"Ah, eu insisto", Sofia sorriu, batendo a colher na borda da panela. "Dante adora meu arrabbiata. Ele costumava dizer que era a única coisa que o aquecia."
Ela olhou para mim, seus olhos brilhando com uma malícia afiada e calculada.
*Ele nunca fala da sua comida. Ele sequer come com você?*
Ela sabia.
Ela sabia que nossos jantares eram assuntos silenciosos, comidos na sala de jantar fria com três metros de mogno entre nós.
Dante entrou então.
Ele tinha um curativo no lábio de onde eu o mordi ontem.
Ele parecia exausto, as linhas ao redor de seus olhos profundas.
"O cheiro está bom", disse ele.
Ele não olhou para mim.
Ele foi direto para o balcão onde Sofia estava trabalhando.
Ela se exibiu sob a atenção dele como um gato se espreguiçando ao sol.
"Prove", disse ela, oferecendo-lhe uma colher.
Ele a pegou.
Ele provou.
"Bom", ele grunhiu.
"Como nos velhos tempos", Sofia sussurrou.
Eu me senti invisível.
Um fantasma na minha própria casa.
"Não estou com fome", eu disse, virando-me para sair.
"Helena, fique", disse Dante. Era uma ordem, baixa e vibrando com aviso. "Vamos comer juntos."
"Prefiro comer vidro", murmurei.
Sofia se virou, segurando a panela com as duas mãos.
"Ah, Helena, por favor. Eu fiz para-"
Ela tropeçou.
Foi uma atuação digna de um Oscar.
Seu pé se enroscou em absolutamente nada.
Ela se inclinou para frente.
A panela de molho vermelho fervente voou de suas mãos.
Direto para mim.
Eu vi chegando.
Minha mente gritou *Saia!*
Mas não me movi rápido o suficiente.
O molho quente espirrou em minhas pernas, encharcando instantaneamente minha calça jeans.
"Ah!", gritei, a dor aguda, escaldante e imediata.
Sofia gritou. "Oh meu Deus! Sou tão desastrada!"
*Queima, sua vadia.*
O pensamento foi tão vicioso, tão claro, que me deixou tonta.
Dante estava se movendo antes mesmo de a panela atingir o chão.
Ele correu em nossa direção.
Mas para quem ele estava correndo?
Sofia estava soluçando, segurando o pulso como se o tivesse torcido.
"Dante, me desculpe! Meu pulso falhou!"
Caí no chão, agarrando minha perna em chamas.
O quarto girou.
Decidi deixá-lo girar.
Deixei meus olhos revirarem.
Fiquei mole.
Era uma aposta.
Um teste.
"Helena!"
A voz de Dante foi um rugido.
Ele não parou em Sofia.
Ele passou por cima do molho derramado, ignorando os gritos de Sofia, e me pegou nos braços.
"Chame o médico!", ele berrou para os empregados que haviam corrido para dentro.
Ele me carregou para fora da cozinha, seu peito arfando.
Mantive os olhos fechados, ouvindo o ritmo frenético de seu coração contra meu ouvido.
Ele estava apavorado.
Por mim.
Por um momento, apenas um momento, me permiti acreditar que era amor.
Ele me levou para a sala de estar e me deitou no sofá.
"Peguem uma tesoura!", ele gritou.
Ele começou a cortar minha calça jeans para longe da queimadura.
Suas mãos eram gentis, mas tremiam levemente.
"Você está bem", ele murmurou. "Você está bem, Helena."
O médico chegou minutos depois.
Ele tratou as queimaduras. Eram de segundo grau, dolorosas, mas não fatais.
Abri os olhos enquanto o médico enfaixava minha perna.
Dante estava ajoelhado ao meu lado, o rosto pálido.
"O que aconteceu?", ele perguntou.
"Ela jogou em mim", sussurrei.
Dante piscou.
"O quê?"
"Sofia", eu disse, minha voz rouca. "Ela olhou nos meus olhos e jogou a panela."
Dante se levantou, sua expressão endurecendo à medida que o medo recuava, substituído por muros defensivos.
"Helena, ela tropeçou. Eu vi."
"Você viu o que ela queria que você visse", eu disse. "Eu a ouvi, Dante. Ela pensou. *Queima, sua vadia*."
Dante passou a mão pelo rosto.
"Pare com isso", disse ele. "Pare com essa paranoia. Ela é uma viúva de luto que cometeu um erro."
"Ela é uma cobra!", gritei, tentando me sentar.
"Ela quer me substituir!"
"Ela não tem nada!", Dante gritou de volta. "Ela está sozinha! Por que você não pode ter um pingo de compaixão?"
*Ela está com ciúmes. É patético.*
O pensamento cortou mais fundo que a queimadura.
Ele achava que eu estava com ciúmes.
Ele achava que eu era a vilã.
Caí de volta nas almofadas, derrotada.
"Saia", sussurrei.
"Helena-"
"Saia!"
Dante me encarou por um longo momento.
Então ele se virou e foi embora.
Ele não foi verificar Sofia.
Ele foi para seu escritório.
Para beber.
Para escapar de sua esposa louca e ciumenta.
Fiquei ali, a dor na minha perna latejando no ritmo do meu coração.
Ele nunca acreditaria em mim.
Enquanto ela fizesse o papel de vítima, eu sempre seria a agressora.
Olhei para o teto.
O Rio de Janeiro não era mais apenas um plano.
Era uma necessidade.
Eu precisava ir embora.
Antes que ela me matasse.
Ou antes que eu a matasse.