- Jogue tudo fora - disse ela à empregada que a seguiu.
A empregada pareceu chocada.
- Tudo, senhora? Até os presentes do Sr. Almeida? As fotos?
O olhar de Laura caiu sobre uma fotografia que se destacava no topo de uma caixa. Era dela e de Lucas quando crianças, sorrindo para a câmera, com os braços em volta dos ombros um do outro. Ela a pegou, seu polegar roçando suavemente uma camada de poeira. Por um momento, ela hesitou.
Então ela a jogou de volta na caixa.
- Queime - disse ela, a voz dura. - Queime tudo.
- Mas senhora - protestou a empregada - o Sr. Almeida uma vez ficou tão bravo quando uma dessas molduras foi acidentalmente quebrada. Ele valoriza essas coisas.
- Ele não valoriza mais - disse Laura, categoricamente. Ela ordenou que a empregada lhe trouxesse uma bacia de metal. Ela mesma faria isso.
Um por um, ela alimentou os restos de seu passado às chamas. Vestidos que ele comprou para ela, livros que ele lhe deu, fotos deles sorrindo, rindo, amando. Ela os observou se enrolarem e enegrecerem, virando cinzas, assim como o amor deles.
Sua cirurgia era em uma semana. Viva ou morta, ela havia terminado com ele. Esta fogueira era uma pira funerária para a garota que ela costumava ser.
No dia seguinte, ela foi ao orfanato. Fez uma grande doação, o suficiente para garantir que as crianças tivessem tudo o que precisassem por anos. Então, pediu à diretora os velhos álbuns de fotos. Ela os folheou página por página e, onde quer que encontrasse uma foto sua, pegava um marcador preto e riscava seu próprio rosto, obliterando sua imagem do registro daquele lugar.
Ela foi até o velho sicômoro no pátio. Com as próprias mãos, cavou na terra úmida até que seus dedos atingiram algo duro e metálico: uma caixa de lata enferrujada.
Dentro havia duas pequenas garrafas de vidro. Cada uma continha um pedaço de papel, um desejo para o futuro que eles haviam escrito quando adolescentes. Ela abriu o dela.
"Eu quero ser a noiva do Lucas."
Ela quase podia ouvir a voz dele, uma memória daquele dia, prometendo que nunca a deixaria. Uma promessa tão frágil quanto o papel amarelado em sua mão.
Ela rasgou o bilhete em pedaços minúsculos e deixou o vento levá-los.
Ela deixou o orfanato e caminhou, seus pés a levando ao velho e decadente prédio de apartamentos onde eles moraram depois de deixar o sistema. Era um espaço minúsculo e apertado, mas tinha sido o primeiro lar de verdade deles. Ele havia comprado o prédio inteiro depois que sua família o encontrou, dizendo que queria preservar suas memórias.
Ela olhou para as janelas sujas. Como ela, havia sido esquecido.
- Laura?
Uma voz gentil e familiar a tirou de seus pensamentos. Era Seu Franco, o idoso dono da pequena lanchonete na esquina onde ela e Lucas costumavam comer quando podiam pagar.
- Seu Franco - disse ela, conseguindo um sorriso fraco.
- Há quanto tempo! Continuo vendo o Lucas nas notícias. Vocês dois vão se casar em breve?
A pergunta era tão inocente, tão cheia da esperança que há muito morrera nela.
- Não vamos nos casar, Seu Franco - disse ela, a voz mal um sussurro. - Ele vai ter um bebê com outra pessoa.
O sorriso de Seu Franco vacilou.
- Mas... ele te amava tanto.
Os olhos de Laura arderam.
- A lanchonete está aberta? Eu adoraria uma tigela do seu macarrão.
Ele suspirou, seus ombros caindo.
- Sinto muito, querida. Fechei de vez no mês passado. Estou ficando velho demais para isso.
O último brilho de luz em seus olhos morreu.
- Ah. Que pena.
- Espere aqui - disse ele, e desapareceu na lanchonete escura. Ele voltou alguns minutos depois com uma tigela fumegante de macarrão. - Eu estava fazendo um pouco para mim. Aqui, pegue.
Ele olhou para o rosto pálido dela, as olheiras escuras sob seus olhos.
- Você precisa se cuidar melhor, garota.
Ela pegou a tigela, o calor se infiltrando em suas mãos frias. O vapor subiu e embaçou sua visão, escondendo as lágrimas que começaram a cair. Ela deu uma mordida. Tinha gosto de casa, de uma vida que se fora para sempre.
- Está tão bom quanto eu me lembrava - ela engasgou.
- Você pode comer quando quiser - disse ele com um sorriso gentil.
Ela sabia que nunca mais comeria o macarrão dele. O pensamento foi uma nova onda de luto. Ela continuou comendo, enfiando o macarrão na boca, tentando engolir os soluços que sacudiam seu corpo. Mas as lágrimas não paravam. Elas caíam na tigela, temperando o caldo com sua tristeza.
Finalmente, ela não conseguiu mais segurar. Colocou a tigela na mesa de pedra, deitou a cabeça nos braços e chorou.