Uma pausa, depois uma risada suave. "Ok, ok, você venceu. Vou fazer sua sopa de gengibre favorita e levar para você."
Eu o observei, um estranho em sua própria casa, mimando outra mulher. O murmúrio da conversa deles era uma dor surda no meu peito.
Virei-me para sair, mas ele saiu da cozinha naquele momento, carregando uma tigela fumegante. Ele parou quando me viu.
"Ah, Mília. Você ainda está acordada." Ele hesitou por um segundo, depois me estendeu a tigela. "Aqui, pegue isso. Está frio lá fora."
Ele voltou para a cozinha para fazer outra tigela para Carla.
"Você precisa se cuidar melhor", ele repreendeu gentilmente enquanto trabalhava. "A Carla é do mesmo jeito, sempre se esquece de usar um casaco."
Ele sorriu por cima do ombro para mim. "Não se preocupe, Mília. Vou encontrar um cara legal para você em breve. Alguém para cuidar de você."
As palavras eram para ser gentis, mas pareciam pedras atiradas em meu coração.
Do corredor, eu podia ouvir duas das empregadas sussurrando.
"Você viu os fogos de artifício? Ele costumava fazer coisas assim para a Srta. Emília o tempo todo."
"Eu sei. É tão triste. Estar tão apaixonado em um minuto, e um completo estranho no próximo. Pobre menina."
Baixei o olhar, forçando para trás o calor que ardia em meus olhos. Murmurei algo evasivo em resposta à oferta de Guilherme.
Não importava. Eu sabia que meu corpo era uma bomba-relógio. Um parceiro seria apenas um fardo, outra pessoa para me ver definhar.
Guilherme pareceu não notar meu silêncio. Ele apenas disse: "Descanse um pouco", e subiu as escadas, seus passos leves e ansiosos.
Eu me perguntei se ele ouviu as empregadas. Me perguntei se ele sequer registrou.
Minha mão, a que segurava a tigela de sopa que ele me dera, de repente ficou dormente. A porcelana escorregou de meu alcance e se estilhaçou no chão de mármore.
O som agudo ecoou no corredor silencioso.
A dormência era uma sensação familiar e aterrorizante. A doença estava começando.
Eu não estava mais interessada em jogos de adivinhação. Ajoelhei-me e comecei a recolher calmamente os cacos, minha mente fria e clara.
Não contei a ninguém sobre o incidente. Fui para o meu quarto, deitei na cama e me forcei a dormir, a única fuga que eu tinha.
Os dias seguintes foram um novo tipo de tormento. Eu era constantemente acordada pelo som de construção no quintal.
Guilherme estava mandando demolir o antigo balanço coberto de glicínias. Era o balanço que ele construíra para mim, onde tirara uma foto minha todos os anos no meu aniversário.
"Só mais uma", ele dissera no meu último aniversário, o décimo oitavo, "e teremos o suficiente para encher nosso álbum de casamento."
Agora, ele o estava arrancando para construir um lago de lótus. Porque Carla gostava de lótus.
As glicínias nem floresceriam por mais alguns meses. Ele havia esquecido.
Ele havia esquecido de tudo.
Enquanto as últimas peças do balanço eram levadas, Carla me interceptou perto do agora vazio pedaço de terra.
Ela ergueu a mão, exibindo um anel delicado em seu dedo. Era uma aliança de prata, moldada em uma flor de lótus.
"Guilherme fez para mim", ela anunciou, sua voz pingando de orgulho. "Ele me pediu em casamento."
Meus olhos se concentraram no anel. Era um desenho que eu havia esboçado em um caderno anos atrás, um dos meus favoritos. Ele deve ter visto e guardado em sua memória, uma memória agora reaproveitada para outra mulher.
"É lindo", eu disse, minha voz genuína. "Combina com você."
Seu sorriso vacilou, substituído por um olhar sombrio. "Eu não gosto dele", ela retrucou, sua insegurança à flor da pele. "E não gosto de você estar aqui, Emília. Você é uma bomba-relógio."
"O que você quer, Carla?", perguntei, minha paciência se esgotando.
Ela abriu a boca para responder, mas antes que pudesse falar, deu um passo deliberado para trás e se jogou no poço lamacento e semi-escavado do futuro lago de lótus.