Capítulo 3 No.3

A luz da manhã entrava pelas cortinas pesadas de veludo, iluminando a poeira que dançava no ar. Audrey acordou na cama enorme de dossel, o corpo rígido. Ela estendeu a mão para o lado.

Vazio. O travesseiro ao lado dela estava intacto. Victor não dormira ali.

Um misto de alívio e insulto percorreu-a. Ele fizera toda aquela cena sobre dormirem juntos apenas para a assustar?

Audrey levantou-se. O vestido de noiva estava num canto, uma pilha de seda triste. Ela vestiu a única roupa que tinha, a lingerie do casamento e um roupão de seda que encontrara no armário. Precisava das suas coisas. Precisava de enfrentar a realidade.

Ela desceu as escadas. A casa estava silenciosa como um túmulo.

- Higgins? - chamou ela.

O mordomo apareceu da cozinha, segurando uma bandeja de prata.

- Bom dia, senhora. O Sr. Sterling está... indisposto. Pediu para não ser incomodado.

- Eu preciso de ir ao meu antigo apartamento buscar as minhas roupas - disse Audrey.

- Posso chamar o Bruno para levá-la no Mercedes.

- Não - Audrey ergueu o queixo. - Quero ir sozinha. Não quero gastar a gasolina dele.

Ela chamou um táxi, usando o dinheiro de emergência que guardava na capa do telemóvel.

Quando chegou ao prédio onde morava com Blake, o estômago dela deu um nó. A chave ainda rodou na fechadura. Ela empurrou a porta.

A cena que encontrou fê-la parar. Blake estava sentado no sofá, com os pés em cima da mesa de centro, enquanto Tiffany andava pela sala a filmar com o telemóvel num tripé de luz anelar.

- E aqui está a sala, pessoal! Vejam como é pequena e abafada! - Tiffany narrava para a câmara, a voz estridente. - É aqui que a pobre Audrey vivia antes de tentar enganar o meu Blakezinho.

Blake riu, um som cruel.

- Acabou o showzinho, Audrey? - perguntou ele, vendo-a na porta. - Vieste rastejar de volta? Sabia que o aleijado não ia aguentar muito tempo.

Audrey sentiu a bílis subir à garganta.

- Vim buscar as minhas coisas, Blake. E o que fazem aqui? O contrato de arrendamento está em meu nome.

Blake encolheu os ombros, arrogante.

- Estamos só a recolher o que é "nosso". E a Tiffany precisava de um cenário para o vlog dela sobre "Como identificar uma caça-fortunas".

- Saiam daqui - disse Audrey, a voz trémula de raiva. - Agora.

Ela passou por eles e foi para o quarto. Começou a atirar roupas para dentro de uma mala aberta.

Tiffany apareceu na porta do quarto, ainda a segurar o telemóvel a filmar.

- Digam olá à noiva psicopata! - Tiffany apontou a câmara para o rosto de Audrey. - Olha a cara de derrota dela.

Audrey tentou desviar-se, mas Tiffany bloqueou o caminho.

- Deixa-me passar, Tiffany.

- Ou o quê? Vais chorar? - provocou Tiffany, aproximando o telemóvel do rosto de Audrey agressivamente.

Num reflexo defensivo, Audrey empurrou a mão de Tiffany para afastar a câmara.

Tiffany aproveitou o momento. Ela soltou um grito exagerado e deixou o telemóvel cair no tapete fofo, atirando-se dramaticamente contra a moldura da porta.

- Ah! Ela agrediu-me! Blake! - gritou Tiffany, olhando para a câmara que, convenientemente, continuava a filmar do chão num ângulo perfeito.

Blake correu para o quarto.

- Estás louca, Audrey?! - Blake rugiu, avançando para ela.

- Eu só afastei o telemóvel! É tudo teatro! - Audrey recuou, encurralada entre a cama e a cómoda.

Blake avançou. Havia uma violência real nos olhos dele agora, alimentada pela plateia invisível da transmissão de Tiffany.

Audrey agiu por instinto. Ela agarrou num vaso de cristal pesado que estava na cómoda e ergueu-o como uma arma.

- Dá mais um passo - sibilou Audrey, a voz gelada - e eu parto isto na tua cara. Eu juro, Blake. Não tenho mais nada a perder.

Blake parou. Ele nunca a vira assim. Audrey sempre fora a pacificadora. A mulher à frente dele tinha os olhos selvagens de um animal encurralado.

- Sai daqui - disse Blake, recuando um passo, a bravata a desaparecer. - Leva o teu lixo e vai-te embora.

Audrey pegou na mala com a mão livre, sem baixar o vaso, mantendo-o apontado para eles.

- Fiquem com o apartamento - disse ela, recuando até à saída. - O aluguel está dois meses atrasado porque eu parei de pagar as vossas contas na semana passada. Boa sorte a explicar isso ao senhorio.

A expressão de choque no rosto de Blake foi a única vitória que ela levou consigo. Ele sempre vivera da mesada do pai e do salário dela, gastando tudo em aparências.

Ela saiu e bateu a porta com toda a força que tinha, deixando para trás a vida que achava que queria.

            
            

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