Para o mundo exterior, parecia uma reconciliação. Seu pai estava aliviado. Sua madrasta elogiava a devoção de Damião. "Viu?", ela dissera a Helena com um sorriso presunçoso. "Ele te ama. Foi tudo um mal-entendido bobo."
Helena sabia a verdade. Ela o observava, o coração uma pedra fria e imóvel em seu peito. Ela via como seus olhos se desviavam para o celular a cada poucos minutos. Ela notou os presentes que ele lhe trazia - um lenço de seda num tom de azul que Juliana adorava, um romance de um autor de quem Juliana sempre falava. Ele estava tentando agradar Helena com coisas que agradariam sua rival. O homem era um tolo.
A farsa terminou numa tarde de terça-feira.
Helena estava em seu ateliê, limpando os pincéis, quando a porta se abriu com um estrondo. Damião estava lá, o rosto uma máscara trovejante de fúria. Ele respirava pesadamente, o peito arfando.
"O que você fez?", ele rosnou, caminhando em sua direção.
Helena calmamente colocou o pincel no pote de aguarrás. "Não faço a menor ideia do que você está falando."
"Não minta para mim!", ele rugiu, a voz ecoando no espaço grande e arejado. "Juliana! O que você disse a ela?"
Ele a agarrou pelos ombros, os dedos cravando em sua pele. "Ela está no hospital, Helena! Ela tentou se matar! Tomou um frasco de pílulas!"
As palavras pairaram no ar entre eles. Juliana tentou se matar. O mesmo truque cansado e manipulador.
Helena não sentiu nada. Nenhum choque, nenhuma pena. Apenas um vazio profundo e cansado.
"Ela está morrendo, Helena", a voz de Damião falhou, sua raiva dando lugar a um som cru e quebrado. "E a culpa é sua. Você e suas exigências cruéis e perversas. Você a empurrou para isso."
Helena olhou para ele, para o homem que um dia amou, seu rosto contorcido de dor por outra mulher. "É mesmo?"
Seus olhos, cheios de lágrimas não derramadas, ardiam de ódio. "Como você pode ser tão fria? Ela é sua irmã! Você não tem coração? Você é humana?"
Ele a estava acusando de ser sem coração, enquanto ele era quem a deixara para queimar. A hipocrisia era de tirar o fôlego.
"Então, o que você vai fazer?", perguntou Helena, a voz um sussurro clínico e distante. "Vai me punir?"
"Punir você?", ele riu, um som áspero e feio. "Isso não é suficiente. Você vai se redimir. Você irá até ela, se ajoelhará e implorará por seu perdão."
Ele não havia terminado. Seu aperto se intensificou, o rosto a centímetros do dela.
"E você continuará implorando, todos os dias, pelo resto da sua vida. Você será a serva dela. Fará o que ela pedir. Esse é o preço pela dor dela."
Uma dor aguda e inesperada apertou o peito de Helena. Era uma dor fantasma, um espectro do amor que ela costumava sentir. Por quê? Por que, depois de tudo, suas palavras ainda tinham o poder de machucá-la? Ela havia morrido. Ela havia renascido. Essa dor deveria ter sido queimada de dentro dela.
Ela sentiu uma onda de tontura, sua visão embaçando nas bordas. Ela não conseguia encontrar as palavras para se defender. Qual era o ponto? Ele não acreditaria nela de qualquer maneira.
"Você confia tanto nela?", ela conseguiu sussurrar, as palavras com gosto de cinzas. "Você acredita em tudo que ela diz?"
"Sim", disse ele sem um segundo de hesitação, a voz soando com convicção absoluta. "Juliana é pura. Ela é inocente. Ela nunca mentiria. Não como você."
Ele pareceu se conter então, um lampejo de algo - talvez consciência de sua própria crueldade - passando por seus olhos. Ele afrouxou um pouco o aperto. "Lena, eu..."
Mas era tarde demais.
Uma risada amarga e quebrada borbulhou do peito de Helena. Começou como um tremor e cresceu até se tornar uma gargalhada cheia de lágrimas. O som era selvagem e descontrolado. Era o som de um coração se partindo pela segunda e última vez.
A sala começou a girar. As cores de suas pinturas na parede se borraram em um redemoinho sem sentido. A última coisa que ela viu foi o rosto de Damião, sua raiva substituída por um pânico súbito e crescente.
Então, o mundo ficou preto.