Das Cinzas: Uma Segunda Chance
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Capítulo 6

A maneira calma e metódica como ela se preparou foi a coisa mais perturbadora que Damião já testemunhara.

Helena o dirigia como um assistente de cirurgião. Ela o fez montar seu cavalete favorito perto da janela, a luz da tarde se derramando sobre a tela branca imaculada. Pediu seus menores pincéis de pelo de marta e uma tigela de porcelana para serem colocados ao lado.

Seus movimentos eram lentos, enfraquecidos por sua permanência na cama, mas estavam cheios de um propósito arrepiante. Ela estava tratando aquele pedido grotesco como qualquer outro projeto de arte.

Finalmente, tudo estava pronto. Ela se sentou na beira da cama, a tela ao alcance do braço, e estendeu o pulso novamente.

"Estou pronta", disse ela.

Damião ficou paralisado, o bisturi de prata parecendo um bloco de gelo em sua mão. Cada instinto gritava para ele jogá-lo fora, implorar por seu perdão, acabar com essa loucura. Mas os olhos frios e desafiadores dela o mantinham cativo. E o fantasma do filho perdido de Juliana pesava em sua consciência.

Ele respirou fundo, ajoelhou-se ao lado da cama e pressionou a ponta da lâmina na pele dela.

Era a pele mais macia que ele já tocara. Ele sentiu o pulso fraco e constante sob ela. Seu coração martelava contra suas costelas. Ele não conseguia fazer isso.

"Faça", ela sussurrou, a voz desprovida de medo.

Ele fechou os olhos e pressionou.

Uma fina linha vermelha apareceu em seu pulso. Ela se avolumou, formando uma gota carmesim perfeita que deslizou por sua pele e caiu na tigela de porcelana branca.

Outra se seguiu. E outra.

As mãos de Damião tremiam tanto que ele teve que se afastar, um som estrangulado escapando de sua garganta.

Helena nem olhou para o corte. Ela pegou a tigela, sua expressão de intensa concentração. Mergulhou seu pincel mais fino em seu próprio sangue e o tocou na tela.

A primeira pincelada foi de um vermelho profundo e pesaroso.

Ela trabalhou em silêncio, seus movimentos fluidos e praticados. Os únicos sons eram o suave farfalhar do pincel e o gotejar fraco e rítmico de sangue de seu pulso na tigela. A sala começou a se encher com o cheiro metálico dele.

Damião observava, horrorizado e hipnotizado. A pintura começou a tomar forma. Não era um redemoinho abstrato de dor. Era um rosto. O rosto de um bebê, dormindo pacificamente. Mas seus olhos estavam fechados com muita força, seus lábios tingidos de azul. Era uma imagem de morte bela e trágica.

Enquanto trabalhava, a cor sumia de seu rosto. Um fino brilho de suor apareceu em sua testa. Sua mão, a que segurava o pincel, começou a tremer. Mas ela não parou.

O corte em seu pulso continuava a verter sangue. A tigela estava pela metade.

"Lena, já chega", Damião finalmente engasgou, a voz rouca. "Por favor. Pare."

Ela o ignorou. Seu foco era absoluto. Ela estava derramando toda a sua dor, toda a sua traição, todo o seu amor despedaçado naquela tela. A pintura era de uma beleza de tirar o fôlego e monstruosamente triste.

Finalmente, ela pousou o pincel. A última pincelada estava completa. Sua mão caiu ao seu lado, inerte.

Ela olhou para a obra finalizada, um sorriso amargo torcendo seus lábios.

"Aqui está", disse ela, a voz um sussurro fraco e aéreo. "Uma bênção para o seu filho. Um testamento do seu amor."

Então, seus olhos viraram e ela desabou para a frente, caindo da beira da cama.

Damião se lançou, pegando-a pouco antes de ela atingir o chão. Seu corpo estava mole e assustadoramente leve em seus braços.

Ele olhou de seu rosto pálido para a pintura sangrenta, e o peso total do que ele havia feito desabou sobre ele. Isso não era redenção. Era tortura. Ele pegara o maior dom dela, sua paixão pela arte, e o transformara em um instrumento de crueldade. Ele drenara a vida dela, literalmente.

"Médico!", ele rugiu, a voz rachando de pânico e auto-aversão. "Tragam um médico aqui agora!"

Ele a segurou perto, a cabeça dela pendendo contra seu ombro. Ela estava tão fria.

Seus lábios se moveram, e ele se inclinou para ouvir seu sussurro fraco.

"Acabou, Damião."

Ele tentou acalmá-la, dizer que ela ficaria bem, que ele sentia muito, profundamente muito. "Não, Lena, não diga isso. Eu estou aqui."

Com um último e monumental esforço, ela ergueu a cabeça. Seus olhos estavam desfocados, mas encontraram os dele. Ela empurrou a pintura sangrenta em sua direção com uma mão fraca e trêmula.

"Pegue", ela sussurrou. "E que você e a Juliana aproveitem seu futuro juntos. Que vocês dois apodreçam no inferno."

Seu braço caiu. Sua cabeça tombou de volta contra o peito dele.

Os olhos de Damião caíram sobre o pulso dela. O corte ainda vazava sangue lentamente, manchando os lençóis brancos de sua cama.

Um medo primitivo, frio e agudo, o dominou. Ele olhou para o rosto imóvel dela, seus olhos fechados, o leve tom azulado em seus lábios. A imagem se gravou em sua mente.

            
            

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