Capítulo 3 Não olhe para seu reflexo

A festa se escutava de longe, música, apresentações, mas, é no espaço onde os Romini estavam que mais chamava a atenção. Todos os homens que passavam se encantavam com as mulheres ciganas. Mas, não chegavam perto. Ninguém se atreveria. Só falavam obscenidades em voz baixa uns para os outros quando viam as mulheres dançarem lindas com seus rodopios. Era sempre Sara, Dalila e Samara que dançavam. Mas, Samara era sempre a que mais provoca os homens e acaba até apanhando quando chegava na tenda.

Ela era prima de Sara, e morria de inveja, fazia fofocas e articulava para ela não ficar com Yago, pois todas desejavam Yago, mas Samara tinha o Miro como prometido e apaixonado por ela.

E dançavam, Sara rodopiava tanto a saia, que podia rapidamente ver sua adaga amarrada na coxa, mas, sempre por cima de sua calça pantelets, porque uma cigana jamais poderia mostrar as pernas. Mas, Sara a puxava pra cima para liberar seus movimentos do joelho e isso já a deixava sensual demais aos olhos dos homens. No cesto que ficava no chão perto da plateia, sempre caia moedas ao dançarem. Era a recompensa por tanta beleza cigana. As mulheres assistiam de longe, nunca poderiam se dar o desfrute de chegarem perto de tanta obscenidade. Mas, dava para ver no rosto delas a admiração pela coragem e o desejo de fazerem o mesmo.

Enquanto isso ... logo ali o destino vem selando o encontro...

Sara e as ciganinhas bailarinas, ao descansarem faziam algo para venda. Cada uma tinha uma função. Algumas vendiam as hortaliças, outras as flores e outras a sorte. E Sara gostava de vender suas frutas e as vezes trocava de lugar com Samara na leitura da quiromancia em troca de moedas.

Mas, naquele dia, ao acabarem de dançar, e procurarem descanso, a mãe de Sara, uma mulher de 40 anos ainda linda e de viço, a chamou. D. Alba sempre lia a sorte como de costume, naquele dia 23 de maio dia de Santa Kali para Sara.

Mas, algo inusitado se deu...naquele dia de leitura. Um pressentimento, sinais do universo.

Sara, chegou tão agitada na tenda quando sua mãe a chamou que esbarrou na água de cheiros que apagou a vela do altar. Rapidamente pegou sua saia e se pôs a enxugar e arrumar. Em risadas altas como de excitação e nervoso pelo desastre, sabendo de sua mãe e os preceitos foi logo falando.

- Desculpa mãe .... hoje é meu dia não brigue comigo!

Sua mãe seriamente respondeu, se aquiete, sua luz hoje está tão intensa que você está me cegando e me deixando tonta .

Em profunda concentração e os ânimos harmoniosos, sua mãe observou, observou as cartas e oráculos e falou:

- Sara, como sempre vejo luz em seu caminho minha filha, mas hoje tem algo diferente pra você que estou preocupada.

E com o semblante de admiração pela incógnita que estava em sua frente nas cartas ciganas ela diz:

- Aqui diz algo que não entendo.... me parece algo como: Ao olhar no seu reflexo fixamente sua vida pode mudar. Mas, não me diz se é bom ou ruim. Estou com um pressentimento de emoções misturadas minha filha. Uma alegria imensa que até explode meu coração. Veja!

E pegou a mão de Sara e a pôs em cima do seu coração. Que estava acelerado demais e ofegante. E continuou...

_ Mas, também com uma angústia que isso possa além de ser bom, mas também ruim. Cuidado Sara, cuidado. Quando voltarmos, vamos tomar um banho de energia, e vou fazer um ritual a Santa Sara para clarificar. Não entendi. E me deu até uma indisposição.

- Busque um chá pra mim filha e que logo passa e vá se divertir, você adora esse dia mais do que qualquer um daqui.

Sara saiu dali pensativa, mas ao sair da tenda logo esqueceu a preocupação de tanta alegria que a festa estava do lado de fora. Depois de atender sua mãe com o chá, foi vender suas frutas, sem muito pensar sobre o assunto!

E foi falar com Boris se poderia andar um pouco pelo local para revender as frutas. Boris concordou , porém a deixou se fosse apenas com companhia. E mandou Pablo acompanhá-la. Era rapaz novo, moleque ainda. Não daria conta de socorrer Sara, mas era rápido o suficiente para avisar se algo fosse preciso. Era muito ligeiro!

- Pablo, venha cá. Acompanhe Sara, mas apenas na ponte Carlos e não suma! E dentro de três quartos de hora quero vocês aqui.

- E você Sara, preste atenção! Se você não fosse esperta e arredia com os homens não a deixaria. Então continue assim e se cuide e Venda...Venda tudo!

Sara saiu saltitante e empolgada com Pablo, que mal sabia Boris era seu cúmplice em tudo. Pareciam irmãos amigos. Mas, que no fundo eram mesmo. Afinal primos e educados juntos todos eram no fundo irmãos. Ela dava sopapo nele, chutava seu traseiro, na traquinagem de irmãos. Mas, tudo longe dos olhos de Boris.

E assim foi vendendo suas frutas que os compradores homens ou as damas de companhia compravam. Mas, quando era os homens que compravam, mordiam a fruta na sua frente, olhando fixamente para Sara como se mordesse parte do seu corpo em uma deliciosa degustação do seu sexo enquanto os olhos corriam por sua beleza. Ela percebia a maldade, mas queria era é vender e fazia de desentendida para vender mais.

Em um certo momento, cansou. Estava quente ou ela estava mesmo era agitada, pegou seu leque e começou a se abanar freneticamente. Quando de repente avistou uma moça aparentemente sozinha com sua dama de companhia, pois não sabia do rapaz que as vigiava atrás, e elas foram em sua direção.

E uma foto que também despertou a atenção era que uma delas estava com o leque quase que tapando todo o seu rosto. Ela como em uma brincadeira fez o mesmo. E ambas se aproximaram e começaram a conversar em uma conversa que parecia clandestina com seus rostos tampados. Apenas pelos os olhos e a voz.

E algo aconteceu. Ambas, as moças, Sara e Ruzena se olharam fixamente, estranhamente e fixaram o olhar por alguns segundos paralisadas. Nem elas sabiam o porquê.

Despertadas pela voz da dama de companhia Carlota, que ficou preocupada com a ação indevida de parar ali na ponte, para conversar com uma estranha e ainda mais uma cigana, foi logo falando:

_ Vamos Senhorinha Rosa, escolha a fruta, precisamos ir.

Rosa era o significado de Ruzena e assim gostava de ser chamada carinhosamente. E naquele momento de ilegalidade de estar na rua, combinaram que seria melhor ser chamada assim, mais comum do que Ruzena que poderia ser ligada a família Karlovy.

Rapidamente se despertaram daquele olhar e Ruzena obteve sua fruta. E saiu correndo com sua mucama. Mas logo parou tirou o leque do rosto e falou.

- Carlota, quero conhecê-la mais. Gostei dela. Eu quero!

- Não senhora, a senhora não deve.

- Faça assim, peça para seu namorado ir lá e fale pra ele nos ajudar. Hoje às 15h nos jardins da propriedade. No nosso esconderijo. Me ajude, fale pra ela que darei moedas e lenços. Eu tenho aqueles, você sabe quais!

E ainda continuou em uma euforia sem fim...

- Eu volto agora pra casa, por favor, antes mesmo do horário que tínhamos combinado, falo que melhorei pros meus pais e de tarde vou tomar a fresca no jardim. Assim eles não desconfiam. Mas, claro se ela aceitar.

E foi Carlota, perguntar, ela mesma ao invés do rapaz. Mas foi mais pelo medo de continuar ali, do que para ajudar naquele encontro absurdo. E crendo também que a cigana não iria aceitar e tudo iria acabar ali.

Chamou o rapaz que as acompanhava em um gesto discreto para que ficasse mais próximo de Ruzena e foi lá ter com Sara.

Depois das explicações voltou com o rosto rosado e olhos esbugalhados.

- Senhorinha Ruzena, ela aceitou. Ela aceitou.... o que faremos?

Ruzena, nunca esteve tão feliz. Se questionava de como poderia um dia que nunca havia comemorado fazer parte de uma aventura da sua vida? E falou em voz baixa em cochicho quase no ouvido de Carlota.

- Como os ciganos falam? Opcharrr... opta...não sei acho que é viva santa Sara kali. Que está fazendo minha vida um pouco mais interessante.

- Que sacrilégio Ruzena, vamos embora, já estou com medo disso tudo!

Mal sabia Sara e Rita, agora Ruzena, que realmente aquele dia 24 de maio mudaria sua vida pra sempre! Para sempre!

            
            

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