"Heitor! Deixe-me entrar! Por favor!"
Meus gritos foram engolidos pela tempestade.
Uma luz se acendeu em uma janela do andar de cima. Uma das empregadas, Maria, espiou.
"Por favor, Maria! Abra a porta!", gritei.
Seu rosto era uma mistura de pena e medo. Ela balançou a cabeça. "Não posso, Srta. Prado. O Sr. Alcântara deu ordens."
A luz se apagou.
A realidade da minha situação me atingiu com a força de um golpe físico. Eu não era mais a dona desta casa. Eu era uma prisioneira, e meu carcereiro acabara de me jogar no frio.
Olhei pela janela da sala de estar. Heitor estava com os braços em volta de Catarina, confortando-a. Ele acariciava o cabelo dela enquanto ela soluçava em seu peito. Uma imagem perfeita de engano.
Uma onda de raiva fria e dura cortou minha dor. Eu não os deixaria me quebrar.
Aninhei-me contra a parede da casa, tentando encontrar algum abrigo do vento e da chuva. Agarrei a caixinha de música quebrada contra o peito. Era tudo o que me restava.
Lembrei-me de quando Heitor e eu éramos crianças, brincando neste mesmo quintal. Ele caiu do grande carvalho e quebrou o braço. Fiquei com ele por horas, contando-lhe histórias até a ambulância chegar. Ele me disse que eu era sua heroína.
Ele havia prometido sempre me proteger.
Essa promessa era uma mentira, estilhaçada como a fotografia dos meus pais.
O frio se infiltrou em meus ossos. Meu corpo começou a tremer incontrolavelmente. A exaustão, tanto física quanto emocional, me dominou. Encostei a cabeça na pedra fria e fechei os olhos, deixando a escuridão me levar.
Não sei quanto tempo fiquei lá fora. Quando voltei a mim, a chuva havia parado. A lua estava alta no céu.
A porta da frente se abriu.
Heitor estava lá, silhueta contra a luz do corredor. Seu rosto era indecifrável nas sombras.
Ele caminhou até mim, seus passos silenciosos na grama molhada. Ele olhou para mim, encolhida no chão, e por um momento, vi um brilho de algo em seus olhos. Pena? Arrependimento?
Desapareceu tão rápido quanto apareceu.
Ele jogou um guarda-chuva dobrado no chão ao meu lado.
"Não pegue um resfriado", disse ele, sua voz monótona. "Seria um inconveniente."
Então ele se virou e voltou para dentro, fechando a porta atrás de si. Ele não me ofereceu a mão. Ele não perguntou se eu estava bem. Ele apenas me deixou lá, com seu gesto patético e inútil de um guarda-chuva.
Na manhã seguinte, entrei com a chave reserva que mantinha escondida no jardim. A casa estava silenciosa. Levei a caixa enlameada com as coisas dos meus pais para o meu ateliê. Passei horas limpando cuidadosamente cada item, tentando salvar o que podia. A fotografia estava arruinada. As cartas estavam em sua maioria ilegíveis. Mas a pequena bailarina da caixinha de música estava intacta.
Eu estava tentando colá-la de volta na tampa quando os ouvi descendo as escadas.
Catarina me viu primeiro. "Oh, olhe. Ela está brincando com seus brinquedos quebrados."
Eu a ignorei, meu foco inteiramente na tarefa delicada.
Ela se aproximou. "Sabe, Heitor se sente péssimo pelo que aconteceu. Ele é apenas muito protetor comigo."
Eu não respondi.
"Eu sou muito boa em consertar coisas", disse ela, sua voz enjoativamente doce. "Deixe-me te ajudar com isso."
Ela estendeu a mão para a caixinha de música.
"Não toque nisso", eu disse, minha voz baixa e perigosa.
Heitor deu um passo à frente. "Alana, deixe-a ajudar. Foi um acidente. Ela está tentando consertar as coisas."
"Não", eu disse, agarrando a caixa contra o peito.
Os olhos de Catarina se encheram de lágrimas. "Eu só queria ajudar... Heitor, ela me odeia."
"Dê para mim, Alana", ordenou Heitor.
"Não."
Vi o brilho de raiva em seus olhos. Ele estalou os dedos. Dois de seus seguranças apareceram do corredor.
"Peguem dela", ele ordenou.
Eles se moveram em minha direção. Eu recuei, segurando a caixinha de música como um escudo.
"Não se atrevam!", gritei.
Eles agarraram meus braços. Eu lutei, mas eles eram muito fortes. Eu chutei e me debati, minhas unhas cravando em sua pele. Um deles torceu meu braço para trás, forçando-me a gritar de dor.
A caixinha de música caiu do meu alcance.
Catarina a pegou. Ela olhou para ela, depois para mim, um olhar de pura malícia triunfante em seus olhos.
"Opa", ela disse.
E a deixou cair.
A madeira e o metal frágeis se estilhaçaram no chão duro, a pequena bailarina rolando para debaixo de uma mesa.