Capítulo 4 A briga de Samara

Samara é boa nas leituras das cartas, por intuição, por aprendizado dos significados e na percepção das reações das pessoas. Captar o que elas sentem faz de sua leitura quase uma adivinhação dos fatos. Observa do puxão das mãos, no olhar, na reação, nos olhos mareados... tudo. Tudo é um sinal que ali tem uma ferida de alma e mergulhava nos sortilégios. E a feira é o lugar propício a leituras de gente e de cartas e com isso, muitas moedas! Porque esse era o foco de Samara. Sua parte nesse serviço.

É com essas moedas que comprava seu tecido e adornos para costurar depois em sua tenta e ficar linda.

Afinal tinha um propósito, tirar Yago de Sara.

Mas, por vezes sempre arrumava confusão com as pessoas nas declarações que falava, ou por susto que provocava ou por empáfia. Ela não tem medo, acusa as pessoas mesmo, determina mesmo e não tem empatia se as notícias não forem muito boas em suas leituras. Sente até um certo prazer em dar notícias ruins e ver as reações angustiadas das pessoas.

E nesse ano na feira não ia ser diferente. Lendo uma das mãos de uma mucama nada humilde, foi logo com arrogância lhe perguntando e teve sua resposta áspera na hora.

- Olha o que vejo aqui segundo sua pergunta sobre amor, está tão claro que nem precisaria de cartas ou suas linhas da mão! Você é amante do marido daquela senhorinha tonta ali, que você toma conta. E quer lhe roubar o marido! Concubina será sempre concubina não sabia?

O olhar de fúria da mucama foi de sangue nos olhos. Provavelmente por escutar uma verdade que nenhuma amante gosta de escutar, ou tocar na ferida sem dó. Quase que por um impulso a mucama respondeu:

- Além de ser uma cigana, uma marginalizada ainda vem me falar algo com tanta valentia¿

O sangue nos olhos da mucama foi subindo no fluxo da sua mão e a mucama lhe deu um safanão na cara que ali já se tornou uma grande confusão de mulheres se puxando e se rasgando.

Uns a olhar e a rir, outros começam a saquear frutas e coisas na confusão da briga e os ciganos invadiram o meio da roda para separar aquelas que de nada pareciam mulheres e sim dois animais em sua briga por território. Descabeladas e desajeitadas em suas roupas desalinhadas. Aquela situação iria com certeza não repercutir muito bem para a empregada que já teve sua senhorinha longe ao certo. E para os ciganos que já eram de muito tempo perseguidos, e ainda os são.

Os guardiães do castelo vieram automaticamente à ponte ao escutarem gritos de tumulto e brigas.

A população ainda em tempo de barbárie que queria mesmo era circo e pão.

Chegando ao local o guarda e seus seis sub guardas e já com lanças em mãos separando a população que logo se esvaiu em medo de apanharem...

Tudo acalmado aparentemente, o chefe dos guardas se aproximou com sua arrogância de autoridade da lei e foi de nariz a nariz a Boris e lhe falou:

- Tire essas bruxas rampeiras daqui.

Boris fechou seu punho, seu rosto ficou vermelho na hora, mas Yago e os demais ciganos o seguraram pelo ombro como que já sabendo de sua reação. E isso poderia ser muito perigoso.

E o guarda vendo que ele não poderia e não deveria reagir ainda deixa uma ameaça.

- Vocês são a escória de nossa cidade! Terei o prazer de enxotá-los daqui. O Rei não gosta de vocês e vocês sentirão isso na pele, em cada pele que eu arrancar!

E deu a costas, sem a preocupação de uma represália, afinal cercados de vários guardas é fácil ser prepotente. Sua retaguarda sempre seria salva.

Mas, o que nessa ameaça nada velada tem de preocupante é a realidade dos fatos. Realmente o Rei Carlos não gosta dos ciganos. E todos vivem com a preocupação de que algo a qualquer momento pode acontecer.

Por isso fazem o estoque que podem, se preparam e tudo fica na aldeia como se algum momento fosse o momento da fuga.

E a feira é a oportunidade mais esperada do ano para se ganhar algum dinheiro, e se prepararem para o inverno.

E Samara ainda chama atenção demais em briga por ego. Boris com certeza descontará em Samara sua fúria.

Boris volta a tenda e manda chamar Samara. Essa é a hora em que um líder tem que mostrar sua posição.

Samara adentra a tenda e vê Boris sentado num tamborete com pele de animal como forro. Como se estivesse em seu trono. Samara de cabeça baixa se aproxima.

- Proibida de sair com a cara fora da tenda até voltarmos. Quero todo o dinheiro que arrecadou. Me dê aqui agora! Sua parte é desnecessária a partir do momento em que me trouxe problemas.

Sua voz e olhar dava mais medo do que suas ordens. Esticou a mão para receber o que ganhara. Samara não se atreve nem a levantar os olhos, pois sabia que qualquer reação sua levaria uma surra.

Entregou as moedas com pesar. E Boris lhe deu as costas.

Samara, sabe como agir para não sofrer mais sansões. É uma mulher jovem esperta. Mas, junto com todo clã tem uma certeza: que nunca mudará seu jeito de ser.

Parece que não consegue se controlar nas malcriações, nas fofocas e intrigas entre todos do grupo. Sua vida parece mais feliz se algo ela apronta.

Talvez nem ela saiba se é por índole ruim ou por carência de querer chamar a atenção, mas fato que suas atitudes, que pioram a cada dia podem ter repercussões desastrosas.

Emburrada ficou na tenta, em um canto sentada no chão chorando como se o mundo acabasse ali. Mas, seu o choro parece parar instantaneamente quando avista de baixo do altar de Santa Sara Kali uma caixinha que nunca tinha visto antes.

E no chão como estava, vai engatinhando até o altar com os olhos fixos na caixa. Termina de levantar a toalha que pouco escondia a caixa e pega em suas mãos.

Olha curiosa em cada detalhe do desenho talhado na madeira e aos poucos vai abrindo como esperando uma grande surpresa ao levantar sua tampa.

Quando chega o momento de fato ver o que tem dentro D. Alba entra na tenda já com o pote de guento para curar as feridas da surra de Samara.

Ao ver Samara com sua caixinha secreta nas mãos seu pote até cai no chão e corre para tomar de suas mãos antes que ela veja o que ali tinha de fato.

Quase que num grito ameaça Samara

- Nunca mais mexa nas minhas coisas, nunca mais, ou eu mesma lhe dou a surra que você não ganhou de Boris

Samara, mais de que depressa volta para seu canto com a convicção que realmente aquele não era o seu dia. E que algo tinha ali e naquela caixinha talhada e ela iria descobrir.

E essa nova fixação de Samara, por si só, já era uma premissa de problema.

            
            

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