Capítulo 6 A dissimulação

Ruzena estava a horas remoendo as unhas ansiosa pelo encontro com a cigana, não sabia explicar o porquê. Talvez pela diferença cultural, o colorido das roupas. Só sabia explicar que queria.

Tudo, desde de manhã estava dando certo. Conseguiu escapar e dar uma voltinha na feira e voltar sem que ninguém a descobrisse. Voltando ao seu quarto ilesa de qualquer desventura.

Foi tratada como uma doentinha mimada mesmo, sopinha na cama, atenção e carinhos. Mas, por dentro uma agitação mental que não para.

Desde cedo ficou sem sua acompanhante, que por certo teve que cumprir com seu acordo com o namorado.

E tudo foi transcorrendo como deveria ser para que os planos dessem certo. Levantou-se foi ao baú e revirou tudo até achar os tais lenços coloridos que ganhou em uma viagem a Espanha e que nunca teve coragem de usar. Afinal suas cores nunca poderiam ser rubras. Seu pai jamais a deixaria usar. Mas, ganhou da anfitriã espanhola de onde ficaram em férias enquanto seu pai fechava negócios.

Como imaginaria que um dia iria usá-las e de presente em troca de poucos momentos de aventura.

Achava as ciganas tão lindas que não poderia fazer feio na aparência, revirou tudo até achar a roupa mais conveniente para esse encontro. Está mais animada que se fosse a uma festa na corte.

E chegado perto da hora já ficou pronta e desceu um tempo antes para poder fazer a encenação de melhora do quadro de mal estar que fingiu mais cedo para poder ter a desculpa de dar a tal voltinha nos jardins. Que disfarçadamente correria para o lado norte do jardim, lugar pouco visita, mas de tal beleza selvagem e bem cuidado. O esconderijo de Ruzena e dos seus choros constantes quando se sentia largada e mal tratada pela família.

Com o disfarce de descer as escadas devagar, como que ainda com medo de dores e mal súbito, foi simulando uma descida lenta e cuidadosa pelos degraus e para dar tempo que seja vista por sua família que estava na sala reunida naquele feriado de Santa Sara Kali.

- Filha onde está Carlota, não desça sozinha.

Sua mãe foi ao seu encontro imediatamente, com medo de sua queda, mostrando ainda um carinho que as vezes transparecia. Segurou-a pelos braços e foi descendo calmamente em seu ritmo até o salão.

- Obrigada mamãe, a senhora é gentil. Mas, não sei de Carlota. Mas, não deve demorar.

E sua mãe ordenou aquele homem barbudo que sempre ficava em silêncio e próximo como um vigilante atento para batalhar a qualquer momento.

- Sr. Rubens á atrás de Carlota e a busque para Ruzena.

E emendando foi já perguntando a Ruzena:

- Como está filha melhorou, não acha que deveria ficar deitada o resto do dia¿

Ruzena sabendo lidar com sua mãe a acalmou falando que estava melhor e que se deitada ficasse poderia perder o sono mais tarde. Preferiu pedir a autorização a sua mãe que desse uma voltinha pelos jardins, que a faria bem os ares frescos.

E Carlota adentra ao salão com abandeja com chá. Espertamente resolveu na surdina sua promessa ao namorado e rapidamente voltou com o disfarce de ter ido fazer um chá. Ruzena a olhou e percebeu seu lenço um tanto torto, por certo, deveria ter caído em suas volúpias rápidas e vorazes. E ainda, viu o sorriso de canto de boca de Carlota, sorriso de uma mulher que acabara de se satisfazer.

Ruzena, estando no auge dos 16 anos já estava pronta para sentir tudo aquilo também. E só de imaginar também ficava rubra, e na hora tentou dispersar seus pensamentos maliciosos, para o plano desse certo. E continuou..

- Mãe, depois desse chá vou então com Carlota dar a volta nos jardins. Prometo que se não me sentir bem eu volto imediatamente.

E ainda por instinto a convidou para irem juntas e se sentiu um idiota na hora. E se sua mãe aceitasse tudo daria errado. Carlota na hora quase derrama o chá que servia na xícara, ao levantar assustada o olhar para Ruzena. Como querendo dizer.... "o que você está fazendo¿" .... "e se ela aceitar¿"

Por sorte é que sua mãe nunca saia de casa, desanimada ficava por horas bordando ou orando. E agradecida pelo convite ele recusou alegando para as mais jovens terem forças nas pernas para caminharem.

E a hora ia passando e tudo estava caminhando para o tal encontro. Chamou Carlota num canto e disfarçadamente explicou onde guardara a sacola com os lenços coloridas da Espanha para dar de presente. E comandou que ela buscasse e escondesse debaixo de suas saias e ainda em deboche falou:

- E espero que aí debaixo esteja limpo, não quero que suje o presente e depois quero saber de tudo. Eu quero muito saber como é....

Carlota, sem graça, com um risinho de malícia, saiu disfarçando sua safada paga.

E ali, ficou Ruzena, em silêncio no salão onde poucos conversavam. De longe via seu pai sentado, seu irmão apertando as pontas de seu bigode como se fosse o bigode que desse a honradez de homem, sua mãe segurando o terço e parecia cochichar, mas que na verdade era a oração que fazia em voz baixa onde só se escutava o "zunido" entre lábios. E ali ficou bicando seu chá que até está frio.

Quando Carlota voltou, ela rapidamente levantou e voltou a disfarçar que estava ainda em recuperação para que não desconfiassem da mentira. Despediu com até logo já volto e partiu para os jardins.

A dissimulação de Ruzena seria de caráter cigano com certeza, está em suas veias. Onde passam um sangue quente que já ensina por instinto a se virar. Ela ainda não sabe do leão que é. E quando descobrir que uma gaiola de madeira nunca a prenderá tudo pode acontecer, aliás, já está acontecendo!

            
            

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