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Carol simplesmente se afastou e pos as mãos nos bolsos de trás do jeans e manteve a cabeça baixa por uns minutos e depois a ergueu, o semblante carregado de coragem, os olhos brilhantes e ainda marejados pelas recentes lágrimas.
"- Eu não sei porque você foi embora de repente, sem dizer adeus; não sei porque ficou fora tantos anos sem vir aqui uma única vez, nem mesmo para visitar sua mãe. Tampouco sei por que cargas d'água você foi voltar justo agora – a voz era baixa, carregada de emoções. - Mas precisa saber que me caso em um mês, Estevão. Já contratamos bufet, banda, local. Já enviamos os convites, convidamos os padrinhos e madrinhas. Já elegi minha dama de honra – Fez uma pausa, sem deixar de olhar diretamente em seus olhos – E já escolhi meu vestido. Semana que vem os móveis da minha casa, em que morarei com meu marido, chegarão."
Estevão permaneceu calado. Seu sangue estava gelado em suas veias.
Ela prosseguiu
"- Não me arrependo desse beijo e nem vou me desculpar por ele, ou mesmo negarei que senti muitas coisas hoje; que senti algo novo e maravilhoso nesse beijo. Mas foi só um beijo, uma nostalgia da infância, um momento de fragilidade de ambos. Nada além, compreendeu?"
Estevão suspirou resignado e fez um aceno afirmativo com a cabeça.
Tinha vontade de berrar, de dizer que estava muito enganada; que ela era dele e o beijo deixara isso bem claro.
Ao invés disso ele disse secamente:
"-É como você disse: estavamos fragilizados. Eu, pela descoberta que virou minha vida de cabeça para baixo – disse apontando com o indicador para o peito e em seguida o apontou para ela e perguntou, acidamente -E você por quê?"
Carol desviou os olhos em resposta e foi sentar-se novamente a beira do penhasco.
Estevão não a seguiu imediatemente pois precisava de um pouco de espaço para ordenar os pensamentos e retomar o controle.
Queria sacudí-la como fizera anos atrás; queria gritar e exigir que mandasse o idiota do Simon catar coquinhos! Queria que ela pusesse fim àquela loucura de casamento e voltasse correndo pros seus braços...Queria que ela o amasse e não a Simon; queria que ela chamasse a ele, Estevão de marido! Droga! Passou as mãos pelos cabelos, desesperado e só então percebera que estava com os punhos cerrrados, como se fosse bater em alguém e que tremia ligeiramente.
Respirou fundo e fechou os olhos, soltando o ar pela boca.
Sentia que se acalmava e foi se juntar a ela. Carol estava com ambas as pernas dobradas, o queixo apoiado nos joelhos e os braços abraçando as pernas.
Imagens nítidas da infância, de quantas vezes a vira se sentar assim no passado,aliviaram sua expressão carrancuda, de cenho franzido.
Estevão sentou-se, as pernas esticadas e os pés cruzados, colocou os braços para trás e se apoiava neles, a cabeça estava voltada para o céu, em busca de alguma estrela que pudesse, quem sabe guiar sua vida e levá-lo, ileso, por esse caminho que deveria trilhar, mas sabia que era uma tolice, um pensamento inútil e sacudiu a cabeça, para afastar tais pensamentos. Quando ia desviar os olhos do céu, viu uma estrela cadente tão linda, que fechou os olhos numa prece silenciosa.
Voltando o rosto para Carol,contemplando seu perfil de soslaio, viu que ela também estava de olhos fechados e murmurava algo – ele sorriu, esperançoso, talvez ela estivesse fazendo a mesma prece que ele – ou talvez não, mas ele preferia pensar que sim e isso era-lhe um acalento, diante te tantos acontecimentos que já o haviam macardo tanto.
Estevão se aproximou de sua orelha e sussurou sedutoramente:
"-Espero que a estrelinha atenda seu pedido, Carol."
Carol sentiu a pele se arrepiar e um calor subir pelo pescoço até seu rosto, e abriu abruptamente os olhos. O que esse homem está fazendo comigo? Se recriminou. Mordendo os lábios e cruzando os braços no peito para não falar umas verdades a Estevão, Carol simplesmente disse:
"-Tomara que sim. Desejei que vosse sumisse!" - mentiu.
E Estevão sabia que era mentira pois jogara a cabeça para tras e soltara uma baita gargalhada, como Carol pouquíssimas vezes o vira fazer.
Ele chegou mesmo a secar os olhos, havia chorado de rir!
Carol estava tão brava por isso, mas o riso dele era tão contagiante e genuíno que, quando percebeu, ela mesma estava gargalhando junto com ele.
Deus! Como ela ficava linda sorrindo, desscontraída daquele jeito! Fios de cabelo escapavam do rabo de cavalo e roçavam em suas bochechas; os olhos brilhavam de divertimento, a boca, ainda inchada pelos beijos que trocaram, estava um pouco aberta e revelava dentes perfeitos e muito brancos; o som da sua risada era cristalino, radiante. Ele jamais se cansaria de olhar pra ela, de tê-la perto de si.
Carol, por mais que tentasse, não era indiferente a Estevão, ao contrário, estava plenamente consciente do homem másculo, viril, mas que também era frágil, como um garotinho ferido, pois ele ainda estava ferido demais – pelos pais, pela irmã, pela infância difícil que depois as revelações dessa noite só abriram novas e maiores feridas – ainda assim ele parecia firme, inabalável, por fora, jogando com as pessoas para encobrir seus sentimentos verdadeiros. Pelo menos era isso que Carol achava, que o beijo que trocaram havia sido um subterfúgio que ele usara para aplacar a dor e escapar às suas emoções. Ele era tão bonito, que era fácil demais perder a cabeça por ele.
Olhar para ele assim, tão relaxado, sorrindo, era demais para seu coração; os cabelos que lhe caíam na fronte num ato charmoso de rebeldia, eram negros como os da mãe dele, mas não eram tão lisos, eles faziam algumas ondas; os olhos verdes faíscavam com um brilho divertido e intenso; e a boca – Que boca! - deveria ser proibido um homem ter lábios carnudos assim!
Carol suspirou e desviou os olhos para o vale lá embaixo e ficou surpresa ao deparar com tons de laranja e rosa da aurora que começavam a tingir o horizonte.
"- Uau! Não pode ser tão tarde, pode?" - o céu ainda estava escuro sob suas cabeças, mas já dava sinais do alvorecer mais ao longe.
Ela pôs de pé num salto e correu até o carro. Buscou por algo dentro da bolsa e não conteve uma esclamação de espanto ao ativar o celular: eram 04:59 da manhã!
Quando a viu correr para o carro, por um instante ele pensou que ela iria embora e o deixaria ali, largado à própria sorte. Sentiu um alívio enorme ao perceber que ela simplesmente fora buscar o celular.
Carol, nesse instante franzia o cenho e mordia o lábio inferior. Aquela mulher tinha noção do quanto aquele gesto natural era imensamente sexy? Se questionou, Estevão, sabendo que a resposta a essa pergunta era não. Carol não era forçada, como a maioria das mulheres; ela nem tinha noção da própria sensualidade, julgava.
Viu que ela se demorava, e parecia estar digitando algo - provavelmente devia estar respondendo mensagens do noivo. Estevão cerrou os dentes e os punhos, de raiva e frustração.
Ao desbloquear se celular, Carol não somente vira as horas, como também as notificações de mensagens e chamadas: 42, no total! Algumas da mãe, mas a maioria era de Simon. Porcaria! Praguejara em pensamento. O que diria a ambos?
Pensou rapidamente em uma desculpa e digitou a seguinte mensagem que enviou a ambos:
"- Olá! Me desculpe, estava exausta e precisava de bastante descanso, então tomei um remédio para dormir e apaguei. Só agora vi as mensagens e ligações, sinto muito! Bjs"
Esperava que fosse suficiente.
Fechou a porta do carro e voltou para junto de Estevão, trazendo o celular consigo.
"- Preciso ir. Quer uma carona?" - Disse olhando-o de cima, pois ele ainda permanecia sentado na relva.
Estevão fez que sim com a cabeça e lhe estendeu a mão. Carol segurou na mão que lhe era estendida e tentou puxá-lo para cima, mas ao invés disso, ela a puxara para baixo com tanta força que ela caíra sentada em seu colo.
"- O q..." - não conseguira completar. Estevão estava com o rosto muito próximo do dela, perigosamente próximo. Os olhos dele brilhavam com fúria e escárnio, a boca se curvara em um meio sorriso cruel; o coração dela parecia que ia saltar do peito a qualquer momento. Esperou ansiosa,mas ele não a beijou; parecia que estava querendo provar algo. Carol mordeu mais uma vez o lábio inferior e empinou o queixo, desafiadoramente.
"- Já terminou com sua brincadeirinha de criança? - Indagou – estou indo embora, logo mais precisarei abrir o escritório e ainda tenho coisas a fazer em casa, antes de ir pro trabalho." Disse, ríspida, se desvencilhando dos braços dele e caminhando de volta para o carro.
Estevão se levantou também e a seguiu de perto, amuado. O que esperava? Que de repente ela fosse sucumbir e cair desesperadamente apaixonada em seus braços? Ora, era exatamente isso que esperara – bufou – ou pelo menos que ela não resistisse a proximidade deles e o beijasse, mas não – fitou as costas muito eretas a sua frente - não sua Carol. Era honesta demais, tinha caráter demais, para se permitir assim.
Ela era como um peixe, pensou, um dos grandes. Não seria fisgada antes de uma bela luta. A questão é: quem sairia vitorioso? O peixão, que se libertaria ao final, ou o pescador, que subjugaria e triunfaria sobre o peixe?
Estevão parou por um instante e empertigou-se, ele não desistiria e nem se cansaria – esse peixão encontrara um pescador implacável!
Voltaram para a cidade e o dia já estava claro quando pararam para tomar café no Denni's Cafe. Depois de uma pequena resistência dela, que acabou cedendo, já que acabaria indo até lá no caminho para o trabalho mesmo.
Escolheram uma mesa junto a uma das janelas e assim poderiam ver a movimentação lá fora, a cidade despertando, lojas abrindo as portas, pessoas entrando e saindo do café. Carol pediu um macciato, torradas, bacon e ovos mexidos e ainda um donut de creme. Estevão pedira uma xícara de expresso, uma fatia de bolo de chocolate e ovos mexidos.
Carol comera com vontade e gemia saboreando a sua refeição. Estevão sempre amara vê-la comendo – ela fechava os olhos e se entrega ao prazer que os sabores e texturas lhe proporcionavam – e isso o fazia sentir-se feliz e grato – o pequeno prazer fugaz de se alimentar, poderia ser uma festa ao lado dela, algo a ser realmente saboreado, não apenas engolido, como a maioria das pessoas fazia, umas pela correria diária, outras por simplesmente não se darem conta do quão importante e satisfatório é esse pequeno ato diário de alimentar-se.
Perdido nesses pensamentos não notou a figura que os observava do outro lado da rua, e nem que Carol havia parado com o garfo a meio caminho, corando levemente ao se flagrar sendo observada tão atentamente.
- O que foi agora, estou com a boca toda suja? - indagou ela, sorrindo sem jeito e buscando um guardanapo de papel para se limpar.
Estevão segurou sua mão no ar e disse: - não é nada disso, só senti falta de te ver comer - disse e deu um sorriso encantador.
Carol, sem jeito, retirou a mão e colocou o cabelo atrás da orelha esquerda, sorrindo sem jeito.
Terminaram a refeição, saíram da lanchonete e Estevão se despediu dela, enquanto Carol enquanto ela entrava em seu carro e dava partida.
Em seguida ele tomou um taxi e foi direto para o aeroporto - estava decidido a tomar algumas providências e a última coisa que queria era encontrar a mãe e o pai naquele momento