Olhei para cima. Guilherme estava na janela do meu antigo quarto no segundo andar. Sua silhueta era emoldurada pelo fogo, seu rosto uma máscara de puro terror.
"Emília, me responda!", ele gritou, sua voz rouca de desespero.
Tentei gritar de volta, mas minha voz era uma coisa engasgada e arranhada. "Estou aqui!"
Olhei para ele, para o medo frenético em seus olhos, e por um momento perigoso, senti um lampejo da velha esperança.
Mas uma voz mais fria e clara em minha cabeça cortou o sentimento. É apenas instinto, dizia. Ele foi criado para te proteger. Não é amor. É responsabilidade.
A resposta era clara.
Nesse momento, ele pulou. Aterrou na grama a poucos metros de mim, suas costas arranhadas e sangrando com o impacto.
Carla correu para ele, jogando os braços ao redor dele e imediatamente apontando um dedo trêmulo para mim. "Ela ateou o fogo, Guilherme! Eu a vi!"
Desviei o olhar de sua performance e encontrei os olhos de Guilherme. Eles estavam selvagens, confusos e cheios de uma pergunta ardente.
"Você acredita nela?", perguntei, minha voz estranhamente calma.
Ele me encarou, seu olhar sombrio e indecifrável. Ele não respondeu.
E em seu silêncio, eu tive minha resposta. Ele não confiava em mim.
"Se você ousar tocar um dedo na Carla", disse ele, sua voz um rosnado baixo, "você pagará o preço. Vou te levar para a polícia."
Lembrei-me das palavras de Carla perto do lago de lótus, seu apelo desesperado. Eu vou morrer se ele me deixar. Finalmente entendi seu plano. Ela não queria apenas que eu fosse embora; ela queria que eu fosse destruída. Ela queria que Guilherme me visse como um monstro.
Tudo bem. Eu daria a todos eles o que queriam. Eu cortaria este último laço.
Uma risada borbulhou do meu peito, seca e sem humor. "Ninguém ousaria me levar para a delegacia", eu disse, com um tom zombeteiro na voz. "O Sr. e a Sra. Almeida nunca permitiriam."
Seus olhos arderam de fúria. Minha ousadia o levara ao limite.
Dei um passo mais perto, minhas pontas dos dedos quase roçando seu peito. "Qual é o problema, Guilherme?", murmurei, minha voz baixa e sedutora. "Está com medo de sentir minha falta? Você ainda tem sentimentos por mim?"
Ele deu um tapa na minha mão, o som agudo no ar da noite. Sua outra mão disparou, agarrando meu braço e me empurrando contra o muro do jardim. Seu rosto estava a centímetros do meu, seu aperto machucando.
"Pare com esses joguinhos", ele sibilou, seu rosto contorcido de raiva e nojo. "Não sei o que você era para mim antes, mas agora, você não é nada além de problema. Você está envenenando tudo."
Ele se inclinou mais perto, sua voz um sussurro venenoso. "Mas você é útil. Você será o pano de fundo perfeito para fazer a Carla brilhar ainda mais em nossa festa de noivado."
O ar saiu dos meus pulmões. Minha visão começou a nadar. Lutei contra seu aperto, inutilmente.
Ele me soltou abruptamente, me empurrando para longe. Tropecei, me segurando no muro. Ele puxou Carla para perto e se afastou.
"Esteja na festa em três dias", ele gritou por cima do ombro. "Não se atrase."
Antes de entrar, enviei uma mensagem rápida para Jonas: É hoje à noite. A festa de noivado.
Sua resposta foi quase instantânea: Entendido. Estou na cidade. Ligue se precisar de algo. Qualquer coisa.
Uma pequena medida de calma se instalou sobre mim. Eu não estava completamente sozinha. Apoiei-me nos tijolos frios, meu braço latejando. Olhei para cima e vi Carla me observando, sua expressão uma estranha mistura de triunfo e medo.
Dei a ela um sorriso pequeno e fraco. "Estarei lá", sussurrei para a noite.
Depois disso, minha tarefa estaria completa. Ele estaria verdadeiramente livre.
Os Almeida, apesar de suas reservas sobre Carla, deram uma festa de noivado luxuosa. O amor por seu filho, e sua insistência teimosa, venceram. O salão de baile brilhava com cristal e ouro, cheio das pessoas mais poderosas de São Paulo.
Seus sussurros me seguiram enquanto eu me movia pela sala.
"Aquela não é a Emília Vasconcelos? Pensei que ela estava noiva do Guilherme."
"Ele perdeu a memória, sabe. Se apaixonou por essa garota nova, uma ninguém."
"Que pena. Ele costumava idolatrar o chão que a Emília pisava."
Um velho amigo da família, um patriarca de outra família poderosa, balançou a cabeça. "Que tragédia. Se eu soubesse que isso aconteceria, teria feito minha neta tentar a sorte anos atrás."