Das Cinzas: Uma Segunda Chance
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Capítulo 5

As pálpebras de Helena se abriram tremulamente. O mundo era um borrão branco e estéril. A primeira coisa que viu foi Damião, sentado em uma cadeira ao lado de sua cama, o rosto uma confusão de exaustão e preocupação.

"Lena", ele suspirou, a voz embargada de alívio. "Você acordou."

Ela tentou se sentar, mas uma onda de tontura a dominou. Sua mente parecia nebulosa, lutando para juntar as peças do que havia acontecido. A discussão. A fúria em seus olhos. O peso esmagador de suas palavras.

Ela notou que ele segurava algo nas mãos. Era uma pequena e ornamentada caixa de sândalo.

"O que é isso?", ela perguntou, a voz rouca.

Damião olhou para a caixa, depois para ela. Ele parecia hesitante, quase envergonhado. "Juliana... ela tem um pedido."

Ele explicou o que havia acontecido. A tentativa de suicídio de Juliana. A perda do bebê deles. E seu desejo bizarro por uma obra de arte comemorativa.

Helena o encarou, incapaz de compreender a pura audácia daquilo. Uma pintura? Para o filho de seu noivo e sua meia-irmã? O filho concebido enquanto ele ainda prometia o mundo a Helena?

Então seus olhos se focaram na caixa de sândalo. Ela a reconheceu.

Ele a dera a ela em seu aniversário de 21 anos. Dentro havia um bisturi com cabo de prata, sua lâmina primorosamente afiada. Era uma ferramenta profissional para uma artista que às vezes trabalhava com materiais não convencionais, raspando e cortando suas telas.

"Para minha artista número um", dizia o cartão. "Que você sempre crie coisas belas."

Ela se lembrava daquele dia. Ele segurara sua mão, traçando as linhas em sua palma. "Essas mãos", ele sussurrara. "São mágicas. Nunca deixarei nada as machucar."

A memória era tão doce que tinha gosto de veneno.

"O que ela quer que eu pinte?", perguntou Helena, o pavor se enrolando em suas entranhas.

Damião abriu a caixa. O bisturi de prata brilhou sob a luz suave do quarto. Ele não conseguia encará-la.

"Ela quer que você use seu sangue."

As palavras caíram na sala silenciosa como pedras. Sangue. O sangue dela. Para pintar um memorial para o caso deles.

A sala inclinou. Helena sentiu uma onda de náusea. A incredulidade lutava com um horror frio e crescente. Isso não era apenas um insulto. Era uma profanação. Era um ritual de humilhação, projetado por Juliana e executado pelo homem que dizia amá-la.

Por que ainda doía? Depois de renascer, depois de saber a extensão total de sua traição, por que essa nova crueldade parecia uma ferida fresca? Ela pensou que havia blindado seu coração, mas a dor ainda estava lá, um membro fantasma doendo por uma vida que era uma mentira.

"Lena", disse ele, a voz baixa e suplicante. "Sei que é uma coisa terrível de se pedir. Mas ela está... arrasada. Ela vê isso como uma forma de você se redimir. Uma forma de todos nós superarmos isso." Ele olhou para ela, os olhos implorando por sua compreensão. "Assim que isso for feito, acabou. Eu juro. Podemos finalmente nos livrar de tudo isso."

Redenção. A palavra era uma zombaria.

"Redimir-me de quê?", a voz de Helena era um sussurro rouco. "Por querer que meu noivo fosse fiel? Por não querer a amante dele na minha vida?"

"Ela perdeu um filho, Lena!", a voz de Damião se elevou, sua culpa o tornando defensivo. "Um filho que teria sido meu filho ou filha!"

"E eu perdi a minha vida!", as palavras rasgaram sua garganta antes que ela pudesse detê-las. Eram selvagens e cruas. "Eu perdi a minha vida por causa de vocês dois!"

Damião recuou, confuso com sua explosão. "Do que você está falando? Você está bem aqui."

"Você é cego", disse ela, a voz cheia de uma certeza súbita e arrepiante. "Você é voluntária e deliberadamente cego." Ela olhou para o bisturi, depois para o rosto dele. Uma calma nova e aterrorizante se instalou sobre ela.

Ela faria isso. Ela lhes daria seu quilo de carne. Mas seria em seus termos.

"Tudo bem", disse ela, a voz baixando para um sussurro. "Eu farei."

Damião pareceu aliviado. "Obrigado, Lena. Eu sabia que você..."

"Mas", ela o interrompeu, os olhos fixos nos dele. "Você tem que fazer o corte."

Ele a encarou, sem entender. "O quê?"

"Você me ouviu", disse ela, estendendo o pulso esquerdo, a pele pálida e delicada sobre um mapa de veias azuis. "Se eu devo me redimir, então você é quem vai aplicar a punição. Você vai pegar esse bisturi, o que você me deu, e vai tirar o sangue você mesmo."

Sua voz era suave, mas sua exigência era absoluta. "Quero que você sinta. Quero que você veja acontecer. E quero que você se lembre deste momento pelo resto da sua vida miserável."

Damião recuou como se ela o tivesse golpeado. Ele olhou para o bisturi, depois para o pulso dela, o rosto empalidecendo. Ele se lembrou de segurar aquela mesma mão, prometendo protegê-la.

"Lena, não... eu não posso."

"Não pode?", ela zombou, o lábio se curvando em um desprezo. "Onde está o homem que me acusou de ser sem coração? Onde está o homem que exigiu que eu passasse minha vida de joelhos? Você não tem coragem de ir até o fim?"

Seu rosto corou de raiva e vergonha. Ele arrancou o bisturi da caixa, os nós dos dedos brancos.

Ele se aproximou da cama, a mão tremendo enquanto erguia a lâmina. Ele hesitou, os olhos fixos no pulso dela. Ele se lembrou de beijar aquele mesmo ponto cem vezes.

Helena não vacilou. Ela apenas o observava, os olhos frios e vazios.

"Espere", disse ela de repente, a voz aguda.

Um lampejo de esperança cruzou o rosto de Damião. Ele pensou que ela estava recuando. "Lena?"

"Preciso da minha tela", disse ela, a voz seca e profissional. "E dos meus pincéis. Se vou fazer isso, vou fazer direito. Não quero desmaiar de perda de sangue antes que a obra-prima esteja completa."

            
            

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