Uma fúria que eu nunca havia sentido antes ferveu dentro de mim. Eu me lancei sobre ela, empurrando-a para longe dos destroços das minhas memórias.
"Fique longe disso!", gritei.
Ela tropeçou para trás, prendendo o calcanhar no tapete e caindo dramaticamente no chão. "Aah! Meu tornozelo! Heitor, ela me empurrou! Ela me atacou!"
Heitor foi um borrão em movimento. Ele a viu no chão, e sua razão desapareceu.
Ele agarrou meu cabelo, puxando minha cabeça para trás. "Sua vadia", ele rosnou. "Eu te avisei."
Ele ordenou que as empregadas varressem os pedaços. Todos eles.
"Não!", gritei, tentando impedi-las, mas os seguranças me seguraram firme. Eu assisti, impotente, enquanto eles varriam o último presente dos meus pais para mim em uma pá de lixo e o levavam embora.
Eu me soltei e corri para a cozinha, para a lata de lixo, e comecei a cavar no lixo, ignorando a borra de café e os restos de comida. Eu tinha que encontrar a bailarina.
Meus dedos se fecharam em algo pequeno e duro. Eu o puxei para fora. Era ela. Coberta de sujeira, mas inteira.
"Olhe para você", a voz de Catarina pingava desprezo da porta. "Cavando no lixo como o animal que você é. Seus pais estariam tão orgulhosos."
Foi isso. O último fio do meu controle se rompeu.
Eu voei para cima dela, minhas mãos se fechando em sua garganta. "Nunca mais", rosnei, meu rosto a centímetros do dela, "fale dos meus pais."
Ela arranhou minhas mãos, seus olhos arregalados com medo real pela primeira vez. Ela soltou um grito agudo.
Heitor estava lá em um instante, me tirando de cima dela. Ele me jogou no chão.
"Você foi longe demais, Alana", disse ele, sua voz assustadoramente calma. "Você está doente. Você precisa de ajuda."
Ele se virou para seus seguranças. "Levem-na para a sala de tratamento."
A sala de tratamento. Era assim que ele a chamava. Não fazia parte da casa original. Era uma adição recente dele, um pequeno quarto à prova de som no porão que ele construiu para "curar" minha rebeldia. No meio do quarto havia uma única cadeira. Uma cadeira com tiras de couro e fios que ele mandou instalar especialmente.
Eles me arrastaram pelos degraus de concreto frio. Eu lutei. Eu gritei. Mas foi inútil.
Eles me amarraram na cadeira. O couro frio gelou minha pele. O cheiro de ozônio encheu o ar.
Heitor ficou na minha frente, seu rosto uma máscara fria e dura. Catarina espiava por trás dele, um olhar presunçoso de vitória em seu rosto.
"Peça desculpas a Catarina", disse ele.
"Nunca", cuspi.
Ele acenou para o guarda no painel de controle.
Um interruptor foi acionado.
Uma dor lancinante e branca atravessou meu corpo. Cada músculo se contraiu. Meus dentes se cerraram com tanta força que pensei que iriam quebrar. Um grito foi arrancado da minha garganta. Pontos pretos dançavam na minha visão.
Parou tão subitamente quanto começou. Eu desabei contra as tiras, ofegante.
"Peça desculpas", repetiu Heitor.
Levantei a cabeça, meu corpo tremendo. Olhei-o nos olhos. "Vá para o inferno."
Ele acenou novamente.
A dor voltou, pior desta vez. Parecia que meus ossos estavam sendo arrancados. Através da névoa de agonia, vi flashes de uma vida diferente. Heitor sorrindo para mim. Heitor segurando minha mão. Heitor me beijando sob as estrelas.
As memórias eram uma piada cruel.
A eletricidade parou. Eu mal estava consciente.
"Acho que ela já teve o suficiente", disse Heitor, sua voz entediada. "Por enquanto."
Ele se virou para os guardas. "Levem-na de volta para o quarto dela. Tranque a porta."
Eles me desamarraram. Meu corpo estava mole. Eles me arrastaram escada acima e me jogaram na minha cama como um saco de lixo.
Meu lindo quarto agora era apenas mais uma parte da minha prisão. Fiquei ali, cada centímetro do meu corpo doendo, e chorei. Não pela dor, mas pelo homem que eu havia perdido. O homem que agora era meu torturador.