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Norte da Itália, 1800.
O crepúsculo descia preguiçoso sobre as Dolomitas, tingindo de cobre e violeta as encostas ainda frias da primavera. O vento cortante agitava as tendas coloridas do acampamento cigano, tremulando sobre estacas tortas e arcos de madeira. Carroças enfileiradas formavam vielas estreitas, e o aroma de ervas queimadas misturava-se ao cheiro doce da madeira úmida e do pão fresco. Pequenos lampiões pendurados nas carroças lançavam círculos de luz trêmula sobre a terra batida, enquanto fogueiras espalhadas lançavam faíscas que dançavam sobre a relva molhada. O som distante de uma flauta ou do martelar em uma bigorna trazia vida às sombras que se alongavam, tornando o acampamento ao mesmo tempo acolhedor e inquietante. Crianças corriam entre as carroças, espiando com olhos atentos, e mulheres com véus bordados observavam de longe, mãos cruzadas sobre o peito, apreensivas.
Seis cavaleiros avançavam pelo descampado em absoluto silêncio. À frente vinha ele - Drago Farkas. Ao desmontar, a luz das fogueiras revelou-lhe o rosto impecável, quase esculpido em mármore. Sua pele era clara, quase, translúcida; os cabelos castanhos escuros caíam longos até a nuca, moldando a testa ampla e as maçãs do rosto altas; uma barba rala delineava o queixo forte. Os olhos castanhos claros profundos e dourados, capturavam a luz das chamas, irradiando uma beleza fascinante e inquietante, capaz de prender olhares e silenciar murmúrios. Cada movimento seu era preciso, elegante, quase sobrenatural, e até o vento parecia contornar-lhe o corpo ao passar.
Os cinco cavaleiros que o seguiam eram sombras de seu próprio porte - igualmente belos, igualmente distantes, movendo-se como espectros pelo acampamento. Crianças recuavam entre as tendas, os cães cessavam o latido, e até os adultos que se aventuravam pelo caminho baixavam a cabeça, como se presenciassem algo antigo e sagrado.
Guiado por um dos anciãos, Drago atravessou o estreito corredor entre carroças e tendas até a tenda comunal. O espaço maior que as demais tendas estava envolto em fumaça e aromas de ervas queimadas. Lamparinas pendiam do teto e iluminavam rostos marcados pelo tempo, projetando sombras que se contorciam nas paredes de lona. O conselho aguardava em silêncio - rostos enrugados, cicatrizes de vidas longas, olhos atentos e cautelosos. Ao fundo, sobre um tapete de peles e cercada de cristais e ervas pendentes, estava a 'drabarni' - a vidente, seus olhos âmbar profundos parecendo atravessar o espaço e o tempo.
Drago curvou-se levemente diante do patriarca, a voz grave e medida:
- Recebi vossa convocação, 'baro'. Mas o momento é perigoso. Estar tão perto do acampamento... pode atrair olhares indesejados. Dizei-me: por que chamastes a mim e ao meu bando?
O patriarca do clã Kalderash trocou um olhar breve com a drabarni antes de responder, a voz rouca e carregada de reverência:
- Porque ela viu o que esperávamos há gerações. O presságio se cumpriu.
A vidente ergueu o rosto, e suas palavras vieram lentas, carregadas de peso e mistério:
- No inverno, nascerá aqui a criança prometida. Aquele que trará equilíbrio entre os mundos. Não é um retorno... é um evento único, esperado e reverenciado. Um só nascimento, um só destino.
Drago silenciou por um instante, como se deixasse o ar ao redor pesar com o significado do que acabara de ouvir. Quando ergueu o olhar para a vidente, seus olhos ardiam com uma gravidade antiga, e sua voz soou firme, carregada de uma solenidade que fez o fogo da tenda parecer vacilar:
- Se o destino realmente traçou esse caminho, então que assim seja. A criança trará a marca da lua - uma cicatriz natural sobre a pele, como se o próprio céu tivesse tocado sua carne para assinalar o rumo que deverá seguir. Todos nós a reconheceremos quando o momento chegar, pois essa marca será o selo da profecia.
Ele se endireitou, respirando fundo, como quem já sente o peso da partida antes mesmo de caminhar.
- Mas enquanto eu permanecer aqui, o clã estará em risco. As sombras se movem mais rápido do que podemos perceber... e há olhos demais observando. Partirei na próxima noite. Viajarei por onde o vento levar, e voltarei apenas quando o tempo tiver revelado se a criança é, de fato, a escolhida.
Por um instante, o silêncio dentro da tenda pareceu se expandir, como se o próprio destino prendesse a respiração.
Lá fora, o vento mudou de direção, carregando o aroma da terra úmida, das ervas e da neve derretida. As fogueiras lançavam sombras que se alongavam, dançando sobre tendas e carroças. Por um instante breve, quase imperceptível, as sombras de Drago e de seu bando pareceram se fundir à noite que os trouxera, como se o próprio escuro reconhecesse sua presença ancestral.
Enquanto se retirava da tenda, alguns membros do acampamento o observavam em silêncio. Não era apenas respeito que sentiam - era algo mais antigo, quase reverencial. Drago, com o andar elegante e quase sobrenatural, atravessava o acampamento como se pertencesse a outro mundo, deixando atrás de si um rastro de inquietação e admiração, e a certeza de que aquele momento jamais seria esquecido.
...
Meses depois, o inverno descia sobre as montanhas com punhos gelados. A neve caía densa, cobrindo o acampamento cigano como um manto branco, e o vento cortante fazia as tendas e carroças rangerem como se protestassem contra a vida que ali se mantinha. Haviam se deslocado mais para sul das montanhas de Lessinia para um local menos insípido. Ainda assim, em meio ao frio e à escuridão, o acampamento respirava. Pequenas fogueiras crepitavam, lançando faíscas ao vento, e mulheres ocupadas em tarefas domésticas caminhavam rapidamente entre as carroças, aquecendo água ou preparando ervas para o parto que se aproximava.
Dentro de uma pequena carroça, a respiração da mulher soava pesada, ritmada, quase como se desafiasse o inverno. Apenas mulheres estavam presentes: a mãe, Milena Bari, a velha drabarni e algumas ajudantes do acampamento, formando um círculo silencioso, repleto de respeito e concentração. Lá fora, Ruvim Bari permanecia junto à porta da carroça, a neve cobrindo seu manto, os olhos fixos na madeira que o separava do seu bebê que ainda não conhecia. Ele sentia cada som e cada movimento com ansiedade, mas sabia que não podia entrar.
Quando a criança nasceu, o choro forte da menina cortou o silêncio da noite como uma trovão. Nasceu pequena, mas vigorosa, ela parecia desafiar o inverno, agarrando-se à vida com força surpreendente. A drabarni aproximou-se, com gestos firmes e cuidadosos, e examinou a pele da criança. Então, seu olhar iluminou-se.
Sobre a pequena clavícula da menina, havia a marca da lua - circular e delicada, como se o próprio céu tivesse traçado o destino da criança desde o nascimento.
A vidente ergueu a cabeça e falou com voz firme, quase reverente, para as mulheres ao redor:
- A profecia se cumpriu. Esta é a criança prometida.
Fora da carroça, Ruvim sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Ele não podia tocar a filha ainda, mas a voz da drabarni, carregada de solenidade, chegou até ele:
- E saibam, homens do acampamento - disse, virando-se para a porta onde Ruvim esperava -, que em alguns anos, Drago virá reivindicá-la.
A neve continuava a cair, cobrindo o acampamento e silenciando tudo ao redor, como se quisesse proteger aquele momento sagrado.
Ruvim, ainda do lado de fora, permaneceu observando a carroça por um longo instante, sentindo uma mistura de temor e reverência. Dentro, a menina pequena mas já cheia de força dormia nos braços de sua mãe, marcada pelo destino, ainda alheia às forças que a aguardavam e às sombras que a protegiam - silenciosas, vigilantes e antigas, como Drago e seu bando, sempre à espreita, mesmo na noite mais rigorosa.