Finalmente, tudo estava pronto. Ela se sentou na beira da cama, a tela ao alcance do braço, e estendeu o pulso novamente.
"Estou pronta", disse ela.
Damião ficou paralisado, o bisturi de prata parecendo um bloco de gelo em sua mão. Cada instinto gritava para ele jogá-lo fora, implorar por seu perdão, acabar com essa loucura. Mas os olhos frios e desafiadores dela o mantinham cativo. E o fantasma do filho perdido de Juliana pesava em sua consciência.
Ele respirou fundo, ajoelhou-se ao lado da cama e pressionou a ponta da lâmina na pele dela.
Era a pele mais macia que ele já tocara. Ele sentiu o pulso fraco e constante sob ela. Seu coração martelava contra suas costelas. Ele não conseguia fazer isso.
"Faça", ela sussurrou, a voz desprovida de medo.
Ele fechou os olhos e pressionou.
Uma fina linha vermelha apareceu em seu pulso. Ela se avolumou, formando uma gota carmesim perfeita que deslizou por sua pele e caiu na tigela de porcelana branca.
Outra se seguiu. E outra.
As mãos de Damião tremiam tanto que ele teve que se afastar, um som estrangulado escapando de sua garganta.
Helena nem olhou para o corte. Ela pegou a tigela, sua expressão de intensa concentração. Mergulhou seu pincel mais fino em seu próprio sangue e o tocou na tela.
A primeira pincelada foi de um vermelho profundo e pesaroso.
Ela trabalhou em silêncio, seus movimentos fluidos e praticados. Os únicos sons eram o suave farfalhar do pincel e o gotejar fraco e rítmico de sangue de seu pulso na tigela. A sala começou a se encher com o cheiro metálico dele.
Damião observava, horrorizado e hipnotizado. A pintura começou a tomar forma. Não era um redemoinho abstrato de dor. Era um rosto. O rosto de um bebê, dormindo pacificamente. Mas seus olhos estavam fechados com muita força, seus lábios tingidos de azul. Era uma imagem de morte bela e trágica.
Enquanto trabalhava, a cor sumia de seu rosto. Um fino brilho de suor apareceu em sua testa. Sua mão, a que segurava o pincel, começou a tremer. Mas ela não parou.
O corte em seu pulso continuava a verter sangue. A tigela estava pela metade.
"Lena, já chega", Damião finalmente engasgou, a voz rouca. "Por favor. Pare."
Ela o ignorou. Seu foco era absoluto. Ela estava derramando toda a sua dor, toda a sua traição, todo o seu amor despedaçado naquela tela. A pintura era de uma beleza de tirar o fôlego e monstruosamente triste.
Finalmente, ela pousou o pincel. A última pincelada estava completa. Sua mão caiu ao seu lado, inerte.
Ela olhou para a obra finalizada, um sorriso amargo torcendo seus lábios.
"Aqui está", disse ela, a voz um sussurro fraco e aéreo. "Uma bênção para o seu filho. Um testamento do seu amor."
Então, seus olhos viraram e ela desabou para a frente, caindo da beira da cama.
Damião se lançou, pegando-a pouco antes de ela atingir o chão. Seu corpo estava mole e assustadoramente leve em seus braços.
Ele olhou de seu rosto pálido para a pintura sangrenta, e o peso total do que ele havia feito desabou sobre ele. Isso não era redenção. Era tortura. Ele pegara o maior dom dela, sua paixão pela arte, e o transformara em um instrumento de crueldade. Ele drenara a vida dela, literalmente.
"Médico!", ele rugiu, a voz rachando de pânico e auto-aversão. "Tragam um médico aqui agora!"
Ele a segurou perto, a cabeça dela pendendo contra seu ombro. Ela estava tão fria.
Seus lábios se moveram, e ele se inclinou para ouvir seu sussurro fraco.
"Acabou, Damião."
Ele tentou acalmá-la, dizer que ela ficaria bem, que ele sentia muito, profundamente muito. "Não, Lena, não diga isso. Eu estou aqui."
Com um último e monumental esforço, ela ergueu a cabeça. Seus olhos estavam desfocados, mas encontraram os dele. Ela empurrou a pintura sangrenta em sua direção com uma mão fraca e trêmula.
"Pegue", ela sussurrou. "E que você e a Juliana aproveitem seu futuro juntos. Que vocês dois apodreçam no inferno."
Seu braço caiu. Sua cabeça tombou de volta contra o peito dele.
Os olhos de Damião caíram sobre o pulso dela. O corte ainda vazava sangue lentamente, manchando os lençóis brancos de sua cama.
Um medo primitivo, frio e agudo, o dominou. Ele olhou para o rosto imóvel dela, seus olhos fechados, o leve tom azulado em seus lábios. A imagem se gravou em sua mente.