Levantei-me, pegando minhas chaves. "Preciso sair um pouco. Vocês dois podem conversar."
"Onde você vai?", exigiu Arthur. "Eu te disse para fazer a canja. Tem um frango na geladeira."
Pela primeira vez, não obedeci. Nem mesmo olhei para ele.
"Tenho algo importante para fazer", eu disse, caminhando em direção à porta. "Você pode fazer você mesmo."
Eu sabia que ele não conseguiria. Em todos os anos que o conheci, ele nunca havia cozinhado uma refeição. Ele nem saberia como ligar o fogão.
Ignorei a fúria crescendo em seus olhos e saí, fechando a porta firmemente atrás de mim.
Eu tinha algo importante para fazer.
Eu tinha que comprar uma passagem de ônibus.
Fiquei na fila a noite toda no vento cortante. As pessoas empurravam e se acotovelavam, desesperadas. Quando finalmente cheguei ao guichê, meu corpo estava dormente de frio e exaustão, mas eu a tinha. Uma passagem só de ida para São Paulo, partindo em dois dias.
Arrastei meu corpo dolorido para casa enquanto o sol nascia.
Arthur estava me esperando, o rosto uma nuvem de tempestade.
"Onde você esteve a noite toda?", ele rosnou. "Késsia e eu ficamos preocupados!"
Ele apontou um dedo dramático em direção ao quarto. "Ela saiu para te procurar e caiu. Torceu o tornozelo! É tudo culpa sua!"
Olhei para o quarto. Késsia estava na cama, o tornozelo apoiado em um travesseiro, uma expressão de dor no rosto.
"Não é sua culpa, Arthur", disse ela fracamente, desempenhando seu papel com perfeição. "Eva estava apenas... chateada. Eu não deveria tê-la preocupado."
O rosto de Arthur ficou ainda mais sombrio.
"Peça desculpas a ela. Agora."
Eu ri. Uma risada real e genuína desta vez. Foi bom. "Não."
Ele começou um sermão. "Uma mulher precisa saber como administrar sua casa. Se você não consegue nem lidar com isso, como pode ficar ao meu lado?"
Então ele jogou sua cartada final. "Se você não se desculpar, este noivado acaba."
Um lampejo de pura alegria iluminou os olhos de Késsia antes que ela pudesse escondê-lo.
Minha mão se fechou em um punho. Meu plano. Minha fuga. Ele estava ameaçando a própria coisa que eu queria, mas se eu concordasse muito facilmente, ele ficaria desconfiado. Ele encontraria uma maneira de me impedir de sair. Eu o conhecia. Ele não suportava perder o controle.
Eu não podia arriscar. Não podia arriscar que ele descobrisse sobre a UnB.
Fechei os olhos, respirei fundo e engoli meu orgulho uma última vez. Pelo futuro.
"Tudo bem", eu disse, minha voz tensa. "Eu vou me desculpar."
Sua expressão imediatamente suavizou, uma satisfação presunçosa substituindo a raiva.
"Assim é melhor", disse ele, assentindo. "Uma mulher que conhece seu lugar, que é generosa e perdoadora - esse é o único tipo de mulher digna de ser minha esposa."
Caminhei até o lado da cama e olhei para Késsia. Fiz uma reverência profunda e formal.
"Me desculpe", eu disse, minha voz gotejando uma ironia que só eu podia apreciar. "Eu estava errada. Não terei mais ciúmes do cuidado que você recebe do Arthur. Vocês dois são tão próximos, afinal."
Arthur franziu a testa, sentindo que algo estava errado no meu tom, mas não conseguia identificar o quê. Ele estava muito satisfeito com sua vitória.
"Bom", disse ele. "Agora que isso está resolvido, ainda podemos nos casar."
Eu olhei para cima, meus olhos completamente vazios. "Sim", eu disse.
Késsia forçou um sorriso, mas seus olhos estavam escuros de ressentimento. Ela não tinha conseguido o que queria.
Ainda não.