Ela se virou com cuidado, tentando não despertar o gigante. Bento, em seu sono, não parecia o CEO implacável que aterrorizava diretores. Sua expressão era suavizada, os lábios - que horas antes haviam explorado cada centímetro dela com uma fome devastadora - estavam entreabertos. Sem a máscara de controle, ele era apenas um homem. Um homem perigosamente atraente.
Clarice estendeu a mão para tocar uma mecha de cabelo escuro que caía sobre a testa dele, mas parou no meio do caminho. O medo a atingiu. O que eles tinham feito? O contrato dizia "noiva de mentira", não "amante de verdade". Ela sabia que, para Bento, tudo poderia ser apenas uma descarga de tensão. Mas para ela, que sentia a vida com uma intensidade que às vezes a assustava, aquilo tinha gosto de algo irremediável.
Como se sentisse o conflito dela, Bento abriu os olhos. O azul das íris dele, antes nublado pelo sono, focou nela e imediatamente se tornou afiado. Ele não recuou. Em vez disso, puxou-a para mais perto, o corpo nu dela colado ao dele sob as cobertas.
- Pensando em fugir, Clarice? - a voz dele era um sussurro rouco, a famosa "voz de travesseiro" que fez o ventre dela se agitar.
- O contrato não previa... isso - ela conseguiu dizer, indicando o espaço entre eles.
Bento subiu a mão pelas costas dela, os dedos mapeando sua coluna com uma lentidão que a deixava sem fôlego.
- O contrato é meu. Eu o altero quando bem entender. E ontem à noite, as cláusulas de distanciamento foram permanentemente revogadas.
Ele se inclinou e beijou o ombro dela, um toque que carregava uma mistura de ternura e reivindicação. Mas, tão rápido quanto o calor surgira, Bento pareceu se lembrar de quem era. Ele se sentou na cama, o movimento fazendo os músculos das costas se tensionarem, e passou a mão pelo rosto. O muro de gelo estava sendo reconstruído, tijolo por tijolo, diante dos olhos dela.
- Temos um compromisso hoje - ele disse, a voz recuperando a cadência profissional. - Uma visita à Vinícola Montes de Ouro. É um evento fechado para potenciais investidores. Preciso que você seja perfeita. Mais do que ontem.
Clarice sentiu uma pontada de decepção.
- A perfeição cansa, Bento. Às vezes, o que é real é muito melhor.
Ele se virou para ela, o olhar agora impenetrável.
- O real é confuso, Clarice. O real destrói impérios. Agora, por favor, prepare-se. O motorista nos espera em uma hora.
A viagem até a vinícola foi silenciosa. Bento estava mergulhado em seu tablet, respondendo e-mails e analisando gráficos, enquanto Clarice olhava as paisagens da Serra Gaúcha passarem pela janela. O contraste entre a intimidade da noite e a frieza do dia era uma tortura.
A Vinícola Montes de Ouro era um refúgio de pedra e madeira encravado em um vale. O aroma de uvas fermentadas e carvalho dominava o ar. Assim que desceram do carro, Bento assumiu novamente o papel. Ele passou o braço pelos ombros de Clarice, puxando-a para junto de si de uma forma que não deixava dúvidas: ela era dele.
O evento corria bem. Clarice encantava os investidores com sua autenticidade, falando sobre a arquitetura colonial de Gramado e a importância de preservar as tradições natalinas. Bento observava de longe, um copo de vinho tinto na mão. Ele odiava admitir, mas a presença dela tornava tudo mais fácil. As pessoas se abriam para ela, e consequentemente, para ele.
No entanto, a harmonia foi quebrada quando um homem de terno mal ajustado e uma câmera pendurada no pescoço se aproximou do casal enquanto eles caminhavam pelos vinhedos, afastados do grupo principal.
- Sr. Cavalcanti! Uma palavra para o Diário da Serra? - o homem disparou, já posicionando a lente.
Bento estreitou os olhos.
- Este é um evento privado. Como você entrou aqui?
- Os muros são baixos para quem busca a verdade, senhor. - O repórter olhou para Clarice com um sorriso malicioso. - Ouvi dizer que sua noiva é, na verdade, uma decoradora local contratada às pressas. Alguns dizem que viram o carro da empresa dela no seu hotel antes do anúncio. O que tem a dizer sobre o "Contrato de Natal"?
Clarice sentiu o sangue fugir do rosto. O pânico começou a subir por sua garganta. Se a farsa fosse descoberta, Bento perderia a presidência e ela nunca veria a cor do dinheiro para a cirurgia da avó.
Bento, no entanto, não recuou um milímetro. Ele deu um passo à frente, sua estatura dominando o repórter. A aura de poder que ele emanava era quase física, opressora.
- Você tem exatamente dez segundos para apagar qualquer foto que tenha tirado e sair desta propriedade antes que eu processe não apenas você, mas o seu jornal até que não sobre um grampo de papel no escritório - a voz de Bento era um rosnado baixo, mortal. - Clarice não é um "contrato". Ela é a mulher que eu escolhi. E se você ousar insultar a honra da minha futura esposa novamente, eu farei questão de que você nunca mais consiga emprego nem como entregador de panfletos nesta cidade.
O repórter engoliu em seco, intimidado pela fúria fria de Bento. Ele recuou, balbuciando desculpas, e desapareceu entre as parreiras.
Bento se virou para Clarice. Ela estava tremendo.
- Bento... e se ele souber de algo? E se...
Ele a segurou pelos braços, forçando-a a olhar para ele.
- Ninguém sabe de nada. Eu protejo o que é meu, Clarice. Eu disse isso ontem e digo agora. - Ele a puxou para um abraço apertado, escondendo o rosto dela em seu peito. - Não deixe que ele te assuste.
- Você me defendeu - ela sussurrou contra o paletó dele.
- Eu protegi meus interesses - ele retrucou automaticamente, mas o modo como ele acariciava o cabelo dela contradizia suas palavras.
- Por que é tão difícil para você admitir que se importa? - Clarice se afastou um pouco, olhando-o nos olhos. - Você me usou ontem à noite, Bento? Foi apenas para manter a farsa viva na sua mente?
Bento soltou um suspiro pesado. Ele a conduziu para dentro de um antigo pavilhão de pedra onde as garrafas de reserva eram guardadas. O lugar era escuro, fresco e silencioso. Ele a prensou contra uma das prateleiras de madeira, as garrafas de vinho vibrando levemente com o impacto.
- Você acha que aquilo foi apenas contrato? - ele perguntou, a voz carregada de uma intensidade sombria. - Eu nunca levei uma mulher de negócios para a cama na minha vida. Eu nunca perdi o controle por ninguém. Mas com você... eu não consigo pensar. Eu vejo esse seu sorriso, sinto esse cheiro de baunilha e eu só quero... - ele interrompeu a fala com um beijo devastador.
Desta vez, não havia sofisticação. Era necessidade pura. Bento a levantou, sentando-a em uma mesa de degustação de madeira rústica. Suas mãos subiram pela saia do vestido dela, encontrando a pele quente das coxas. Clarice arqueou as costas, puxando-o para mais perto, querendo que ele preenchesse cada vazio de sua alma.
Ali, entre o cheiro de vinho envelhecido e o frio da pedra, eles se perderam um no outro novamente. Bento era possessivo, dominante, mas havia uma urgência em seus toques que parecia uma súplica silenciosa. Ele a amava com a força de um homem que passara a vida inteira no inverno e acabara de descobrir o sol.
Quando finalmente pararam, ofegantes, Bento encostou a testa na dela.
- Isso não é o contrato, Clarice. Isso é a minha ruína.
Antes que ela pudesse responder, o celular de Bento vibrou. Ele olhou a tela e sua expressão mudou instantaneamente.
- É a minha mãe. Ela organizou um jantar surpresa para nós dois esta noite... com a sua avó.
O coração de Clarice parou. Sua avó era a pessoa mais honesta do mundo. Se ela visse Clarice e Bento juntos, saberia em cinco minutos que havia algo errado. Ou pior: ela acreditaria na mentira e ficaria com o coração partido quando tudo acabasse.
- Bento, a minha avó não pode participar disso - Clarice disse, a voz cheia de pânico.
- É tarde demais - ele disse, olhando para ela com uma determinação gélida. - Agora, temos que levar essa mentira até o fim. Custe o que custar.