O Custo Invisível do Amor
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Capítulo 3

Daniel não voltou para casa por três dias.

Eu sabia onde ele estava. O Instagram de Carla era um diário selecionado do tempo deles juntos. Uma foto do carro dela com um pneu furado, Daniel ajoelhado para consertá-lo, com a legenda "Meu herói". Uma foto deles compartilhando uma sobremesa ridiculamente cara, o braço dele casualmente sobre o encosto da cadeira dela. Uma selfie deles no que parecia ser o apartamento dela, o rosto dele mais suave e desprotegido do que eu via há anos.

Passei esses três dias fazendo as malas. Não demorou muito. Minha vida cabia em duas malas. Todas as minhas posses eram práticas, gastas. Não havia luxos, nem indulgências. Apenas as necessidades simples de uma vida vivida para outra pessoa.

Escondida em um canto da minha gaveta estava uma pequena caixa de veludo. Dentro havia um medalhão de prata barato, um presente de Daniel do nosso primeiro ano juntos. Foi o único presente que ele me comprou com seu próprio dinheiro, ganho com aulas particulares. Eu o havia guardado com carinho. Agora, parecia apenas mais um fantasma.

Ele finalmente voltou para casa no quarto dia, parecendo cansado, mas contente.

Ele viu minhas malas perto da porta.

- Indo a algum lugar?

- Só organizando algumas coisas velhas - menti, incapaz de encontrar seus olhos. Eu não suportaria que ele visse a dor neles.

Ele assentiu, aceitando a explicação sem questionar. Ele estava muito envolvido em seu próprio mundo para notar que o meu estava desmoronando.

- Estou me mudando - ele anunciou, uma estranha excitação em sua voz. - A empresa está me dando um lugar novo, mais perto do campus principal. Uma cobertura.

Ele descreveu as janelas do chão ao teto, a cozinha de última geração, a vista.

- Você deveria ir ver - ele disse, como um pensamento tardio.

Uma parte de mim queria gritar, recusar, jogar o medalhão nele. Mas outra parte, mais fraca, queria uma última olhada. Um fim final e definitivo.

- Ok - eu disse baixinho.

Disse a mim mesma que era uma turnê de despedida da vida que eu estava deixando para trás.

O novo prédio era impossivelmente elegante, um monumento de vidro e cromo no coração do bairro mais caro da cidade. Quando saímos do elevador para a suíte da cobertura, encontramos Carla. Ela estava saindo do apartamento ao lado.

- Daniel! Bianca! Que coincidência - ela disse, seu sorriso brilhante e acolhedor. Não alcançou seus olhos.

- Somos vizinhos! - ela cantou. - Não é maravilhoso?

Ela insistiu em nos mostrar seu apartamento.

- Vocês têm que ver. Temos exatamente o mesmo gosto.

Entrei e meu fôlego ficou preso na garganta. Era uma imagem espelhada do novo lugar de Daniel. Os mesmos móveis minimalistas, a mesma paleta de cores de cinzas e azuis frios, a mesma arte abstrata nas paredes.

- Daniel me ajudou a escolher tudo - Carla explicou, radiante. - Estávamos pensando, já que as plantas são idênticas, poderíamos até derrubar a parede entre as salas. Fazer um espaço enorme e aberto.

O significado era claro. Uma vida compartilhada. Um futuro unido.

Daniel apenas sorriu, parecendo satisfeito.

- Carla tem um ótimo gosto.

Senti uma dor familiar e aguda no estômago, mas desta vez foi diferente. Foi a dor da finalidade.

Era quase hora do almoço. Carla sugeriu um restaurante próximo, um lugar com toalhas de mesa brancas e uma carta de vinhos mais longa que meu braço. Ela me entregou o cardápio, um gesto sutil e cruel. Encarei as palavras em francês, sentindo minhas bochechas queimarem de humilhação. Eu não conseguia pronunciar nada daquilo, muito menos saber o que era.

Daniel notou meu desconforto e pegou o cardápio das minhas mãos.

- Bianca não gosta de comida sofisticada - ele disse a Carla, como se explicasse os hábitos alimentares exigentes de uma criança.

- Ah, claro - disse Carla, sua voz pingando falsa simpatia. - Deveríamos pedir algo simples para ela.

Ele se virou para mim.

- O que você quer, Bianca? Uma salada?

Ele sabia o pedido de café de Carla, seu gosto para móveis, as complexidades de seu trabalho. Ele passou dez anos comigo e não sabia minha comida favorita.

- Qualquer coisa está boa - murmurei.

Minhas mãos pareciam desajeitadas e grandes enquanto eu tentava navegar pela variedade de talheres. Derrubei meu copo de água, o cristal se estilhaçando no chão de mármore. O barulho foi ensurdecedor. Todos olharam. Vi a pena e o desprezo em seus olhos.

Fugi para o banheiro, meu rosto queimando. Pude ouvir seus sussurros enquanto saía. "Quem é essa mulher? Ela claramente não pertence a este lugar."

Joguei água fria no rosto, encarando meu reflexo no espelho ornamentado. A mulher que me olhava de volta era uma estranha. Pálida, cansada, com olhos tristes e roupas que gritavam "fora de lugar".

Este não era o meu mundo. Nunca tinha sido.

De repente, um alarme de incêndio soou pelo restaurante. O pânico explodiu. As pessoas gritavam, correndo para as saídas.

Meu primeiro e único pensamento foi: Daniel.

Corri de volta para nossa mesa, empurrando a multidão em pânico. Mas ele tinha sumido.

A mesa estava vazia. Sua cadeira estava afastada. Ele tinha saído.

Ele tinha me deixado.

Fui varrida pela multidão, tropeçando, meu tornozelo torcendo dolorosamente. Caí no chão, a fumaça ardendo em meus olhos.

Através da névoa, eu o vi. Ele estava do lado de fora, a uma distância segura. Ele estava abraçando Carla, que tossia dramaticamente em seu ombro. Ele olhava para o restaurante, o rosto uma máscara de preocupação.

- A Bianca ainda está lá dentro! - ele disse, mas não se moveu. Ele abraçou Carla com mais força.

- Ela é uma mulher adulta, Daniel - disse Carla, sua voz abafada contra o terno dele. - Ela pode se cuidar. Meu tornozelo dói.

Ele olhou dela para o prédio em chamas, o rosto dividido. Mas foi apenas por um segundo. Ele pegou Carla nos braços e a levou em direção a um carro que esperava.

Ele me deixou lá, no chão, no meio do caos, sem um segundo olhar.

Consegui rastejar para fora, meu corpo machucado, meu tornozelo gritando em protesto. Observei o carro dele se afastar, desaparecendo no trânsito da cidade.

Ele havia feito sua escolha.

E naquele momento, eu também fiz a minha.

Mancando, fui ao hospital mais próximo, enfaixei meu tornozelo e depois fui direto para casa. Peguei meu celular e comprei uma passagem de ônibus só de ida de volta para minha cidade natal enferrujada e esquecida.

Naquela noite, sonhei com os últimos dez anos. Vi Daniel no telhado, jovem e quebrado. Vi-o em nossos apartamentos apertados, estudando até tarde da noite. Vi seu rosto em capas de revistas. Vi-o sorrir para Carla.

Vi-o se afastar de um prédio em chamas, me deixando para trás.

Acordei com um sobressalto. Ele estava de pé ao lado da minha cama, uma silhueta contra a luz do amanhecer.

Em sua mão, ele segurava minha passagem de ônibus.

- Você está indo embora? - ele perguntou, sua voz um rosnado baixo de incredulidade e algo mais. Traição.

            
            

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