Nesse momento, a assistente de Eduardo, uma mulher formal chamada Sra. Dantas, entrou no quarto. Ela carregava um tablet, sua expressão neutra. "O Sr. Monteiro envia seus cumprimentos, Sra. Monteiro. Ele deseja que saiba que as acusações contra o Sr. Pena ainda estão pendentes. Ele a aconselha a cooperar totalmente." Ela nem olhou para Beto.
Meu sangue gelou. "Cooperar? Depois que ele quebrou meu braço e quase matou meu irmão?"
Ela permaneceu imperturbável. "Além disso, o Sr. Monteiro me instruiu a informá-la que ele irá congelar os ativos das Empresas Moreno se você não cumprir seus pedidos em relação à Sra. Salles. Ele acredita que a estabilidade financeira de sua família depende do seu... bom comportamento."
Meu coração afundou. A empresa do meu pai. Nosso legado. Eduardo não estava apenas ameaçando Beto; ele estava ameaçando desmantelar tudo o que nos restava. A pouca esperança a que eu me agarrava, a tênue possibilidade de justiça, desmoronou.
"O que ele quer?" perguntei, minha voz mal um sussurro.
"Uma retratação pública completa de quaisquer declarações que impliquem que a Sra. Salles fabricou seus ferimentos. E um pedido de desculpas por escrito, reconhecendo a culpabilidade de seu irmão." Ela fez uma pausa, seus olhos finalmente encontrando os meus, um toque de pena em suas profundezas. "Ele também sugere que você considere os termos do seu acordo pré-nupcial. Qualquer contestação legal será... custosa."
Fechei os olhos, uma onda de desespero me invadindo. Ele me tinha. Ele tinha a todos nós. A liberdade de Beto, o futuro de nossa família, estava em jogo.
"Laura," a voz de Beto era suave, mas firme. "Não faça isso. Não o deixe vencer."
Abri os olhos, olhando para seu corpo quebrado. "Eu tenho que fazer, Beto. Por você. Pela empresa do papai."
Ele balançou a cabeça. "Não. Vamos encontrar outra maneira. Nós sempre encontramos."
Meu olhar encontrou o dele. Apesar de tudo, seus olhos mantinham uma crença inabalável em mim. Era uma tábua de salvação na escuridão esmagadora. Respirei fundo, um lampejo da minha antiga determinação retornando. "Você está certo. Nós sempre encontramos."
Beto, meu meio-irmão, sempre foi o curinga, o rebelde. Um hacker ético brilhante, ele odiava o mundo corporativo, preferindo passar seus dias lutando por justiça digital. Ele era barulhento, opinativo e ferozmente leal. Agora, ele jazia quebrado, uma vítima da vingança de Eduardo. Era um lembrete gritante da profundidade da crueldade de Eduardo.
Meu pai, em seu desespero para salvar nossa família, me empurrou para este casamento arranjado. Ele acreditava que era a única maneira de garantir nosso futuro. Ele não sabia da minha paixão secreta por Eduardo, a esperança tola que eu nutria de que eu poderia ser a única a derreter o gelo ao redor de seu coração.
Lembro-me do dia em que soube do trauma de infância de Eduardo. Foi através de um velho amigo da família, um parente distante dos Monteiro. Eduardo havia testemunhado um acidente horrível quando criança, envolvendo sua mãe e um ambiente contaminado. Isso o marcou profundamente, levando ao seu TOC severo e fobia de contaminação. Lembro-me de sentir uma onda de empatia, uma ferocidade protetora. Pensei, se ao menos eu pudesse alcançá-lo, se ao menos eu pudesse curá-lo.
Até comprei para ele um pequeno e intrincado medalhão uma vez. Era para ser um símbolo de proteção, um amuleto contra a escuridão. Eu o havia limpado e esterilizado meticulosamente, acreditando que seria um toque seguro e reconfortante. Coloquei-o em sua mesa de cabeceira uma noite, uma oferenda silenciosa.
Ele o encontrou na manhã seguinte. Quando o vi, seu rosto estava contorcido em uma máscara de pura repulsa. Ele o pegou com uma mão enluvada, correu para o lixo e o jogou dentro, depois esfregou as mãos com intensidade agressiva. "Nunca mais faça isso, Laura," ele sibilou. "Não ouse deixar sua sujeira no meu espaço."
Eu apenas ri então, um som amargo e oco. Sujeira. Era isso que eu era para ele. Todos os meus esforços, todo o meu amor, todos os meus sacrifícios silenciosos, eram apenas "sujeira".
Agora, deitada nesta cama de hospital, meu braço doendo, meu irmão aleijado, eu finalmente vi o absurdo grotesco de tudo isso. Meus anos de devoção silenciosa, minha paixão tola, minha crença de que eu poderia mudá-lo. Era tudo uma piada patética.
No dia seguinte, assim que recebi alta, voltei para nossa mansão, a gaiola dourada que havia sido minha prisão. Caminhei pelos corredores vazios, o silêncio mais pesado do que nunca. Fui para o meu quarto, abrindo meu armário. Eu precisava fazer as malas. Sair. Mas primeiro, eu precisava de algo do escritório de Eduardo. A chave criptográfica biométrica que Beto havia mencionado. O colar de Carla. Era minha única vantagem.
Encontrei o colar em uma gaveta lateral, uma delicada corrente de prata com um pequeno e ornamentado medalhão. Era caro, sem dúvida. Senti uma onda de fúria fria. Este era o amuleto da sorte dela, aquele pelo qual ele estava disposto a voltar correndo para um prédio em chamas. Aquele pelo qual ele estava disposto a incriminar meu irmão.
Meus dedos roçaram o metal frio do medalhão. Ele se abriu com um clique. Dentro, um chip minúsculo, quase invisível, estava aninhado. A chave criptográfica. Beto estava certo. Era isso.
Quando me virei para sair do escritório, um som veio da sala de estar particular de Eduardo. Risadas. A risada dele. Um som que eu raramente, ou nunca, ouvi em nosso casamento. Um som que era sempre reservado para os outros.
Meus pés se moveram por conta própria, atraídos por uma curiosidade mórbida. A porta estava entreaberta. Espiei para dentro.
Eduardo estava lá, sentado em um sofá de pelúcia. Carla estava aninhada ao lado dele, seu braço 'ferido' casualmente sobre o ombro dele. Ela parecia perfeitamente bem, seu rosto radiante, seus olhos brilhando. Eles estavam compartilhando uma garrafa de champanhe caro, suas bolhas refletindo o brilho suave da lareira.
"Oh, Eduardo, você foi tão brilhante!" Carla riu, pressionando um beijo leve em sua bochecha. Ele não se encolheu. "Fazer a Laura pedir desculpas daquele jeito. E expor o irmão dela pelo criminoso que ele é. Você realmente é o melhor."
Eduardo sorriu, um sorriso genuíno e caloroso que enviou uma pontada de dor fresca pelo meu peito. "Qualquer coisa por você, querida. Você merece ser protegida. Você merece felicidade." Ele ergueu sua taça. "A nós. Ao nosso futuro."
"A nós!" Carla repetiu, tilintando sua taça contra a dele. "E a nos livrarmos daquela irritante Laura. Finalmente, podemos ficar juntos, de verdade."
Meu mundo se despedaçou. De novo. A dor era tão aguda, tão sufocante, que me roubou o fôlego. Isso não era apenas uma traição. Era uma zombaria calculada e cruel. Meu marido, celebrando com sua amante, zombando do meu sofrimento, tudo enquanto meu irmão jazia aleijado em uma cama de hospital.
Eu tropecei para trás, um soluço engasgado escapando dos meus lábios. O medalhão, o símbolo do poder dela sobre ele, de repente pareceu um carvão em brasa na minha mão. Eu o apertei com força, minhas unhas cravando na minha palma, mas a dor física não era nada comparada à agonia em minha alma.
Eu me virei e fugi, cegamente. Corri para fora da mansão, para a chuva torrencial, as gotas frias se misturando com minhas lágrimas quentes. Corri até meus pulmões arderem, até minhas pernas gritarem em protesto, até eu desabar na calçada molhada, ofegante.
Os anos de devoção silenciosa, os anos de sofrimento silencioso, os anos de esperança tola. Eram todos uma mentira. Uma mentira grotesca e humilhante. Eduardo nunca me amou. Ele nunca amaria. Ele me via como um meio para um fim, uma esposa conveniente, um fardo. E agora, uma contaminação, uma inimiga.
A chuva lavou meu rosto, embaçando minha visão, mas as imagens em minha mente eram cristalinas: o sorriso terno de Eduardo, o sorriso triunfante de Carla, o corpo quebrado de Beto. As promessas que ele fez a ela. Para sempre.
E então, outra onda de náusea, mais forte desta vez. Vomitei na sarjeta, o gosto amargo um espelho perfeito do meu espírito quebrado. Minha mão instintivamente foi para o meu estômago. Duas linhas. Uma criança. O filho dele.
Não.
Eu não podia. Eu não faria. Esta criança merecia mais do que uma mãe quebrada por um homem que nunca a amaria, e um pai que desprezava sua própria existência. Esta criança merecia uma chance de uma vida normal. Uma vida que eu não podia mais dar.
Minha decisão estava tomada. O casamento terminaria. A gravidez terminaria. Eu apagaria todos os vestígios de Eduardo Monteiro da minha vida.
Passei os dias seguintes em uma névoa de dor e determinação fria. Marquei outra consulta, desta vez para mim. Para o aborto. Para minha liberdade. A empresa do meu pai, o futuro de Beto, essas eram minhas novas prioridades. Meu próprio coração partido teria que se consertar sozinho.
No dia da minha consulta, enquanto eu estava deitada na mesa fria, me preparando para o procedimento que cortaria o último laço físico com Eduardo, meu celular, que eu havia escondido cuidadosamente, vibrou. Era um novo alerta. Um vídeo. Meu vídeo íntimo. Aquele que Eduardo havia gravado de nós, em alguma tentativa desesperada anos atrás de trazer alguma intimidade ao nosso casamento estéril. Estava sendo transmitido ao vivo, publicamente, na festa de aniversário de Carla Salles. A festa que Eduardo havia exigido que eu comparecesse.
Meu corpo ficou dormente. Não pelo procedimento, não pela dor iminente, mas por uma nova onda de humilhação tão profunda que me roubou o fôlego. Ele estava me destruindo. Totalmente, publicamente, completamente me destruindo.