Ele estava impecável, mesmo sob o frio da madrugada. Usava um sobretudo de lã italiana sobre um terno preto, as mãos enluvadas cruzadas atrás das costas. O olhar dele percorreu Clarice com uma lentidão deliberada, desde os pés descalços até o rosto sonolento. A intensidade daquele escrutínio fez a pele dela formigar sob o pijama fino.
- Você está atrasada - ele disse, sem um "bom dia". A voz dele era um trovão baixo na quietude da rua.
- Atrasada? Bento, são seis da manhã! O contrato nem começou direito - ela protestou, tentando ajeitar o cabelo.
Bento deu um passo à frente, forçando Clarice a recuar para dentro do próprio apartamento. Ele entrou, fechando a porta atrás de si. O espaço, que antes parecia acolhedor com suas cores vivas e cheiro de tinta, subitamente pareceu minúsculo diante da presença dele. Ele dominava o ambiente apenas por existir.
- O contrato começou no momento em que selamos o acordo. A partir de agora, seu tempo me pertence. - Ele caminhou até uma mesa cheia de croquis e tocou um dos desenhos com a ponta dos dedos. - Você tem trinta minutos para arrumar uma mala com o essencial. O restante será providenciado.
- Eu não recebo ordens assim na minha própria casa - Clarice tentou manter a postura, mas a proximidade dele era perturbadora. Bento exalava um perfume de couro e frio que parecia nublar o raciocínio dela.
Ele se virou, caminhando em direção a ela com uma calma predatória. Parou tão perto que Clarice precisou inclinar a cabeça para trás para encará-lo. Bento levou a mão ao rosto dela, mas não foi um carinho; ele segurou o queixo dela com firmeza, forçando-a a sustentar o olhar azul e implacável.
- Escute bem, Clarice. Eu não pago duzentos mil reais para ser questionado. Eu pago pela perfeição. E para o conselho e minha família, você não será a garota do glitter. Você será a mulher de Bento Cavalcanti. Isso exige disciplina. Agora... mova-se.
O polegar dele roçou o lábio inferior dela, uma pressão mínima, mas carregada de uma promessa silenciosa de posse que fez o ventre de Clarice contrair. Ela sentiu raiva, sim, mas sentiu algo muito mais perigoso: um desejo avassalador de ver até onde aquela dominação chegaria.
- Vinte e nove minutos - ele murmurou, soltando-a e olhando para o relógio de pulso de luxo.
Duas horas depois, eles estavam no setor mais exclusivo de uma Maison de luxo em Gramado, fechada apenas para o CEO. Clarice sentia-se um peixe fora d'água. Enquanto consultoras de estilo traziam vestidos que custavam mais do que o seu carro, Bento estava sentado em uma poltrona de veludo, um copo de uísque puro na mão, observando-a como um diretor avaliando sua atriz principal.
- O vermelho - ordenou Bento, apontando para um vestido de seda com um decote profundo nas costas.
- É muito chamativo - Clarice tentou argumentar.
- É o meu tom favorito. E você fica magnífica de vermelho, Clarice. Realça o fogo que você tenta esconder sob esse jeito de menina boazinha. Vá.
No provador, Clarice lutava com o zíper lateral quando a cortina foi levemente afastada. Bento entrou no cubículo estreito. O espelho refletiu a imagem dos dois: ela, seminua, com a seda vermelha escorregando pelos ombros; ele, a personificação do controle.
- O que está fazendo? - ela sussurrou, o coração batendo na base da garganta.
- Você está demorando. Deixe-me ajudar.
Ele se posicionou atrás dela. As mãos grandes e quentes tocaram a pele nua das costas de Clarice, subindo lentamente até o fecho. O toque de Bento era deliberadamente lento, provocante. Ele não tinha pressa. Cada centímetro que o zíper subia, os dedos dele roçavam a coluna dela, provocando arrepios que Clarice não conseguia esconder.
Bento inclinou-se, os lábios roçando o pescoço dela, logo abaixo da orelha.
- Você está tremendo, Clarice. É medo ou expectativa?
- É frio - ela mentiu, a voz saindo falha.
Bento soltou uma risada baixa, um som sombrio e sensual que vibrou contra a pele dela.
- Mentira. Seus olhos estão dilatados. Sua respiração está curta. Você gosta da tensão tanto quanto eu. Mas lembre-se: eu ditei as regras. Eu controlo o ritmo.
Ele terminou de fechar o vestido e, em vez de se afastar, espalmou as mãos na cintura dela, puxando o corpo de Clarice contra o seu. A rigidez do terno dele contrastava com a fluidez da seda e a maciez das curvas dela. Pelo espelho, ele a obrigou a olhar para si mesma.
- Veja o que eu vejo - ele ordenou. - Uma mulher que pode ter o mundo aos seus pés, se souber a quem pertencer.
O clima estava saturado de um desejo não dito. Clarice sentia o calor de Bento, a força de seu corpo contra o dela, e a vontade de se virar e beijá-lo até que aquela máscara de controle se partisse era quase insuportável. Mas Bento era um mestre na arte da antecipação. Ele a soltou abruptamente, deixando um vazio frio onde antes havia fogo.
- Este vestido. E mais dez desses. Vamos, temos um almoço com a minha mãe no hotel. E ela não é tão fácil de convencer quanto um vendedor de roupas.
O almoço aconteceu na varanda privativa da suíte de Bento. Dona Eleonora Cavalcanti era a versão feminina de Bento: elegante, perspicaz e com olhos que pareciam ler a alma.
Durante a refeição, Bento desempenhou o papel de noivo apaixonado com uma precisão assustadora. Ele mantinha a mão sobre a de Clarice, polegar acariciando os nós de seus dedos de uma forma que parecia natural para quem via, mas que era uma tortura sensorial para ela.
- E como vocês se conheceram? - Eleonora perguntou, tomando um gole de vinho.
- Foi na montagem da árvore, mamãe - Bento mentiu com uma naturalidade desconcertante. - Clarice quase caiu nos meus braços. Literalmente. No momento em que a segurei, soube que não poderia deixá-la ir. Ela tem uma luz que falta neste hotel... e em mim.
Ele olhou para Clarice com tanta intensidade, um brilho de desejo tão real nos olhos azuis, que por um segundo ela acreditou. O coração dela disparou. Bento se inclinou e depositou um beijo casto, porém possessivo, no topo da cabeça dela.
- Ela é... única - Bento completou, a voz carregada de um subtexto que só Clarice entendeu. Ele não estava falando da "luz" dela; estava falando do desafio que ela representava.
Quando Eleonora finalmente se retirou, satisfeita com a farsa, Clarice soltou o ar que nem sabia que estava prendendo.
- Você é um ator excelente, Bento. Quase me convenceu.
Bento serviu-se de mais um pouco de vinho, sua expressão voltando à frieza habitual, embora houvesse algo diferente no modo como ele a olhava agora.
- Não foi tudo atuação, Clarice. A parte sobre não querer deixá-la ir... - ele deu um passo em direção a ela, encurralando-a contra o parapeito da varanda. O vento frio de Gramado soprava, mas entre eles o ar fervia. - Eu não gosto de perder o que é meu. E, pelo tempo deste contrato, você é minha. Entendeu?
Ele segurou o rosto dela com uma das mãos, o polegar pressionando o centro de seu lábio inferior, forçando-a a abrir a boca levemente. O olhar dele desceu para os lábios dela com uma fome que ele não tentou mais esconder.
- Entendeu, Clarice? - ele repetiu, a voz rouca e exigente.
- Sim - ela sussurrou, entregando-se àquela autoridade que a consumia.
Bento não a beijou. Ele apenas sorriu, um sorriso sombrio de quem sabia que tinha o controle total, e se afastou.
- Ótimo. Vá se preparar. À noite, teremos a nossa primeira "aula" de como agir em público. E eu espero que você seja uma aluna muito... aplicada.
Clarice ficou sozinha na varanda, o sabor do poder dele ainda pairando no ar. Ela sabia que estava brincando com fogo, e que Bento Cavalcanti não era apenas o CEO de um império. Ele era o homem que, em menos de vinte e quatro horas, tinha transformado o seu Natal em uma dança perigosa entre a mentira e o desejo mais cru que ela já sentira.