Fui até a mesa dele, meu coração martelando contra minhas costelas como um pássaro preso.
Eu não era uma espiã.
Eu era uma esposa procurando a verdade que seu marido se recusava a falar.
Abri a gaveta de cima.
Armas. Munição. Pilhas de dinheiro em notas de cinquenta.
Equipamento padrão para um Chefe.
Abri a segunda gaveta.
Arquivos.
Rodízios de soldados. Manifestos de embarque. Propinas.
Nada sobre Sofia.
Senti uma pontada de frustração aquecer minha pele.
Talvez eu estivesse errada.
Talvez os sussurros fossem apenas paranoia alimentada pela insegurança.
Então vi o paletó dele.
Estava jogado sobre as costas de sua cadeira de couro como uma mortalha escura.
O mesmo paletó que ele usara quando deixou Sofia na noite anterior.
Enfiei a mão no bolso interno.
Meus dedos roçaram em papel nítido.
Eu o puxei.
Era uma escritura. Uma transferência de propriedade.
Cobertura 4B, Torre Obsidiana.
Um prédio de luxo em São Paulo.
O comprador era uma empresa de fachada, "DC Holdings".
A linha do beneficiário estava em branco, mas havia um post-it colado na frente.
"Ela precisa de uma vista. - S"
S.
Sofia.
Ele comprou uma cobertura para ela.
Enquanto me dava sermões sobre segurança e apartamentos seguros, ele estava comprando um apartamento de milhões para ela.
O clique súbito da fechadura quebrou o silêncio.
Eu congelei.
Empurrei o papel de volta no bolso no exato momento em que Dante entrou.
Ele parou, seus olhos se estreitando instantaneamente.
"O que você está fazendo?"
Sua voz era baixa, carregada de perigo.
"Eu estava... procurando uma caneta", menti.
Era uma mentira fraca, frágil e transparente.
Dante fechou a porta atrás de si e e a trancou.
O som da fechadura engatando ecoou na sala silenciosa como um tiro.
Ele caminhou em minha direção, lento e predatório.
*Ela está mentindo. O que ela viu?*
"Seu escritório está cheio de canetas, Helena."
Ele parou a centímetros de mim.
Eu podia sentir o cheiro dele.
Sândalo, pólvora e o leve e persistente fedor do perfume de baunilha barato dela.
Isso me deixou enjoada.
"Eu queria uma das suas", eu disse, levantando o queixo em desafio. "Isso é um crime?"
Dante estudou meu rosto.
Ele estendeu a mão e agarrou meu queixo, seus dedos cravando em minha pele.
"Mentir para mim é um crime."
Ele me beijou.
Não foi um beijo de afeto.
Foi um beijo de posse.
Ele estava marcando seu território, me lembrando de quem era o dono.
Sua língua invadiu minha boca, exigindo submissão.
Senti sua raiva, sua frustração e, por baixo de tudo, um desejo sombrio e distorcido.
*Ela é minha. Mesmo que seja uma espiã, ela é minha.*
Ele achava que eu estava espionando para o meu pai.
Ele não confiava em mim de jeito nenhum.
A injustiça disso queimou através de mim como ácido.
Eu estava tentando salvar nosso casamento, e ele estava me tratando como uma inimiga.
Eu mordi.
Forte.
Senti o gosto metálico de sangue.
Dante recuou, um silvo de dor escapando de seus lábios.
Ele tocou a boca, seus dedos saindo vermelhos.
Ele olhou para o sangue, depois para mim.
Seus olhos escureceram.
Não com raiva.
Com outra coisa.
Excitação.
*Ela tem dentes.*
"Você me mordeu", disse ele, a voz rouca.
"Você me forçou", cuspi.
"Eu não forço", disse Dante, aproximando-se novamente. "Eu pego o que é dado."
"Eu não te dei nada!"
Passei por ele, minhas mãos tremendo.
Eu precisava sair dali antes que eu gritasse.
Antes que eu lhe dissesse que sabia sobre a cobertura.
Cheguei à porta e me atrapalhei com a fechadura.
"Helena", ele chamou.
Parei, de costas para ele.
"Não entre no meu escritório de novo."
Era um aviso.
Virei-me para olhá-lo uma última vez.
Ele estava encostado na mesa, o lábio ensanguentado o fazendo parecer selvagem.
"Não se preocupe, Dante", eu disse, minha voz oca. "Não voltarei ao seu escritório. Ou à sua cama."
Destranquei a porta e saí.
Fui direto para o quarto de hóspedes.
Tranquei aquela porta também.
Sentei-me na cama e peguei meu celular.
Procurei pela Torre Obsidiana.
Era real.
E estaria pronta para ocupação na próxima semana.
Ele a estava mudando para lá.
Ele estava montando uma segunda vida.
E eu era apenas o contrato que tornava isso possível.
Lágrimas brotaram em meus olhos, mas eu as contive.
Chorar era para vítimas.
Eu não era uma vítima.
Eu era uma Vitti.
E se ele queria uma guerra, eu lhe daria uma.
Mas primeiro, eu precisava falar com Giovanna.
Eu precisava saber se fugir era realmente uma opção.
Porque ficar aqui, assistindo-o construir uma vida com outra mulher enquanto eu apodrecia em sua gaiola de ouro...
Isso era uma sentença de morte.