei pé enquanto tudo não estiver esclarecido! Já perdi tempo demais sem o meu filho e não perderei mais nada, ouviu? Nada!"
Marina encolhera diante da explosão do ex-marido e sentira seu mundo ruir mais a cada minuto que se passava. A garganta estava apertada, um nó havia se formado ali e parecia que nunca mais iria embora...Não conseguia pensar em nada além dos filhos...principalmente Tereza...Deus, será se algum dia teria a chance de pedir-lhe perdão? Será que também perderia seu amado filho? Então foi até seu altar e acendeu uma vela pedindo para a Mãe do Céu que viesse em seu auxílio e lhe ajudasse a passar por esses momentos tão difíceis e dolorosos. Implorou a Deus perdão e mais uma chance...só mais uma...