Os primeiros meses após fugir da Itália foram um teste brutal para Liliana. O rubi sobre seu peito pesava como uma lembrança constante do amor perdido e da promessa de sobrevivência. A cada passo, ela sentia o peso do mundo sobre seus ombros, o desespero de uma Strigoaică jovem, tentando equilibrar imortalidade, fome e os instintos sobrenaturais que agora pulsavam em seu corpo.
Ela se movia como sombra entre vilarejos e cidades pequenas, viajando de caravana em caravana, sempre humana o suficiente para não levantar suspeitas, mas com sentidos aguçados como uma ave de rapina, olhos que percebiam movimentos a quilômetros, ouvidos que captavam murmúrios de segredos. O mundo se revelou de maneira brutal e bela: o cheiro do pão assando em uma aldeia distante, o farfalhar de uma raposa noturna, o som de cavalos relinchando ao longe, tudo amplificado, cristalino.
A fome era uma companheira constante. Ela aprendeu a caçar discretamente, evitando chamar atenção. Cada refeição era um risco, cada gota de sangue roubada de animais ou viajantes descuidados era calculada com precisão. A cada noite, ela se aninhava em alguma carroça abandonada ou em bosques escuros, chorando em silêncio pela perda de Drago, pelo clã, e pela impossibilidade de encontrar Magnus Berg.
Magnus, mesmo descrito como confiável e poderoso, era extremamente difícil de localizar. Ele se movia rápido, como sombra entre cidades, viajando por rotas comerciais e centros de conhecimento humano. Liliana aprendeu a ler pistas sutis: sinais em cartas deixadas em tavernas, nomes sussurrados nos mercados, olhares que indicavam passageiro ou aliado confiável. Mas cada pista desaparecia tão rápido quanto surgia, e muitas vezes ela se encontrava faminta, exausta, e tomada pela solidão mais profunda.
A solidão era quase insuportável. As lembranças de Drago a perseguiam noite e dia, o rubi pendurado em seu pescoço uma lembrança dolorosa de tudo que perdera. Ela tentava manter a esperança acesa, lembrando-se da promessa de Miklos: sobreviver e encontrar Magnus, o único capaz de protegê-la e guiá-la. Mas cada erro, cada hesitação, poderia custar sua vida. Qualquer vampiro que a encontrasse agora seria um inimigo mortal, e ela era desejada por muitos, não apenas por poder, mas pelo sangue especial que carregava.
Os meses se tornaram anos, e Liliana se transformou em sombra, fantasma e predadora em constante movimento. Percorreu toda a Alemanha atrás de pistas de Magnus. Aprendeu a confiar apenas em si mesma, a evitar multidões e a se esconder nas trevas quando necessário. Mas cada passo, cada cidade, cada caravana a aproximava da possibilidade de encontrar Magnus, mesmo que por anos ele permanecesse fora de alcance.
E então, após dois anos de solidão, fome, luta constante e vigilância perpétua, uma pista surgiu: um nome sussurrado em uma taverna em Viena, na Áustria, acompanhado de uma descrição vaga, mas suficiente para reacender a esperança. Liliana percebeu que o momento de reencontrar Magnus Berg finalmente se aproximava, mas também sabia que cada passo adiante exigiria cautela, astúcia e a memória viva do que acontecera com Drago: uma lembrança dolorosa de que mesmo o mais poderoso poderia ser destruído se se expusesse de forma errada.
...
Viena, 1877.
Liliana finalmente chegou a Viena. A cidade antiga, com suas ruas estreitas de pedras irregulares, torres góticas que perfuravam o céu noturno e becos onde a escuridão parecia viva, parecia perfeita para quem precisava desaparecer. Mas Liliana não buscava apenas esconderijo: buscava Magnus Berg, o único que poderia protegê-la.
Seguindo pistas minúsculas - cartas deixadas discretamente em tavernas, nomes sussurrados nos mercados, olhares atentos que indicavam aliados -, Liliana chegou a um edifício imponente, de arquitetura clássica com símbolos antigos gravados nas portas. A fachada carregava a aura de séculos, de segredos guardados, de poderes que desafiavam o tempo.
Quando bateu à porta, ela se abriu lentamente, revelando um homem que a fez parar por um instante. Magnus Berg era alto e elegante, mas sua presença não se media apenas pelo porte físico. O rosto austero e marcado transmitia inteligência e experiência; os olhos, claros e profundos, pareciam perfurar a alma, com uma intensidade que podia ser ao mesmo tempo acolhedora e intimidadora. Os cabelos curtos, impecavelmente penteados, castanhos claros com fios discretamente grisalhos nas têmporas e seu rosto anguloso de esfinge dava a ele um ar de autoridade e firmeza. Sua postura era impecável, mas havia uma leve inclinação de curiosidade, como se estivesse constantemente avaliando cada gesto, cada sombra, cada detalhe ao redor. Ele olhou para o rubi no pescoço de Liliana e por um momento hesitou com surpresa.
- Você... - disse ele, com a voz grave, calma e firme, cada palavra carregada de significado.
Liliana ergueu o rubi pendurado no pescoço, a gota translúcida refletindo a luz da lua. Magnus inclinou-se levemente, o olhar fixo no pingente, estudando-a com cuidado quase reverente.
- É você - disse ele, finalmente.
Liliana respirou fundo, sentindo o peso do rubi contra seu peito, lembrando-se de Drago, de Miklos e da promessa que lhe fora confiada.
- Vim para aprender... e para sobreviver. - sua voz era firme, mas carregada de emoção contida - E, se possível... para vingar Drago.
Magnus fez um gesto para que ela entrasse. Dentro da residência, o ambiente era uma mistura de antiga biblioteca e santuário: livros milenares, lamparinas, cristais e símbolos antigos gravados em paredes e pisos. Liliana percebeu imediatamente a magnitude do que estava diante dela: um mago poderoso.
Magnus ergueu os olhos para Liliana, enquanto a luz trêmula da lareira projetava sombras dançantes nas paredes do salão. Sua voz era grave, pausada, carregando o peso de séculos:
- Verbena, - começou ele, solenemente - nosso clã de bruxas e magos existe desde os primórdios da humanidade. Adoramos Ishtar, a Mãe da Magia, aquela que teceu o véu entre o visível e o invisível. Ela deu aos primeiros humanos o dom do poder mágico: manipular o mundo, moldar a vida, tocar o espírito. Somos guardiões desses dons que quase se perderam no tempo.
Ele se aproximou da janela alta, deixando a luz da lua tocar seu rosto.
- Mas a magia não é pura para todos. Fora da Verbena, existem aqueles que escolheram corrompê-la, magos que se afastaram da luz de Ishtar, usando os dons para fins egoístas, manipulando, destruindo e conquistando. Eles não entendem equilíbrio, e isso os torna perigosos.
Liliana o ouviu, sentindo a gravidade das palavras. Magnus continuou, agora com voz mais baixa, quase como um segredo sendo revelado:
- E, assim como há aqueles que traíram a Mãe da Magia, existem também os filhos de Nod, o deus Amaldiçoado. O primeiro vampiro, aquele que se rebelou contra a vida e à criação de Ishtar. Mas nem todos os vampiros seguem a corrupção de Nod. Alguns, como Drago Farkas, escolheram a redenção. Eles entendem a necessidade de equilíbrio e justiça, e se aliam à Verbena quando a causa exige. São nossos aliados, vigilantes das sombras, guardiões silenciosos da ordem que nós mantemos.
Magnus fez uma pausa, caminhando lentamente diante de Liliana, os olhos fixos nos dela.
- Liliana, você está em um ponto único da história. Seu sangue traz a herança de Nod, mas sua essência é tocada por Ishtar. Você é o elo entre dois mundos: a magia viva da deusa e a imortalidade dos filhos do Caído. Por isso você está sob nossa guarda, protegida. Por isso também precisa compreender: há inimigos por todos os lados, magos que corrompem, vampiros que cobiçam poder, e só aqueles como Drago ou os que seguem a luz de Ishtar podem ser confiáveis.
O silêncio se alongou. Liliana percebeu que aquele conhecimento não era apenas história ou mito. Era uma instrução para sua sobrevivência e seu destino.
- Então... - murmurou, intrigada - você quer dizer que nem todos os vampiros são inimigos, e nem todos os magos são aliados?
Magnus assentiu, firme.
- Exatamente. É um jogo antigo como o tempo. E você, Liliana Bari, está no centro dele. Seu sangue, seus poderes, sua escolha - tudo será decisivo. Por isso você deve aprender, observar e sempre confiar apenas nos que provaram lealdade. Nem a imortalidade nem a força bastam sozinhas. O mundo é mais perigoso do que você imagina.
Ele fez uma pausa, olhando o colar de rubi que repousava sobre o peito dela.
- E, se algum dia se perder, mostre este pingente. Ele é a chave para identificar aliados - magos ou vampiros - que seguem a causa da Verbena e da justiça de Ishtar.
Liliana sentiu um arrepio percorrer a espinha. A magnitude da missão que lhe fora confiada parecia mais pesada do que jamais imaginara. Mas ao olhar para Magnus, sentiu confiança: ele possuía o poder, a astúcia e a experiência para guiá-la.
- Então... - disse ela, com um leve sorriso torto nos lábios e o tom irreverente que ainda insistia em habitar nela - o treinamento começa agora? Ou vou ter que esperar mais uns cem anos até aprender tudo?
Magnus a fitou, os olhos frios e penetrantes como lâminas de silêncio, mas uma sombra de humor passou pela ponta de seus lábios.
- Não há tempo a perder. - respondeu, firme. - Você precisa dominar seus sentidos, seus poderes, cada impulso que carrega. E nunca, jamais, se exponha a vampiros que poderiam tentar dominá-la ou usá-la para seus próprios planos. Nem mesmo um milenar como Drago poderia sobreviver sozinho contra todos.
Liliana suspirou, tocando o rubi pendurado no pescoço, sentindo o calor de memórias antigas - a mão de Drago sobre a sua, as promessas silenciosas, a vida que agora cabia a ela proteger.
- Então... vamos começar. - disse, seus olhos cintilando sob a luz vacilante das velas. - Eu sobreviverei. E um dia, vingarei tudo que foi perdido.
Magnus assentiu, um sorriso quase imperceptível cruzando seus lábios finos e marcados.
A lua cheia refletia nas janelas góticas da residência, lançando reflexos prateados sobre seu rosto. Pela primeira vez em dois anos, Liliana sentiu uma esperança misturada à determinação. Estava viva, poderosa, e pronta para se tornar a força que Drago sempre acreditara que ela seria.
...
Paris, 1900.
Após anos de treinamento intenso na antiga residência de Viena, Magnus decidiu que era hora de Liliana experimentar o mundo real de maneira mais próxima, mas ainda sob proteção absoluta. Paris seria a escolha perfeita: cidade viva, movimentada, com sombras e becos suficientes para que Liliana se movesse sem ser notada, mas ao mesmo tempo sofisticada e antiga o suficiente para um mentor poderoso como Magnus manter o controle.
O apartamento de Magnus Berg, no coração do Marais, tornou-se o novo mundo de Liliana. Um espaço que misturava o antigo e o moderno: paredes altas cobertas de livros milenares, pergaminhos antigos, cristais dispostos em círculos de proteção, velas apagadas estrategicamente posicionadas. Cada objeto carregava história, poder e uma sensação silenciosa de vigilância constante.
- Aqui você estará segura - disse Magnus, a voz grave e firme, percorrendo o apartamento com passos medidos, enquanto Liliana seguia silenciosa - mas a segurança é apenas o começo. Você precisa dominar cada movimento, cada instinto, cada poder que possui. E lembrar-se: a cidade está cheia de olhos que desejam o que você carrega.
Liliana caminhou pelo apartamento, absorvendo a atmosfera. Paris à noite era um lugar de luz e sombra, ruídos e segredos. Cada janela iluminada, cada beco escuro, cada movimento humano representava uma oportunidade de aprendizado. Aqui, ela não era apenas Strigoaică; era uma predadora invisível, aprendendo a mover-se em meio aos humanos sem ser percebida, enquanto mantinha vigilância contra ameaças sobrenaturais.
O treinamento físico tornou-se rigoroso e constante. Magnus a levava a telhados estreitos, escadarias íngremes e pátios escuros, sempre desafiando seus reflexos, velocidade e resistência. Liliana corria por ruas desertas, saltava sobre obstáculos inesperados, desaparecia em sombras e reaparecia sem som, cada movimento medido e preciso. Ela aprendeu a sentir o ambiente, antecipando perigos invisíveis e usando cada elemento do cenário a seu favor.
No treino mágico, Paris oferecia desafios ainda mais complexos. Liliana começou a manipular ilusões, criando duplicatas de si mesma, sons falsos, imagens que confundiam sentidos humanos e sobrenaturais. Aprendeu a dominar pensamentos de mentes vulneráveis, influenciando suas ações discretamente, e a ler pensamentos, sondando intenções e emoções ocultas com uma precisão que chegava a surpreender até Magnus.
- Você está se tornando mais rápida, mais forte e mais perigosa do que muitos vampiros jovens - disse Magnus, observando-a lançar uma ilusão perfeita de si mesma atravessando a rua movimentada sem ser percebida. - Mas a verdadeira força não está apenas no poder. Está no controle. Sem disciplina, sem paciência, você será destruída por aqueles que conhecem seu potencial.
Durante anos, ela se tornou sobre-humana. Seus reflexos permitiam esquivar de ataques antes mesmo que percebesse perigo; sua força e resistência tornaram-na praticamente indestrutível frente a humanos e inimigos comuns; e seus sentidos, afinados como os de um predador, captavam cada detalhe do ambiente, cada suspiro de humanos, cada aproximação de vampiros.
Cada erro era corrigido, cada sucesso celebrado com um olhar silencioso e uma palavra de aprovação rara, mas poderosa de seu tutor.
...
Com o passar do tempo, o afeto se transformou em algo mais profundo, sutil, impossível de ignorar. Magnus sentia o coração apertar ao perceber a destreza com que Liliana manipulava os feitiços, o olhar intenso com que ela compreendia a essência da magia, a determinação que brilhava em seus olhos. Ele se pegava admirando cada gesto, cada detalhe dela, e sentia algo nascer em seu peito que ele nunca admitiria.
A cada noite de estudo e prática, cada hora passada correndo pelas ruas, manipulando ilusões ou testando limites, o sentimento se aprofundava. Um desejo silencioso e controlado nasceu, mascarado pela disciplina e pela necessidade de manter o foco. Mas, à medida que Liliana dominava seus poderes, Magnus percebia que seu desejo se transformava em algo mais amplo, mais duradouro - amor. Um amor que ele sabia que jamais poderia declarar, pois ela o via apenas como mestre, tutor e guardião.
Ela, por sua vez, via Magnus como um mortal maduro, experiente, um guia firme e seguro, seus anos passavam mais devagar que os humanos comuns, a magia fazia isso com os magos e feiticeiros. Ela o respeitava profundamente, admirava sua sabedoria, confiava nele completamente. Ela nunca suspeitou do desejo silencioso que percorria cada gesto dele. Ele nunca se permitiu demonstrar nada além de zelo e admiração, ele tinha consciência de que isso não estava nos planos de Ishtar. Aos olhos de Liliana, Magnus era apenas o tutor que a preparava para sobreviver e dominar seus poderes. E isso era incrivelmente doloroso para Magnus.
No apartamento parisiense, cercada por livros, magia e a vigilância constante de Magnus, Liliana começou a experimentar a sensação de ser quase invencível. Ela havia se tornado mais do que uma Strigoaică; tornara-se uma predadora nas sombras, preparada para sobreviver, dominar seus poderes e, um dia, vingar Drago.
Paris à noite parecia agora um tabuleiro de caça, cheio de luzes, sombras e perigos, e Liliana estava pronta para explorar cada canto, cada beco e cada segredo, dominando cada instinto, cada habilidade e cada centímetro de sua nova vida imortal.
...
Paris, 1923.
A cidade lá fora parecia viva, mas Liliana já havia aprendido a observá-la sem ser notada. O café da manhã era rápido, simples, e os passeios pelas ruas a faziam parecer uma jovem comum, elegante, solitária, quase melancólica. Para os transeuntes, era apenas uma mulher com passos delicados e olhar distante. Mas por dentro, Liliana carregava um fogo contido, lembranças de Drago, do clã destruído e do mundo que lhe fora roubado.
À noite, sua rotina mudava completamente. Sob a tutela de Magnus, Liliana se tornava uma ladina especializada, quase sobrenatural.
Entrava em mansões iluminadas apenas por velas ou lanternas, deslizando pelas sombras como se fosse parte do ar. Roubava artefatos mágicos, joias e grimórios, sempre usando ilusões perfeitas para despistar guardas e cães. Dominava a mente de humanos frágeis ou distraídos para induzi-los a tomar decisões que a ajudassem a cumprir sua missão. Lia pensamentos de inimigos ou alvos, captando intenções escondidas e antecipando movimentos com precisão quase profética.
Com o tempo, Liliana se tornou mais ágil, mais rápida, mais precisa e mais mortal do que qualquer mortal ou vampiro jovem. Cada missão era uma oportunidade de treinar, testar limites e aprimorar habilidades. Paris tornou-se sua arena de prática, e a cidade à noite parecia reverberar com o poder recém-dominado de uma Strigoaică em ascensão.
Apesar disso, a vida humana continuava melancólica. Liliana caminhava pelas ruas, frequentava cafés, lojas e mercados, comprando mantimentos, observando humanos e vampiros à distância, vivendo uma existência solitária entre dois mundos. Ela conversava pouco, sorria raramente, e cada interação era medida, como se estivesse sempre ciente de que qualquer laço emocional poderia ser uma vulnerabilidade.
Depois de anos vivendo assim, Liliana percebeu que não precisava mais depender de Magnus ou da Verbena. Seu corpo, mente e poderes estavam completos; cada reflexo, cada feitiço, cada movimento furtivo era agora uma extensão de si mesma. Mas havia algo que a consumia mais do que qualquer treinamento: a vingança contra os vampiros que destruíram seu clã e mataram Drago.
Numa noite silenciosa, enquanto observava a lua refletida no Sena, Liliana disse:
- Magnus... - começou, respirando fundo - aprendi tudo que você podia me ensinar. Cada passo, cada feitiço, cada sombra. Estou pronta. Mas... eu preciso fazer isso sozinha. Preciso encontrar os vampiros que destruíram minha vida, que tiraram Drago de mim.
Magnus permaneceu em silêncio por longos segundos, os olhos profundos fixos nela, avaliando cada nuance de sua expressão. A brisa da noite agitava as cortinas do apartamento parisiense, como se o mundo estivesse em suspense. Seu coração por dentro estava se partindo.
- Liliana... - disse ele finalmente, com voz grave, cheia de emoção contida - eu sempre soube que este dia chegaria. Sempre quis que fosse forte, independente... mas não posso negar que a ideia de você seguir sozinha me deixa receoso.
Ela ergueu o olhar, firme, mas com um toque de ternura nos olhos.
- Magnus, você me ensinou a ser mais do que eu poderia imaginar. A sobreviver, a lutar, a dominar meus poderes. E tudo isso só tem sentido se eu fizer isso sozinha agora. Porque ninguém, nem mesmo você, pode me proteger do que preciso enfrentar.
Magnus respirou fundo, inclinando-se levemente. A mão pousou sobre o ombro dela com firmeza - um gesto que não a impedia, apenas reconhecia a escolha que ela já havia feito.
- Você carrega não só o poder de uma Strigoaică, mas a força de um legado inteiro. Cada passo que você der será decisivo, cada sombra, uma aliada ou inimiga. Mas eu confio em você... confio plenamente.
Liliana sorriu, um sorriso tênue e preciso, tão afiado quanto triste.
- Confiança é uma palavra bonita, Magnus - disse com doçura calculada. - Principalmente quando vem acompanhada de um sermão.
Ele abriu a boca para responder, mas ela prosseguiu, sem perder a serenidade:
- Não se preocupe. Sei o que faço... ou, ao menos, saberei fingir que sei. - um riso seco, tocou o rubi sobre o peito, o gesto leve, quase cerimonial. - Se eu precisar de ajuda, este pingente falará por mim. Até lá, confie de verdade - e não me siga.
Magnus sustentou o olhar dela, o maxilar tenso. Liliana esboçou um meio sorriso:
- Além disso, eu ficaria arrasada se o grande Magnus perdesse a compostura por minha causa.
Ele soltou um suspiro entre resignação e riso, e por um instante, o silêncio entre os dois foi mais eloquente que qualquer despedida.
Magnus sorriu, mas o sorriso era silencioso, melancólico, carregado de uma saudade que não podia ser compartilhada.
- Você precisa saber... - disse baixinho, quase para si mesmo - que meu coração nunca pertencerá a outra pessoa. Sempre foi, sempre será seu. Mas ver você crescer, se tornar quem é... é a maior honra da minha vida. Mesmo que nunca me pertença, Liliana. Nunca.
Com um olhar de surpresa ela sentiu o peso da honestidade e vulnerabilidade dele pressionar seu peito, mas hesitar não era uma opção.
- Magnus...eu... - fez uma pausa longa, os olhos fixos nele, carregados de lembranças, de tudo o que haviam compartilhado - ...amanhã partirei de vez. Obrigada por tudo, e me desculpe, não posso retribuir-lhe da maneira que espera. - disse com um tom melancólico constrangido. - Nunca irei amar novamente alguém como amei Drago. Mas nossa amizade é algo que levarei comigo sempre, afinal, me ajudaste a sobreviver à minha dor. Ela se aproximou, ficou nas pontas dos pés e beijou levemente a bochecha de Magnus. - E duvido que seja a última vez que verei meu Professor Ranzinza.
Ele riu um sorriso frouxo, permaneceu olhando, imóvel, enquanto Liliana se afastava. Magnus fechou os olhos, deixando escapar um suspiro silencioso, carregado de tristeza profunda. Depois de tantos anos, se afeiçoava a ela, se importava com cada vitória, cada desafio, cada momento de aprendizado... e agora, sabia que nunca seria correspondido. Seu coração, por escolha ou destino, sempre pertenceria a outra pessoa - e o peso dessa verdade o esmagava com uma melancolia silenciosa e eterna.
Após a manhã seguinte o apartamento permaneceu silencioso, os livros e pergaminhos testemunhas de um vínculo profundo que nunca poderia ser consumado, e Magnus ficou sozinho, guardando no peito a memória de sua afeição e da promessa de que Liliana viveria para honrar aqueles que ela amava e perdia.