Eu estava farta de ser um peão em um jogo onde as regras mudavam toda vez que eu rolava os dados.
Cheguei à guarita.
O guarda, um jovem chamado Marcos, saiu. Ele parecia assustado, seus olhos dardejando entre mim e a casa principal.
"Sra. Carvalho", ele gaguejou. "Está tarde. O Chefe sabe que a senhora está saindo?"
"O Chefe está ocupado", eu disse, minha voz frágil como gelo. "Abra o portão, Marcos."
Ele hesitou. Sua mão pairou sobre o rádio.
Antes que ele pudesse apertar o botão, um carro parou do outro lado do portão. Um táxi.
A porta se abriu e ela saiu.
Sofia.
Ela não estava ferida. Ela não estava de luto.
Ela usava um vestido vermelho justo e um casaco que custava mais do que Marcos ganhava em um ano.
Ela me viu através das grades. Um sorriso lento e venenoso se espalhou por seu rosto.
"Fugindo, princesinha?", ela gritou.
Sua voz era leve, provocadora. Mas seus olhos eram um esgoto.
Eu podia praticamente ouvir o triunfo gritando em sua mente: *Finalmente. A vadiinha fraca está se rendendo. Nem precisei me esforçar tanto.*
Senti a raiva se acender em meu peito. Não foi uma faísca; foi um lança-chamas.
"Abra o portão", ordenei a Marcos.
Ele o abriu com o controle, confuso demais para discutir.
Passei, encontrando Sofia no asfalto no momento em que o taxista se afastava.
"O que você está fazendo aqui?", perguntei.
"Dante me ligou", ela mentiu. "Ele disse que precisava de conforto. Ele disse que você era... fria."
*Ele não ligou*, meus instintos sussurraram. *Mas ele não vai me mandar embora. Ele nunca manda.*
"Você é um câncer", eu disse. "Você está o comendo vivo."
Sofia riu. Ela se aproximou, invadindo meu espaço.
O cheiro de baunilha me atingiu novamente. Era o mesmo cheiro do vestido.
"Você gostou?", ela sussurrou. "A seda verde? Ficou incrível na minha pele. Dante me viu fechar o zíper. Ele me viu tirá-lo também."
Eu podia ver o brilho cruel em seus olhos, me dizendo exatamente o que ela tinha feito: *Fiz questão de esfregar meu cheiro por todo ele. Eu queria que você sentisse meu cheiro nele.*
O mundo ficou vermelho.
Eu não pensei. Eu não calculei.
Eu balancei minha mão.
Minha palma atingiu sua bochecha com um som como o de um tiro.
Sofia cambaleou para trás, agarrando o rosto. Ela não revidou. Ela não gritou comigo.
Em vez disso, ela olhou para além de mim, seus olhos se arregalando em falso terror.
"Helena! Por favor! Pare!"
Eu congelei.
Ouvi o motor antes de ver os faróis. O SUV preto parou com um guincho bem ao nosso lado.
Dante.
Ele saltou do carro antes mesmo de parar completamente. Ele usava seu smoking para o Baile. Ele parecia magnífico.
E ele parecia letal.
"Que porra está acontecendo aqui?", ele rugiu.
Sofia se jogou nele.
"Ela me bateu! Dante, ela está louca! Eu só vim deixar as chaves do apartamento e ela me atacou!"
Dante a segurou, suas mãos indo para a cintura dela para firmá-la. Ele olhou para a bochecha vermelha dela. Então ele olhou para mim.
Seus olhos eram vazios abissais.
"Você a agrediu?"
Não era uma pergunta. Era uma acusação.
"Ela me provocou", eu disse. "Ela me disse que usou o vestido. Ela me disse-"
"Chega!", Dante berrou.
Sua voz ecoou nas paredes de pedra.
"Olhe para ela, Helena! Ela tem metade do seu tamanho. Ela é uma viúva. E você está se comportando como uma marginal qualquer."
Vi o julgamento endurecer suas feições. Ele olhou para mim como se os avisos de Vital estivessem finalmente se confirmando - como se meu sangue Vitti tivesse finalmente me tornado instável.
Ele achava que eu era instável.
Ele segurava a mulher que estava ativamente planejando nossa destruição, e me olhava com nojo.
"Peça desculpas", disse Dante.
Eu o encarei. "O quê?"
"Peça desculpas a Sofia", ele ordenou. "Agora."
Olhei para Sofia. Ela estava enterrando o rosto no peito de Dante, fingindo soluçar.
Mas eu ouvi seu silêncio alto e claro.
*Diga. Curve-se para mim. Você perdeu.*
Olhei de volta para Dante. Meu marido. O homem que eu havia salvado de uma bala dois meses atrás. O homem com quem eu tentei construir uma vida.
"Não", eu disse.
Dante deu um passo à frente, soltando Sofia.
"Helena-"
"Prefiro morrer", eu disse.
Eu me virei.
Eu não corri.
Voltei pelos portões.
"Helena! Volte aqui!"
Eu o ignorei.
Subi a entrada, minhas costas retas, meu coração se partindo em um milhão de pedaços irregulares a cada passo.
Atrás de mim, eu o ouvi confortando-a.
*Está tudo bem. Ela se foi. Eu estou com você.*
Cheguei às pesadas portas de carvalho da Fortaleza. Entrei.
Tranquei a porta. Depois acionei a tranca de segurança. Depois a corrente.
Subi para o nosso quarto. Tranquei aquela porta também.
Fui ao armário e peguei o vestido verde.
Peguei minha tesoura.
Eu o cortei.
Cortei o tecido até que não fosse nada além de fitas de seda verde no chão.
Então me sentei na cama e esperei que ele viesse arrombar a porta.
Mas ele não veio.