Heitor estava no hall de entrada, com o braço em volta de Catarina Vaz. Ela olhava para ele com olhos de adoração. Aquilo me deu nojo.
"O que você está fazendo com isso?", ele perguntou, seus olhos se estreitando na minha pasta.
"Apenas organizando alguns projetos antigos", menti, minha voz firme apesar do tremor em minhas mãos.
Ele não acreditou em mim. Eu podia ver na rigidez de sua mandíbula.
"Desfaça a mala", ele ordenou. "Você não vai a lugar nenhum."
Ouvi barulhos do andar de cima. O som de coisas sendo movidas, de gavetas abrindo e fechando. Vinham do quarto ao lado do nosso.
Meu santuário.
Eu congelei, minha pasta escorregando dos meus dedos dormentes e caindo no chão com um baque, espalhando desenhos arquitetônicos.
Era o quarto onde eu guardava tudo que meus pais haviam me deixado. Seus livros, as ferramentas de desenho do meu pai, as pinturas da minha mãe. Era um quarto cheio de fantasmas, mas eram meus fantasmas. Eram tudo o que me restava deles.
"Não", eu disse, minha voz afiada enquanto olhava para a escada. "Aquele quarto, não. Qualquer outro quarto."
Catarina se encostou em Heitor, seu lábio inferior tremendo. "Ah, Heitor. Não quero ser um incômodo. Posso ficar em um hotel. Parece que a Srta. Prado não está feliz em me ter aqui."
"Besteira", disse Heitor, sua voz suavizando ao olhar para ela, depois endurecendo novamente ao se virar para mim. "Ela vai ficar aqui. Naquele quarto."
"Heitor, por favor", implorei, minha compostura desmoronando. "Aquele era o ateliê da minha mãe. É... é importante para mim."
"Sua mãe está morta", disse ele, suas palavras como pedras. "Ela não precisa de um ateliê. Catarina está viva e precisa de um lugar para descansar."
Ele ergueu a voz. "Maria! Faça isso. Agora."
As empregadas, Maria e outra, apareceram no topo da escada, seus rostos cheios de pena. Corri para bloquear a porta.
"Vocês não podem", sussurrei, as lágrimas embaçando minha visão.
Catarina soltou um pequeno soluço. "Heitor, ela está me assustando."
Isso foi o suficiente. O rosto de Heitor se contorceu de raiva. Ele caminhou até mim, agarrou meu braço e me jogou para o lado. Eu tropecei, minha cabeça batendo na parede com um baque surdo.
As empregadas passaram correndo por mim e voltaram para dentro do quarto.
O quarto estava exatamente como eu o havia deixado. Partículas de poeira dançavam na luz da tarde. O cheiro de tinta a óleo e papel velho enchia o ar. A tela inacabada da minha mãe ainda estava no cavalete.
"Tirem todo esse lixo daqui", ordenou Heitor. "Joguem fora."
Elas começaram a tirar as coisas das prateleiras, manuseando as preciosas memórias dos meus pais com pressa descuidada. Uma caixa de cartas do meu pai caiu, espalhando-as pelo chão.
Eu me apressei para pegá-las, mas elas estavam sendo pisoteadas.
Caí de joelhos, soluçando, impotente.
Catarina caminhou até mim, um sorriso cruel brincando em seus lábios. "Não fique tão triste. São apenas coisas."
Ela pegou uma fotografia emoldurada em prata de uma mesa próxima. Era minha foto favorita dos meus pais e de mim, tirada no meu décimo aniversário. Estávamos todos sorrindo. Felizes.
"Esta é uma moldura bonita", disse ela, seu polegar acariciando o vidro sobre o rosto da minha mãe. "Mas a foto é velha."
Então, ela "tropeçou".
A moldura voou de suas mãos e se espatifou no chão. O som ecoou na sala silenciosa.
"Ah, me desculpe!", ela gritou, tropeçando para trás. "Alana, eu não quis! Você me empurrou?"
Heitor estava ao lado dela em um instante, seu rosto uma máscara de fúria. Ele nem olhou para mim. Ele apenas reagiu.
Ele me deu um tapa.
A força do golpe me fez cair. Minha bochecha ardia, meu ouvido zumbia.
"Como você ousa?", ele rugiu, sua voz tremendo de raiva. "Como você ousa machucá-la?"
"Eu não...", tentei explicar, mas ele não quis ouvir.
Ele agarrou meu braço e me arrastou para fora do quarto, para fora de casa e para o gramado da frente. Tinha começado a chover, uma garoa fria e miserável.
"Você vai ficar aqui fora e pensar no que fez", ele sibilou, seu rosto a centímetros do meu.
Ele jogou a caixa com as cartas espalhadas e enlameadas do meu pai na grama molhada ao meu lado.
"E você pode ficar com seu lixo precioso."
Ele se virou e voltou para dentro. Ouvi a pesada porta da frente bater, o ferrolho deslizando no lugar.
Eu estava sozinha. Na chuva. Com os restos estilhaçados do meu passado.