A esposa do Chefe estava caindo em desgraça, e todos eles tinham assentos na primeira fila.
Atravessei o salão enfumaçado, ignorando os olhares ardentes dos soldados e das dançarinas.
Subi as escadas para o nível VIP.
Cheguei à porta do escritório de Dante.
Estava ligeiramente entreaberta.
Vozes vinham de dentro. Baixas. Tensas.
Reconheci o barítono grave do Conselheiro Vital.
"Você está um caco, Dante", disse Vital.
"Eu me sinto um caco", Dante grunhiu.
O tilintar agudo de vidro contra vidro pontuou o silêncio.
"Essa situação com a Helena", disse Vital. "Está se tornando uma distração. Os homens estão falando."
"Deixe que falem", Dante rosnou.
"Eles estão dizendo que você não consegue controlar sua casa", Vital insistiu. "Estão dizendo que a Sofia te tem na coleira."
"Sofia é uma responsabilidade", disse Dante, com a voz cansada. "Nada mais."
"É mesmo?", Vital desafiou. "Porque você está passando as noites aqui, enquanto sua esposa está sozinha naquela fortaleza."
Prendi a respiração.
Inclinei-me para mais perto da fresta na porta.
Era isso.
O momento da verdade.
"Helena é difícil", disse Dante. "Ela é fria. Ela é exigente. Ela vê inimigos onde não há nenhum."
Ele fez uma pausa, e eu podia praticamente ouvir as palavras não ditas: *Eu só quero paz. Sofia me dá paz. Helena me dá guerra.*
"E a Sofia?", perguntou Vital. "Se você tivesse que escolher. A dívida de honra ou o voto de casamento?"
Houve um silêncio longo e agonizante.
Meu coração martelava contra minhas costelas como um pássaro preso.
"Sofia não tem ninguém", disse Dante finalmente. "A família dela está morta por minha causa. Helena... Helena é uma Vitti. Ela é feita de ferro. Ela sobreviverá a qualquer coisa."
*Sofia precisa de mim. Helena não.*
Ele a escolheu.
Não porque a amava mais.
Mas porque ele achava que eu era forte o suficiente para quebrar.
Ele estava me punindo pela minha força.
Afastei-me da porta.
A dor era tão aguda que parecia física, como uma faca se torcendo em minhas entranhas.
Mas então, a clareza me invadiu, fria e absoluta.
Ele estava certo.
Eu era feita de ferro.
E ferro não se dobrava.
Ele atacava.
Abri a porta.
Dante olhou para cima, assustado.
Ele parecia péssimo. Sem fazer a barba, olhos injetados, a camisa desabotoada.
Ele olhou para mim e, por uma fração de segundo, vi alívio.
Então o muro se ergueu.
"Helena", disse ele, a voz endurecendo. "Estamos ocupados."
"Eu sei", eu disse. "Eu ouvi."
Fui até a mesa dele.
Não olhei para Vital.
Tirei o envelope da minha bolsa.
Dentro havia uma carta.
Não um documento legal.
Uma demissão.
"O que é isso?", Dante perguntou, olhando o envelope com desconfiança.
"Você disse que o casamento é um contrato", eu disse. "Um dever."
Coloquei o envelope na mesa de mogno.
"Estou quebrando o contrato."
Dante franziu a testa.
"Pare de joguinhos, Helena. Vá para casa."
"Eu estou indo", eu disse.
Levei a mão à minha mão esquerda.
Tirei a aliança de diamante.
Era pesada.
Carregava o peso de mil mentiras.
Deixei-a cair em cima do envelope.
Fez um som agudo que ecoou na sala silenciosa.
Dante encarou a aliança.
Seu rosto ficou pálido.
*Não. Ela não faria isso.*
"Adeus, Dante", eu disse.
Virei-me e saí.
"Helena!", ele gritou.
Eu não parei.
Desci as escadas, atravessei o salão e saí para a luz ofuscante do sol.
Entrei no meu carro.
Não fui para a Fortaleza.
Dirigi até a estação de trem.
Meu celular começou a tocar.
Dante.
Joguei o celular pela janela na Marginal.
Observei no retrovisor enquanto ele se estilhaçava contra o asfalto.
Silêncio.
Finalmente.