Capítulo 8 O Roubo

Londres, 2024.

O tempo não curou Liliana Bari Farkas. Apenas a tornou mais silenciosa.

Desde a noite em que o fogo devorou o acampamento e o corpo de Drago se dissipou nas chamas, ela vagou pelo mundo como um espectro à procura de sentido.

Após deixar Paris, Liliana Bari desapareceu como uma sombra entre as ruas da Europa. Magnus Berg, o único que compreendia sua verdadeira natureza, permaneceu como um eco distante em sua vida, guardando o passado e os segredos que a permitiram sobreviver. Mas Liliana sabia que não podia mais depender dele. A tutela havia cumprido seu papel; agora, o mundo exigia que ela se tornasse completa por si mesma.

Nos primeiros anos, percorreu cidades antigas e esquecidas. Dormia em mansões abandonadas, em porões, nas sombras de florestas e vilarejos desabitados. Alimentava-se do necessário, quase sempre do sangue de criminosos ou de criaturas que não fariam falta ao mundo, mantendo sua sobrevivência sem chamar atenção. Cada passo era calculado, cada movimento estudado. O luto por Drago Farkas, pelo clã Kalderash, e pelo mundo que perdera, transformou-se em determinação crua e fria.

Ao longo das décadas seguintes, Liliana se moveu por cidades e países, sempre escondida. Mudava de identidade com facilidade, trocando nomes, documentos, sotaques e hábitos, como uma sombra que ninguém podia segurar. Tornou-se especialista em infiltração e subterfúgio, passando despercebida por entre humanos e vampiros. A Sociedade Vampírica crescia em poder, mas Liliana sempre permanecia à margem, observando, aprendendo, evitando confrontos diretos, sabendo que qualquer descuido poderia custar-lhe a vida.

Atravessou a Europa inteira. Em Praga, roubou grimórios antigos de colecionadores sobrenaturais; em Istambul, recuperou artefatos de clãs rivais sem que ninguém percebesse. No Oriente, estudou tradições esquecidas e magias antigas, sempre ampliando o controle sobre seus poderes. Tornou-se um espectro letal, cuja presença era sentido apenas quando era tarde demais.

Durante esse tempo, Liliana raramente socializava. Fazia aliados pontuais - magos que a protegiam em troca de informações, ou vampiros de influência que necessitavam de serviços discretos - mas nunca permitia que alguém se aproximasse emocionalmente. O mundo havia lhe ensinado a não confiar, e a solidão tornou-se seu manto.

O tempo passou, e Liliana testemunhou a humanidade mudar. Revoluções, guerras, avanços tecnológicos, decadência e renascimento das cidades. Ela mesma evoluiu. Cada década acrescentava experiência, inteligência e sutileza às suas habilidades. Tornou-se implacável, fria, precisa. Sobrevivência e vingança tornaram-se seu único propósito. Ela aprendia a desaparecer entre multidões humanas, a agir sem deixar vestígios e a manipular os elementos sobrenaturais ao seu favor, mas o buraco deixado por Drago nunca se fechou.

E certo dia, chegou a Londres, era como se cada rua, cada beco, cada ponte, tivesse sido construída para receber passos como os dela. O Tâmisa exalava mistérios, a cidade respirava segredos e a névoa parecia esconder tudo o que precisava ser protegido. Ali, ela encontrou pistas mais concretas sobre os vampiros responsáveis pelo massacre do clã Kalderash. Londres tornou-se seu ponto de observação e infiltração, um lugar de estudo e de caçadas silenciosas.

Nos anos que se seguiram, Liliana combinou a vida entre sombras e luz. Durante o dia, aparecia como uma restauradora de antiguidades, discreta e meticulosa. À noite, infiltrava-se em círculos humanos e sobrenaturais, resgatando artefatos, obtendo informações e evitando confrontos diretos, sempre com a consciência de que qualquer erro poderia ser fatal. Cada vitória era pequena, mas necessária. Cada detalhe revelado a aproximava de sua vingança.

Foi assim que, após cem anos de sombra, Liliana Bari consolidou-se em Londres: uma imortal que caminhava entre os mortais sem ser vista, cuja vida era um fio tênue entre sobrevivência, vingança e memória, com os olhos sempre atentos às pistas que a aproximariam da verdade e da justiça que jurara ao homem que jamais esqueceria.

...

O Nocturne Club era um segredo vestido de luxo.

De longe, parecia apenas mais um edifício moderno da orla londrina, com fachadas de vidro fumê e colunas de aço polido. Mas, por dentro, o tempo dobrava - e o lugar pulsava como um coração antigo. O teto abobadado, sustentado por arcos metálicos escurecidos, lembrava o interior de uma catedral gótica, onde o ferro substituíra a pedra.

Candelabros de cristal negro derramavam luz dourada sobre o mármore escuro do piso.

O som das batidas graves misturava-se a vozes suaves, risadas medidas, o tilintar de taças de vinho e sangue.

O Nocturne era o tipo de lugar onde o poder dançava disfarçado de prazer.

Ali se reuniam vampiros de linhagens antigas, magos de casas influentes e humanos poderosos o bastante para conhecer o segredo do mundo noturno - e sobreviver a ele.

Liliana Bari entrou sozinha.

O vestido preto moldava-se ao corpo como se tivesse sido tecido por sombras líquidas.

O corte era simples, mas nela nada era simples.

A luz das lâmpadas âmbar refletia nos cabelos cor de chocolate, nas curvas graciosas e no rubi que pendia ao colo, pulsando como um coração exposto.

Ela atravessou o salão com passos firmes e silenciosos, o som de seus saltos ecoando como batidas compassadas entre os murmúrios.

Os olhares a seguiam - alguns de desejo, outros de receio.

Nenhum a tocava.

Subiu até o mezanino reservado, onde um homem a esperava.

Terno cinza, luvas pretas, um leve brilho arcano nas pupilas.

Magos da Verbena nunca mostravam o rosto verdadeiro.

- Liliana Bari. - disse ele, a voz grave, o sotaque indefinido. - A mulher que consegue entrar em qualquer lugar, e sair sem deixar rastros.

Ela se sentou, cruzando as pernas com elegância preguiçosa.

- Fico lisonjeada, embora "mulher" seja uma palavra muito usada por quem não me conhece.

O mago sorriu, como quem reconhece uma ameaça e a admira.

- Há um artefato. Joias antigas. Cais do Porto de Londres. Três noites. Discrição absoluta.

Liliana arqueou uma sobrancelha.

- Isso soa como "roubo" dito por quem tem muito a perder e pouco a admitir.

Ele deslizou um pequeno disco metálico sobre a mesa - runas delicadas brilhando em azul.

- O pagamento é adiantado. Metade agora. Metade na entrega.

Ela girou o disco entre os dedos, analisando-o.

- E quem guarda o tesouro?

O mago hesitou.

- Humanos armados.

- Talvez?

Por um instante, algo cintilou no olhar de Liliana.

Ela encostou o disco nos lábios e sussurrou:

- Rumores têm um preço.

- O preço já foi triplicado.- sua reputação lhe precede, confio que serás perfeita.

O mago riu - breve, incerto - e desapareceu em uma espiral de fumaça violeta.

Liliana permaneceu.

O corpo pedia descanso, e a mente - esquecimento.

Desceu a escada para o salão principal.

A pista estava repleta de corpos que se moviam ao mesmo ritmo denso e lento da música.

Ela entrou entre eles como se fosse a própria batida: fluida, hipnótica.

Os cabelos se moviam como seda sob as luzes de rubi e ouro. Os olhos, meio fechados, captavam cada lampejo de claridade como se dançasse entre dimensões.

Não precisava de par.

Nunca precisara.

Dançar era um ritual antigo - um lembrete de quem fora antes do sangue, antes da noite.

Ela sorria, mas havia melancolia no sorriso.

Movia-se com leveza, e ao mesmo tempo, como quem carrega séculos.

No alto, atrás do vidro escuro da sala VIP, um homem observava.

A penumbra o envolvia.

Usava terno escuro, cabelos pretos com mechas pendendo sob a face. Rosto este branco como o mármore iluminado apenas pelas chamas luzes oscilantes do ambiente. Olhos cinzentos como uma tempestade que se aproxima.

Ele não falava.

Não bebia.

Apenas observava.

A princípio, era só curiosidade - o olhar treinado de um predador avaliando o intruso.

Mas, em segundos, algo mudou.

Havia algo antigo naquela mulher.

Um eco.

Como uma música esquecida que o tempo, de repente, resolve tocar novamente.

Ela dançava sozinha, e o mundo parecia girar ao redor dela.

O movimento dos quadris, o arco dos braços, o modo como a luz beijava-lhe a pele - tudo nela era hipnotizante e, de alguma forma, familiar.

Ele inclinou-se um pouco à frente, os olhos fixos nela.

E, por um instante, o salão inteiro pareceu se dissolver, restando apenas aquela figura de vestido negro e olhos verdes, rodopiando sob as luzes.

O coração dele - o mesmo que há séculos não acelerava - pulsou uma vez, forte.

Uma batida viva demais.

Atrás dele, um assistente se aproximou, curvando-se discretamente.

- Devo verificar quem é ela?

Demorou alguns segundos até que ele respondesse.

- Descubra. Traga-me um nome.

O assistente partiu imediatamente, misturando-se à multidão.

Mas quando chegou à pista, a mulher já não estava lá.

A sombra negra do vestido desaparecera na névoa das luzes, como um sonho que se apaga antes de se compreender.

O homem ficou ali, parado, observando o vazio que ela deixara.

As mãos cerradas atrás das costas.

A música ainda ecoava, mas parecia distante.

Por dentro, algo se moveu - um sussurro antigo, incômodo, quase doloroso.

Ele não sabia o nome dela.

Não sabia por que a presença dela o inquietava.

Mas sabia, com a clareza cortante dos instintos imortais, que aquela não seria a última vez que a veria.

...

A névoa do Tâmisa se erguia densa, arrastando-se pelas docas como um véu vivo. O cais estava quase deserto, exceto por alguns estivadores retardatários e o ranger ocasional de cordas e madeira. O cheiro do rio misturava-se ao odor velho de óleo e ferrugem.

No alto de um guindaste, Liliana observava o armazém iluminado por lâmpadas fracas. Roupas atuais, calças e camisa pretas e de um tecido flexível. O cabelo preso em um coque rente à nuca. Um gorro escuro cobrindo seu rosto deixando visíveis apenas seus olhos seus olhos, de um verde e âmbar incomum, que captavam cada detalhe com precisão o movimento lento dos guardas, o brilho do metal nas travas, o ritmo preguiçoso da patrulha. Calculava distâncias, tempo e sombra com a frieza de uma predadora experiente.

Desceu em silêncio. Um salto, o som abafado das botas no chão molhado, e ela já estava junto à parede lateral do armazém. Um toque nos dedos, e o ar em volta dela se torceu levemente - uma ondulação quase invisível, como calor sobre o asfalto. O feitiço de ocultação que aprendera há tantos anos.

Moveu-se pelas sombras, flexível e precisa, até alcançar uma abertura estreita no teto. Deslizou para dentro com a leveza de um felino. Lá dentro, o ambiente era um labirinto de caixas empilhadas, cheirando a madeira e água parada. Apenas três guardas humanos, distraídos, conversavam casualmente.

Liliana passou por eles como brisa.

No centro do galpão, sobre uma mesa isolada, repousava um caixote menor, envolto em lacres de cera e inscrições antigas. As runas queimaram suavemente à medida que ela se aproximou - uma defesa mágica rudimentar. Bastou um sussurro e o selo cedeu.

Dentro, envolta em veludo escuro, estava a pedra.

Era mais bela do que o esperado: uma esmeralda irregular, de um verde profundo, quase vivo, pulsando com um brilho interno que lembrava o coração de uma floresta escura. Liliana sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha. A energia ali dentro era antiga, selvagem, algo que nem mesmo as Bruxas da Verbena costumavam lidar com descuido.

Aproximou o rosto e o brilho se refletiu em seus olhos. Por um instante, algo dentro dela reagiu - uma vibração no sangue, um eco distante de poder vampírico.

Ela respirou fundo, fechou a pedra no punho e a guardou no bolso interno da roupa.

Tudo estava calmo.

Quieto.

Demais.

No silêncio absoluto, ouviu o som seco - um estalo metálico vindo de cima. Um peso deslocando o ar. Outro.

Ela ergueu o olhar para o teto.

Sombras.

Várias.

Movimentos calculados, sincronizados, velozes.

Liliana sentiu a mudança na temperatura do ar - o frio súbito, a densidade metálica do sangue. Não eram humanos.

Ergueu o corpo num impulso e saltou de volta para o alto, rompendo a claraboia. O vidro partiu-se em silêncio, o som abafado pela névoa. Assim que emergiu, o ar livre lhe trouxe a visão exata do perigo: figuras imóveis a cercavam, vindas de todas as direções do telhado. Olhos pálidos, movimentos lentos, precisão sobrenatural.

Vampiros.

Não precisavam falar. Não havia necessidade. Ela sabia o que via - e o que aquilo significava.

Os músculos de Liliana tensionaram-se; e em um gesto rápido, preparou-se para correr. O vento trouxe o gosto do ferro e das cinzas.

A armadilha estava montada.

E ela, pela primeira vez em muitos anos, não tinha certeza se conseguiria escapar.

...

As sombras se moveram como predadores.

Liliana saltou para o lado, o corpo flexível e preciso como o de um felino em caça. Uma lâmina passou rente ao seu pescoço - ela girou, chutando o vampiro atacante com força o bastante para lançá-lo contra uma chaminé. Outro veio por trás; ela desviou, agarrou o braço dele e torceu até ouvir o estalo seco do osso partindo.

Os telhados do cais ecoavam o som do combate: passos, gemidos, o choque metálico das armas.

A névoa do Tâmisa subia, espessa, misturando-se ao cheiro do rio e ao ferro do sangue.

Liliana era uma sombra viva.

Cada movimento era uma dança letal, cada respiração, medida e contida.

Mas havia muitos. Vampiros londrinos - jovens, famintos, organizados.

Aqueles que sabiam esperar uma presa de valor.

Ela deslizou entre eles, usando suas ilusões para sumir momentaneamente, mas o cerco se fechava.

Então, o som: crec. Um estalo baixo e profundo sob seus pés.

O telhado velho cedeu.

Liliana despencou, o mundo girando em volta, fragmentos de madeira e vidro acompanhando a queda.

Mesmo com seus reflexos, não teria tempo de se recuperar da altura. Seriam muitos ossos quebrados, muitos órgãos perfurados, apesar da cura vampírica, levaria muito tempo para se curar, até mesmo conseguir andar e fugir.

Sentiu o ar cortar o rosto, e uma única certeza tomou forma: seria o fim, capturada ou morta.

Fechou os olhos, esperando o impacto.

Mas ele não veio.

Seu corpo parou - suspenso a poucos centímetros do chão. O ar parecia denso, vibrando ao redor dela como se obedecesse a uma vontade estranha.

O cabelo flutuava, o corpo imóvel, e o tempo, por um instante, se deteve.

Liliana abriu os olhos.

Na penumbra do armazém, uma figura a observava.

Alta, esguia, a pele pálida como cera rachada, os traços distorcidos, quase inumanos - olhos fundos e amarelados, presas que reluziam quando a luz tocava seus lábios finos. Um vampiro, certamente.

Mas o que mais chamava atenção era o contraste grotesco de suas roupas:

um casaco de operário surrado, botas cheias de barro, calça de brim manchada de graxa.

Parecia um mendigo saído das ruas escuras de Whitechapel, um homem invisível aos olhos humanos.

Ele mantinha uma das mãos estendidas em direção a ela - e era dele que emanava a força que a mantinha suspensa.

- Não é o momento para você ser pega, menina da lua. - disse ele, a voz rouca, arrastada, como o roçar de metal enferrujado.

Liliana fitou-o, imóvel, tentando entender.

Ele deu um passo à frente, e o ar pareceu encolher ao redor de sua presença. Mesmo sujo, rasgado, ele exalava algo ancestral - o tipo de poder que não precisava ser visto para ser temido.

- Se quiser sair ilesa, siga-me.

E, com um leve movimento da mão, a fez descer ao chão suavemente.

Liliana recuou um passo, ainda em guarda.

Acima, os vampiros ainda se moviam pelos telhados, caçando o cheiro do sangue.

O estranho virou-se, a sombra engolindo suas feições disformes.

Sua voz ecoou uma última vez, baixa, quase um sussurro:

- Rápido. Antes que eles nos alcancem.

Liliana hesitou apenas por um instante - depois o seguiu.

O som de seus passos se perdeu entre as vigas e o eco do cais, enquanto o armazém voltava ao silêncio.

A névoa ergueu-se mais uma vez, cobrindo tudo como um véu de esquecimento.

...

O caminho até o refúgio do vampiro era um labirinto.

Léo a guiava pelos becos úmidos e pelas passagens subterrâneas esquecidas de Londres - antigos túneis de esgoto e contrabando, agora tomados pelo mofo e pelo silêncio. O ar era denso, o chão escorregadio, e o som distante do Tâmisa soava como o coração lento de uma cidade morta.

Liliana o seguia em silêncio, os sentidos em alerta.

O vampiro andava com passos leves, deslizantes, e mesmo com suas roupas surradas de operário - o casaco de lã rasgado, as botas pesadas - havia nele uma estranha elegância, uma confiança desconcertante.

Por fim, chegaram a uma antiga cripta subterrânea. As paredes eram de pedra antiga, cobertas por fuligem e marcas de fogo.

Havia velas acesas em garrafas quebradas, livros empilhados, ferramentas, e o cheiro de óleo e sangue seco.

Um verdadeiro antro de loucura e sobrevivência.

Léo gesticulou com descuido, indicando uma cadeira de madeira gasta.

- Sente-se, menina da lua, antes que desmaie de tanto me fuzilar com esses olhos.

Liliana cruzou os braços, em pé, altiva.

- Você me salvou. Por quê?

O vampiro arqueou um sorriso torto, mostrando as presas longas e manchadas.

- Curiosidade. - respondeu, com uma sinceridade quase desconcertante. - É raro ver alguém ser caçada por metade da Sociedade e ainda sair inteira.

Liliana não respondeu. A luz das velas projetava sombras quentes sobre seu rosto, realçando o olhar desconfiado.

Léo começou a andar de um lado para outro, como um animal entediado preso em jaula.

- Não se iluda, mocinha. Não te trouxe aqui por bondade. Não sou um herói, e detesto dívidas. Fiz isso porque me divirto em ver os cães da Sociedade rosnando no escuro, frustrados. Adoro cuspir nas regras deles. - riu, um som rouco e quase infantil. - Nada me dá mais prazer do que sabotá-los.

Ele se aproximou um pouco mais, o olhar reluzindo como um felino curioso.

- E você... você é uma afronta ambulante, não é? Uma ladra fuçando as coisas de gente poderosa.

Liliana estreitou o olhar, a voz baixa e firme:

- Então me trouxe aqui para o quê? Me usar como isca no seu pequeno espetáculo?

Léo riu outra vez, inclinando a cabeça de lado.

- "Usar" é uma palavra feia. Pense em "preservar". Não gosto quando o Conselho Real decide o que deve viver ou morrer. Eu gosto das exceções. Dos erros da natureza. Das rachaduras nas regras.

Ele se sentou sobre um caixote, acendeu um cigarro com um fósforo tirado do bolso do casaco e tragou fundo, o cheiro amargo espalhando-se pelo ar úmido.

- E você, minha querida , tem um talento especial para irritar os poderosos. O que, por coincidência, te torna extremamente divertida para mim.

Liliana o observou em silêncio.

O tom despreocupado, quase infantil, escondia algo mais - uma mente astuta, perigosa.

Alguém que poderia tanto salvá-la quanto destruí-la, dependendo do humor.

Léo apontou o cigarro para ela, como quem faz um brinde invisível.

- Então é isso. Fique aqui até o barulho lá fora passar. Depois... faça o que quiser. Não sou babá. Mas saiba: agora que te viram, a caça começou de verdade.

Ela respirou fundo, sem responder, sentindo o peso daquelas palavras.

O vampiro sorriu de novo, um sorriso torto e cansado.

- Não me olhe assim. - disse, desviando o olhar e apagando o cigarro com o polegar. - Eu não mordo sem motivo. Bom... quase nunca.

E então se levantou, andando até uma porta de ferro coberta por correntes e fechaduras.

- Descanse, menina da lua. Amanhã, Londres continuará apodrecendo. E nós, os monstros, continuaremos rindo dela.

Liliana permaneceu parada no meio da cripta, o coração batendo forte.

Não sabia se Léo era um aliado, um lunático ou apenas uma sombra brincando com sua sorte.

Mas pela primeira vez em muito tempo, algo dentro dela - talvez o instinto, talvez o destino - dizia que aquele encontro não era coincidência.

            
            

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