Clarice estava parada diante da imensa mesa de carvalho negro. Ela ainda vestia seu macacão jeans, mas tinha tentado limpar o glitter do rosto com um lenço umedecido - sem muito sucesso, já que agora parecia que uma galáxia inteira brilhava em suas bochechas.
Bento não olhou para ela de imediato. Ele estava concentrado em alguns documentos, uma caneta-tinteiro de ouro deslizando com precisão pelo papel. O silêncio se estendeu deliberadamente. Era uma tática de poder, Clarice sabia disso. Ele queria que ela se sentisse pequena, deslocada.
- Pode se sentar, senhorita Luz - ele disse finalmente, sem erguer os olhos.
- Prefiro ficar em pé, Sr. Cavalcanti. A última vez que aceitei seu apoio, quase causei um desastre na recepção - ela rebateu, com a voz firme, embora suas mãos estivessem escondidas nos bolsos para ocultar o leve tremor.
Bento finalmente levantou a cabeça. O olhar azul a atravessou como uma lâmina de gelo. Ele se recostou na cadeira de couro, observando-a com uma curiosidade nada discreta. Clarice era o caos personificado em seu mundo de ordem. E, por algum motivo que ele se recusava a admitir, o caos era fascinante.
- Estive analisando seu contrato - Bento começou, fechando a pasta. - O seu trabalho é... aceitável. Mas sua conduta profissional deixa a desejar. Você desafiou o proprietário do estabelecimento na frente dos funcionários e dos hóspedes.
- Eu não o desafiei. Eu apenas apontei que o senhor estava sendo desnecessariamente rude com o espírito da época - ela sorriu de lado, um sorriso desafiador. - E, tecnicamente, eu salvei a estrela do topo. Se ela quebrasse, o senhor teria um prejuízo de três mil reais em cristal tcheco.
Bento arqueou uma sobrancelha. Ele gostava de pessoas que sabiam o valor das coisas.
- Você é rápida com os números. E pelo que pesquisei, também está desesperada por eles.
O sorriso de Clarice vacilou. A menção ao desespero atingiu um nervo exposto. Ela precisava do cachê daquele hotel para pagar a cirurgia de catarata da avó e as dívidas acumuladas do pequeno ateliê de decoração que mantinha nos fundos de casa.
- Minha vida financeira não é da sua conta, Sr. Cavalcanti.
- Torna-se minha conta quando pretendo fazer uma proposta que vai além de pendurar bolas de vidro em árvores - ele se levantou. Bento era alto, e quando caminhava em direção a ela, parecia ocupar todo o oxigênio da sala. Ele parou a poucos centímetros dela, circulando-a como um predador. - Eu tenho um problema. Um conselho de administração composto por homens arcaicos que acreditam que um CEO solteiro e "implacável demais" não passa confiança para os acionistas conservadores.
Clarice franziu a testa, acompanhando o movimento dele com os olhos.
- E o que eu tenho a ver com seus problemas de imagem?
- Eles querem um homem de família. Alguém que tenha raízes, que mostre estabilidade emocional. O Natal é a data máxima dessa encenação. Em dez dias, haverá o Baile de Máscaras do Grand Cavalcanti. É o evento do ano. Preciso chegar lá com uma noiva.
Clarice soltou uma gargalhada genuína, o som ecoando pelo escritório estéril.
- O senhor quer contratar uma noiva? Está assistindo muitos filmes de comédia romântica, Sr. Cavalcanti.
- Eu não assisto filmes. Eu resolvo problemas - ele parou na frente dela, a expressão mortalmente séria. - Quero que você interprete esse papel. Você tem o que falta em mim: essa... vivacidade irritante, essa aparência de quem realmente gosta de pessoas e de feriados. Você é bonita, sabe falar e, claramente, não tem medo de mim.
Clarice cruzou os braços sobre o peito, sentindo o calor que emanava do corpo dele. Estar perto de Bento era como estar perto de uma lareira acesa: perigoso se você chegasse perto demais, mas irresistivelmente atraente no frio.
- E por que eu aceitaria algo tão absurdo?
- Por duzentos mil reais - ele disparou.
O ar sumiu dos pulmões de Clarice. Com esse dinheiro, ela não apenas operaria a avó, como compraria a pequena loja que sempre sonhou em abrir no centro de Gramado.
- Duzentos mil? - ela sussurrou.
- Cinquenta por cento agora, cinquenta por cento na manhã de Natal, quando o contrato terminar. Você morará aqui, na suíte presidencial adjacente à minha. Terá roupas novas, joias, e terá que frequentar todos os jantares e eventos ao meu lado. E o mais importante: terá que convencer a todos, especialmente à minha mãe e ao conselho, de que estamos perdidamente apaixonados.
Clarice sentiu um frio na espinha que não tinha nada a ver com o clima de Gramado.
- Apaixonados? Como eu vou convencer alguém de que amo um homem que tem um iceberg no lugar do coração?
Bento deu um passo ainda mais próximo. Ele inclinou o rosto, a respiração quente atingindo a orelha de Clarice, fazendo os pelos do braço dela se arrepiarem instantaneamente.
- Você é uma artista, Clarice. Invente uma história. Ou melhor... use o que sentiu quando eu te segurei nos braços hoje cedo. Aquele choque elétrico? As pessoas chamam isso de química. Só precisamos fingir que ela é intencional.
Clarice engoliu em seco. O cheiro dele a estava deixando tonta novamente. Era uma mistura de poder e um desejo latente que ela não conseguia ignorar. Ela olhou para os lábios dele, bem desenhados e firmes, e por um segundo, imaginou como seria ser beijada por aquele homem. Seria como gelo ou como fogo?
- Existem regras? - ela perguntou, a voz saindo mais rouca do que pretendia.
- Várias. A primeira: nada de intimidade real diante de câmeras, apenas o necessário para a farsa. Toques sutis, olhares, mãos na cintura. Segunda: você nunca, sob hipótese alguma, admite que isso é um negócio. Terceira... - ele fez uma pausa, os olhos descendo para a boca dela. - Você terá que lidar com o fato de que, para o mundo, você é minha.
Clarice sentiu o desafio no tom dele. Era um jogo de xadrez, e Bento achava que já tinha dado o xeque-mate. Mas ele não conhecia a força de uma mulher que já tinha enfrentado tempestades reais para manter o sorriso no rosto.
- Eu aceito - ela disse, estendendo a mão. - Mas com uma condição.
Bento apertou a mão dela. A pele dele era quente e a pressão era firme, enviando uma descarga elétrica que percorreu o braço de Clarice até o centro do seu peito.
- Qual?
- O senhor vai ter que montar uma árvore de Natal comigo. Com as próprias mãos. Sem secretários, sem gerentes. Só o senhor, eu e o espírito natalino que o senhor tanto despreza.
Bento soltou um suspiro impaciente, mas não soltou a mão dela. Pelo contrário, puxou-a um pouco mais para perto, reduzindo o espaço pessoal a quase nada.
- Você é uma negociadora difícil, Clarice Luz.
- O senhor ainda não viu nada, Sr. Cavalcanti.
Aquele aperto de mão selou o destino dos dois. Pelas próximas duas semanas, o homem mais poderoso da hotelaria brasileira e a decoradora sonhadora viveriam uma mentira que, a cada segundo de proximidade, parecia se tornar a verdade mais perigosa de suas vidas.
Bento a observou sair da sala. O balançar dos quadris dela no macacão jeans era um convite ao pecado que ele não tinha planejado aceitar. Ele caminhou até a janela e tocou os próprios lábios. O Natal, que ele sempre considerou uma perda de tempo, acabara de se tornar a estação mais interessante do ano.