Capítulo 6 O Ataque

Norte da Itália, 1875.

Cinco décadas se passaram desde aquela noite em que as estrelas testemunharam a revelação do destino de Liliana Bari. O tempo, implacável com os mortais, espalhou rugas e cabelos brancos entre o povo do clã Kalderash. As vozes antes vibrantes das crianças tornaram-se graves, os passos dos dançarinos mais lentos, e a música das fogueiras ganhou um tom nostálgico, como se o próprio vento cantasse elegias.

Ruvim e Milena, os pais de Liliana, foram os últimos fios que a prendiam ao mundo dos mortais. Morreram como viveram: juntos, serenos, em uma noite calma de verão, adormecendo lado a lado. Quando o sol nasceu, o clã os encontrou abraçados, como se apenas tivessem decidido descansar depois de uma longa dança. O acampamento chorou e celebrou, como é costume dos ciganos, entre lágrimas e violinos, reconhecendo que algumas partidas não são perdas, mas regressos. Liliana os velou em silêncio, sem lágrimas - não porque não doesse, mas porque a dor dela era antiga e profunda demais para caber em pranto.

E enquanto os rostos do clã envelheciam, ela e Drago permaneciam inalterados.

O tempo não os tocava, mas passava através deles, deixando marcas apenas no mundo ao redor. A cada década, o amor entre ambos crescia em intensidade e profundidade - não um amor efêmero, de carne e desejo, mas algo que ultrapassava o entendimento humano. Era devoção, cumplicidade e silêncio. O olhar de Drago a seguia em cada gesto, como se o simples fato de ela existir justificasse sua eternidade.

Nas noites em que o vento das montanhas se tornava frio e o fogo da fogueira tremulava, Liliana deitava a cabeça no peito dele e ouvia o coração que há muito não batia em um ritmo humano. E mesmo assim, sentia ali uma vida que era só deles, um ritmo que o tempo não podia deter. Drago, em contrapartida, via nela o reflexo daquilo que os de sua espécie haviam perdido há séculos - calor, alma e humanidade.

Mas junto ao amor, vinha o medo.

Drago era consumido por uma preocupação constante, quase obsessiva. Ele sabia que o dom de Liliana, sua natureza única, poderia atrair cobiça.

Por isso, a caravana nunca permanecia muito tempo em um mesmo lugar.

Drago mudava a rota constantemente: ora seguiam por vales escondidos nas Dolomitas, ora cruzavam florestas úmidas e vilarejos esquecidos. Ele sempre mantinha distância dos grandes centros, atento a qualquer rumor, qualquer presença suspeita. Seu instinto, afiado por séculos de sobrevivência, o guiava.

Para os humanos do clã, aquela vida nômade era apenas parte da tradição cigana. Para Drago, era uma estratégia. Cada movimento, cada parada, cada fogueira acesa e cada trilha apagada tinham um propósito: manter Liliana invisível.

Nos períodos de calmaria, treinavam juntos.

Drago ensinava-a a dominar sua força, sua velocidade e a sutileza de suas percepções - ouvir o coração de um homem a cem metros de distância, distinguir o perfume de uma rosa entre mil aromas, mover-se sem ser vista. Liliana aprendia rápido, com disciplina e fascínio. Em cada lição, havia algo mais: um olhar, um toque, um sussurro.

O treinamento se tornava dança, e a dança, confissão.

Drago por vezes a observava dormir, a respiração leve, o rosto sereno. Em silêncio, rezou a Ishtar:

"Deusa, que fiz? Prendi-a a mim, ou protegi-a demais das sombras que só eu posso enfrentar?"

Cada traço dela o fascinava, e a devoção que sentia parecia sagrada, misturando responsabilidade, desejo contido e um peso antigo que só ele e Ishtar conheciam.

Ela, porém, parecia não se arrepender. Dizia-lhe, com aquele sorriso que iluminava o escuro, que a liberdade era poder escolher a quem se entrega o destino - e que o dela sempre o escolheria.

Nos momentos de ternura, ele tocava o rosto dela com uma reverência quase sagrada, como quem teme quebrar algo precioso. Ela ria disso, provocando-o com palavras doces e insolentes, chamando-o de "meu velho guardião" ou "meu vampiro ciumento", arrancando dele um raro sorriso.

Ainda assim, entre fugas, treinos e silêncios compartilhados, Liliana e Drago construíram algo que desafiava a própria eternidade.

Ela era sua luz.

Ele, sua sombra protetora.

...

A manhã rompeu em silêncio.

A tampa da cama-baú permanecera entreaberta - uma distração inocente, um lapso impossível para um vampiro milenar, mas para uma vampira jovem de poucas décadas, era comum. O primeiro raio de sol penetrou a fresta e pousou diretamente sobre o ombro de Drago, que dormia profundamente, entrelaçado ao corpo de Liliana.

Ela foi a primeira a acordar, sentindo o calor sobre a pele dele. E, quando percebeu o que acontecia, o coração imortal pareceu congelar.

- Drago! - sussurrou, assustada, empurrando-o levemente.

Ele abriu os olhos de súbito, o instinto reagindo antes do raciocínio. Esperava a dor imediata, a carne queimando, o cheiro de morte. Mas nada veio.

O corpo se enrijeceu, os músculos tensos... e depois relaxaram, lentamente, quando ele percebeu que a luz apenas o aquecia.

- O que... - murmurou, confuso, a voz rouca - o que está acontecendo?

Liliana ficou imóvel, observando o raio dourado tocar o ombro dele.

- Está... tudo bem? Não está... doendo?

Drago levantou o braço, estudando a pele onde o sol incidia. O calor o incomodava, mas não queimava.

- Estranho... sinto o calor, sim, mas não a dor. Como se algo me protegesse. - Ele virou-se para ela, os olhos incrédulos. - Liliana... isso não é possível.

- Talvez - disse ela, hesitante, lembrando do momento em que ele bebera de seu sangue na noite da transformação - talvez seja por mim.

Drago ficou em silêncio. Um silêncio longo, denso, até que respondeu com voz grave e baixa:

- Seu sangue... quando o provei, havia poder nele. Não apenas a essência da vida - mas algo que quebrou as regras que conheço desde antes da tua linhagem existir.

Ela tocou o rosto dele com ternura.

- E agora, o que isso significa?

- Significa - respondeu Drago, os olhos fixos na fresta da tampa - que talvez, Liliana, tenhamos feito algo que nenhum mortal ou imortal jamais fez: desafiamos o sol.

O olhar dela oscilou entre medo e admiração.

- Isso é... perigoso, não é?

Ele assentiu.

- Se os outros descobrirem... magos, vampiros, qualquer um... vão te caçar. Seu sangue seria a chave para algo que todos desejam - e que nunca deveriam possuir.

Por um momento, o sol cresceu no interior da carroça, e Drago recuou um pouco, agora sentindo o calor aumentar até o limite do suportável. Ela correu para selar o pequeno buraco com tecido.

- Pelo visto, a resistência é limitada e passageira. Não é como a minha, permanente. - disse Liliana.

Silêncio.

O som do coração de Liliana era o único eco dentro da carroça.

Ela encostou a cabeça no peito dele.

- Não conte a ninguém, Drago.

- Nunca - respondeu. - Que isso morra conosco, se preciso.

Dormiram novamente, abraçados, enquanto o sol completava seu ciclo no céu.

O dia seguiu, a noite avançou como sempre, eles saíram da carroça e agiram como se nada tivesse acontecido. Nem mesmo Miklos sabia, era um segredo perigoso demais para ser partilhado. Antes do primeiro canto dos pássaros no alvorecer, Drago aguardou os últimos companheiros vampiros se recolherem em suas respectivas carroças. Os humanos ainda estavam todos adormecidos em suas carroças e tendas. O mundo ainda estava coberto de sombras azuladas, e o ar das montanhas trazia o frio das alturas. Ao seu lado, Liliana estava sonolenta, mas tranquila, o rosto sereno como um retrato de sonho.

Ele a observou por um longo tempo, até que ela se mexeu, despertando sob o olhar dele.

- Ainda me observa como se duvidasse que sou real? - brincou ela, com um sorriso preguiçoso.

Drago devolveu um sorriso contido.

- Ainda me espanta que um milagre como você exista.

Ela se sentou, puxando um xale sobre os ombros nus.

- Você quer testar outra vez, não é?

Ele assentiu, sério.

- Quero ver o amanhecer contigo, Liliana. Nem que seja apenas mais uma vez... antes que o sol volte a nos separar.

Saíram juntos da carroça, mãos dadas. O chão ainda guardava o frio da noite. No céu, as primeiras faixas de luz começavam a tingir o horizonte de lilás e âmbar.

- Aqui - disse Liliana, parando num pequeno descampado próximo, de onde se via o vale inteiro. O vento soprava suave, o cheiro de terra molhada misturando-se à resina das árvores.

Drago ficou imóvel, o olhar fixo na linha do horizonte. E lá estava o astro rei mais uma vez à aparecer lentamente pintando o céu de uma amarelo e púrpura cálidos. Ouviram um galo cantar ao longe.

- Faz milênios que não vejo isso... - murmurou. - A última vez, o mundo ainda era jovem.

Liliana entrelaçou os dedos nos dele.

- Então veja agora, com novos olhos.

O primeiro raio do sol atravessou o vale, lento, como se hesitasse em tocar o que era eterno. A luz alcançou as mãos deles. Liliana sorriu, sentindo o calor familiar; Drago, por outro lado, estremeceu - não de dor, mas de emoção.

- Eu... sinto - disse ele, surpreso - o calor... mas também algo mais. Vida.

Liliana olhou para ele, maravilhada, e o viu chorar - uma lágrima escura, densa, deslizando devagar por sua face imortal.

- Drago...

Ele segurou o rosto dela, os olhos fixos no nascer do sol.

- Milênios de sombras... e agora posso ver o amanhecer. O que você me deu, Liliana, é mais do que poder. É perdão.

Ela encostou o rosto no dele, emocionada.

- Então veja, meu amor. Veja tudo o que o mundo te roubou... e tudo o que você ainda pode ter.

O sol subiu, tingindo os dois de dourado. Drago resistiu por longos minutos, até o calor começar a pesar sobre sua pele.

- Já basta... - disse ele, recuando lentamente, ainda fascinado. - Não quero abusar do milagre.

Liliana sorriu, tocando o peito dele, sentindo o coração dele que batia inumanamente devagar - e, ainda assim, parecia vibrar de vida.

- Talvez o sol nunca tenha sido teu inimigo, Drago. Talvez apenas te esperasse encontrar alguém... que te fizesse digno dele.

Drago olhou para ela, com o brilho do amanhecer refletido em seus olhos.

- Ou talvez... o sol nunca tenha tido coragem de olhar para mim até você aparecer.

Ela riu suavemente, a risada misturando-se ao vento.

Ficaram ali, até o limite em que o dia os obrigou a retornar à escuridão.

Mas naquele breve amanhecer, Drago Farkas, o vampiro milenar, viu o sol pela primeira vez em eras - e Liliana Bari soube que, juntos, haviam quebrado algo maior do que maldições: haviam vencido a própria eternidade.

...

E enquanto as fogueiras do clã ardiam e se apagavam sob os céus das montanhas, os dois seguiam juntos, amando-se e protegendo-se, conscientes de que o amor deles - imortal, secreto e proibido - era ao mesmo tempo uma dádiva e uma maldição.

A caravana seguiu seu ritmo errante pelos dias e meses, com a segurança de uma rainha humana-vampira protegida pelos mais leais aliados.

Até que, numa madrugada tranquila, poucas horas antes do amanhecer, o mundo mudou em um instante.

Gritos estridentes cortaram o ar frio da noite. A confusão se espalhou pelo acampamento como um incêndio invisível, levantando pânico e desespero. O fogo iluminava as carroças, o chão encharcado de sangue refletia as chamas e a carnificina se desenrolava com velocidade brutal. Vampiros desconhecidos atacavam sem piedade, destemidos, precisos, sedentos por destruição.

Liliana acordou no baú da carroça, alertada pelo som do caos, e sentiu o coração pular. Drago despertou instantaneamente, os sentidos em alerta máximo. Ele percebeu o perigo antes mesmo que pudesse ouvir completamente: o aroma do sangue, o frio da morte, a violência no ar. Seus olhos dourados percorreram a clareira em segundos, cada movimento dos invasores captado com precisão sobrenatural.

- Liliana! - chamou Drago, sua voz grave e urgente, carregada de adrenalina. - ficar aqui não é seguro!

Ela se levantou rapidamente, os sentidos ainda aguçados, mas o medo humano surgindo pela primeira vez em anos. Por um instante, olhou para as carroças em chamas, para o clã disperso e desesperado, e para os corpos caídos. E soube: a batalha pela sobrevivência do clã, e a própria vida dela, estava apenas começando.

Drago estendeu a mão, e Liliana a tomou sem hesitar. Os dois se posicionaram lado a lado, preparados para enfrentar os vampiros desconhecidos que haviam invadido seu mundo.

O luar refletia nas lâminas improvisadas e nos olhos vermelhos dos invasores, e o silêncio que precedeu o confronto parecia engolir a clareira inteira. Liliana respirou fundo, sentindo a pulsação da vida em seu peito, os sentidos ampliados de uma Strigoaică, e sabia que, juntos, ela e Drago poderiam resistir a qualquer inimigo - mas o custo seria terrível.

...

A noite estava carregada de trevas e fogo. O vento frio das Dolomitas trazia o cheiro de fumaça e carne queimada enquanto gritos humanos e vampíricos ecoavam pelo acampamento. O caos havia tomado conta: carroças queimavam, barracas desmoronavam, corpos humanos e vampiros caíam lado a lado. Homens, Mulheres, crianças e idosos. Todos sucumbiam um a um, seja ao fogo, garras ou à espada.

No centro de tudo, Drago se movia como uma tempestade viva. A experiência de séculos se manifestava em cada golpe, cada desvio, cada passo calculado. Seus olhos brilhavam na escuridão, refletindo as chamas e o sangue derramado, e seus movimentos eram impossíveis de serem seguidos por qualquer mortal. Cada vampiro que tentava atacá-lo era lançado para longe, perfurado, arremessado ou derrubado com força brutal.

Mas os invasores eram numerosos e habilidosos. Alguns atacavam em grupos coordenados, outros tentavam cercá-lo, estudando cada movimento. Drago desviava, contra-atacava, golpeava com precisão e força sobrenaturais, mas não havia como ignorar o fogo que avançava, o cheiro sufocante de fumaça e a proximidade de sua destruição. Ele derrubava inimigos atrás de inimigos, mas cada respiração trazia o calor crescente das chamas mais perto de seu corpo imortal.

Um vampiro desconhecido avançou por trás, tentando surpreendê-lo. Drago girou com rapidez sobre-humana, agarrando o atacante pelo pescoço e lançando-o contra uma carroça, que explodiu em chamas. Ele seguiu atacando, cada golpe matando ou ferindo, mas a quantidade era esmagadora. Um grupo maior cercou-o parcialmente, obrigando-o a recuar.

Liliana estava pasma, incapaz de acreditar no espetáculo de força e habilidade que era Drago. Ele parecia invencível, cada movimento era uma dança mortal, cada golpe calculado, mas a realidade do fogo e da confusão começava a revelar a vulnerabilidade de qualquer ser, mesmo um vampiro milenar.

De repente, um estrondo e uma coluna de chamas se ergueu de uma carroça próxima em um ataque, e o fogo avançou rápido, encurralando-o contra estacas de madeira em chamas. Ele desviava e atacava, derrubando inimigos que se aproximavam, mas a cada instante o calor aumentava, e o fogo lambia seus ombros e braços. Seus olhos dourados encontraram os dela por um instante: um olhar cheio de confiança e amor, pedindo silenciosamente que ela sobrevivesse.

- Drago! - gritou Liliana, a voz cortando o estrondo do caos - não!

Mas ele não podia ir até ela. O fogo avançava rápido demais, cercando tudo ao redor. Vampiros atacavam em frenesi e em ondas, alguns tentando derrubá-lo, outros tentando afastá-la de seu alcance. Drago desferia golpes precisos e mortais, mas a luta tornava-se cada vez mais difícil. Ele não era invencível; o fogo e o número esmagador de inimigos começavam a pesar até sobre um milenar.

Liliana avançou, mas Miklos, muito machucado a agarrou puxando-a para trás com força descomunal.

- Não! - ela gritou, lutando para se libertar - ele precisa de mim!

- Agora não! - Miklos rosnou, o braço firme segurando-a. - Precisamos escapar!

Ela tentou resistir, mas ele a arrastou para a floresta densa, desviando de inimigos e chamas, enquanto atrás dela o fogo consumia as carroças e barracas, espalhando destruição. Ela continuava olhando para trás, incapaz de soltar os olhos de Drago.

Ele ainda lutava, derrubando inimigos com golpes devastadores, mas o fogo avançava cada vez mais rápido, encobrindo tudo em chamas e fumaça. Ele desviava de lâminas e garras, atacava vampiros que tentavam cercá-lo, mas o calor aumentava, queimando a madeira, lançando fagulhas que pareciam querer devorá-lo. Em um instante, uma explosão projetou fagulhas sobre seu braço; ele desviou, mas algumas chamas tocaram sua pele, causando-lhe dor. Por um momento, ele ficou exposto, cercado, enfrentando não apenas vampiros mortais, mas o fogo como inimigo cruel e inevitável.

Liliana viu a imagem dele, cercado pelo fogo, lutando com a fúria de séculos de experiência. E então uma nova coluna de chamas o atingiu diretamente, a madeira explodindo ao redor, queimando tudo que estava à vista. Por um instante, Drago ficou imóvel, as chamas refletindo em seu olhar dourado, ainda focado nela, ainda transmitindo a confiança silenciosa que ele sempre lhe dava.

Antes que pudesse atravessar o fogo, Miklos a agarrou novamente, puxando-a com força.

- Nãããooo! - Liliana gritou em desespero, as lágrimas e os soluços lhe enfraqueciam.

- Liliana! Não podemos ficar aqui! - ele rugiu, desviando de estacas, inimigos e fagulhas. - Você precisa viver! Sobreviver é a única maneira de vingar Drago!

Ela tentou lutar, mas Miklos não cedeu. Acariciando sua força e determinação, ele a guiou para a segurança da floresta, afastando-a do caos e da destruição que consumiam o acampamento.

- Prometa-me! - disse Miklos chegando a uma clareira distante, os olhos fixos nos dela - Prometa que você vai sobreviver e que vai vingá-lo.

- Eu... eu prometo... - murmurou Liliana, soluçando, o pensamento fixo nas chamas e no corpo de Drago, consumido pelo fogo. - Eu vou sobreviver... e vou vingar ele... e o clã... e todos nós.

O calor da floresta e a sombra das árvores a envolveram enquanto Miklos a conduzia, cada passo afastando-a do horror do acampamento. O cheiro de fumaça e sangue ficava para trás, mas a imagem de Drago lutando até o fim, cercado pelo fogo, permaneceria gravada em sua mente para sempre.

...

O acampamento ainda ardia ao longe, nuvens de fumaça subindo no céu como dedos negros tentando tocar a lua. O cheiro de madeira queimada, sangue e carne preenchia o ar, impregnando cada árvore da floresta onde Liliana e Miklos se refugiavam. Cada passo que davam entre raízes e galhos caídos parecia ecoar a destruição que deixavam para trás, e o silêncio entre eles era pesado, carregado de medo e dor.

- Ele... ele não merece... - Liliana sussurrou, as lágrimas queimando seu rosto - como alguém tão poderoso pode ser consumido assim?

Miklos apertou seu ombro com firmeza, o olhar endurecido, carregado de urgência e preocupação.

- Você não pode se prender à dor agora. - disse ele, com a voz grave. - Drago me confiou você, Liliana, e ele confia EM você para fazer o que é certo. Ele foi destruído protegendo o que amava. Agora é a sua vez.

Ela engoliu em seco, o coração humano martelando no peito, lembrando-se do rubi que descansava sobre seu peito. O pingente cintilava sob a luz da lua filtrada pelas árvores, uma gota rubra translúcida como sangue, lembrando-a da promessa feita décadas atrás: sobreviver.

- Mas... Miklos... - a voz dela falhou, carregada de desespero - como posso sobreviver sem ele? Ele era meu mundo... meu guardião...

Miklos a olhou nos olhos, firme e sério, mas com a ternura de quem entende a dor de alguém que ama profundamente.

- Você vai sobreviver porque é a Strigoaică, Liliana. Não é apenas uma promessa de Drago. É o seu destino, o seu dever e a única chance de honrar tudo o que ele foi. Você vai sair da Itália.

Liliana respirou fundo, tentando absorver cada palavra.

- Para onde? - perguntou, a voz baixa, tremendo.

- Baviera - respondeu Miklos. - Você procurará Magnus Berg, um humano, aliado de Drago, poderoso e confiável. Mostre a ele o pingente - tocando suavemente o rubi contra o peito dela - ele saberá reconhecer você e proteger você. Somente ele tem o poder de ajudá-la sem se expor ao perigo.

Liliana franziu a testa, confusa e cética.

- Baviera? Mago? E se eu for descoberta? - perguntou, a voz quase um sussurro, cheia de medo. - Olhe o que aconteceu com Drago... um milenar quase invencível, e ainda assim...

Miklos apertou seus ombros com força, a gravidade da situação estampada em cada linha de seu rosto marcado e endurecido:

- Exatamente. Qualquer vampiro poderoso poderia tentar usá-la, controlá-la ou destruí-la. Você seria uma presa fácil se se expusesse. Nunca, sob nenhuma circunstância, permita que ninguém além de Magnus Berg saiba de você ou veja o pingente.

Liliana respirou fundo, sentindo o peso da responsabilidade esmagando seu peito. Ela tocou o rubi, lembrando-se do toque de Drago, do calor e da promessa silenciosa: sobreviver para honrar e um dia vingar. Um fio de ironia se insinuou em sua dor, apenas para aliviar um pouco a tensão:

- Muito bem - disse ele, a voz grave e firme, mas com um leve tom de reflexão -. A linhagem de Drago agora sobrevive apenas em nós dois, Liliana. O clã foi massacrado, o bando destruído... e ainda assim, não podemos permitir que o peso do passado nos consuma. Está amanhecendo e cada um de nós precisará seguir seu próprio caminho. É a única forma de garantir sua segurança.

Ele deu um passo adiante, a postura imponente, os olhos percorrendo o arredor como se procurasse qualquer sinal de ameaça oculta.

- E cuidado - continuou, em um tom quase sussurrado, mas carregado de aviso -, não podemos permitir que ninguém saiba da profecia, nem da existência dela. Qualquer informação fora de nosso controle seria um risco que não podemos correr. A vigilância da Sociedade é intensa, e inimigos estão à espreita, prontos para explorar qualquer fraqueza.

Miklos fez uma pausa, os dedos tocando levemente o anel antigo que usava, símbolo de sua linhagem e da memória do que foi perdido.

- Por enquanto, precisamos mover nossas peças com discrição. Proteção, estratégia e silêncio serão nossas armas mais eficazes. E, Liliana... nunca se esqueça de que, mesmo quando estivermos distantes, cada passo seu será observado - não por curiosidade, mas por necessidade.

Seu olhar encontrou brevemente o dela, firme, calculista, como quem mede o futuro de alguém e ao mesmo tempo prepara a própria sobrevivência.

- Então vá, Liliana. Siga para a Baviera. Procure Magnus Berg. Não se exponha a nenhum vampiro ou inimigo. Não permita que ninguém descubra o que você é, nem mesmo uma sombra suspeita.

Ela lançou um último olhar para o horizonte onde o acampamento queimava, vendo as chamas refletirem na escuridão da noite, e sentiu a dor da perda misturada com uma determinação feroz. Cada passo na floresta agora era carregado de propósito. Ela viveria. Ela cresceria em poder. E um dia, vingaria Drago, custasse o que custasse.

            
            

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