Eu estava exausta de tanta dor e não aguentava mais tudo o que estava acontecendo comigo de forma contínua. Pensei que a morte era a solução para a dor parar, porém quando me vi na completa escuridão, com todos os meus medos vindo à tona, eu desejei tentar mais uma vez. Pela minha mãe. Por aquela carta que foi rasgada na minha frente. Eu desejei não estar morta para um dia conseguir ser feliz.
Quando meus olhos se abrem, é difícil se acostumar com as sensações quase que palpáveis do meu corpo. Garganta seca, batidas cardíacas aceleradas, cabeça latejando, corpo fraco e sem falar na sensação de dor que se espalha pelos meus pulsos. Ainda assim, me forço a sentar. Leva um tempo até eu perceber que o quarto em que me encontro não é o mesmo de antes, pelo contrário, acho que nunca tinha vindo aqui.
Suspiro segurando para não soltar um gemido de dor, enquanto olho em volta em busca de algo que eu possa reconhecer, até que do outro lado do quarto, eu vejo sentado numa poltrona ao lado da cama, Pedro.
A minha primeira reação é de susto, até que eu noto que ele sequer percebeu que estou acordada, a julgar pela sua posição. Com a cabeça abaixada e apoiada nas próprias mãos, numa posição que qualquer um julgaria ser de preocupação. O quarto está sendo iluminado apenas pela luz da noite que atravessa a enorme janela, e eu não consigo ver muito além das sombras dos móveis e a presença de Pedro ao meu lado.
- Ai! - Exclamo de dor ao de repente sentir minha cabeça pesar e os meus braços começarem a arder.
As lembranças ainda estão vívidas na minha memória, quase como se aquele momento em que a carta da minha mãe foi rasgada tivesse acontecido agora. Não é só a dor física que machuca...
- Emma... ei...
Vejo de canto Pedro se aproximar com uma mão estendida para me tocar, porém desvio fazendo com que meu braço doa ainda mais.
Depois de tudo, a última coisa que quero é deixá-lo me tocar. Essa ideia se torna repugnante ao pensar que ele me machucou mesmo sem me tocar ao ponto de eu pensar mais uma vez em desistir da minha vida. Eu não consigo imaginar o quão cruel alguém tem que ser.
Ele se afasta ao perceber o meu desagrado, e logo põe as mãos na cabeça, me olhando enquanto eu olho meus braços enfaixados, respirando fundo para não me deixar levar pela culpa.
- Eu te encontrei... - Ele faz uma pausa para limpar a garganta, como se também não quisesse falar sobre isso. - Você estava sangrando tanto... eu...
Ele respira fundo e eu tomo coragem para encará-lo, decidida a pôr todos os meus pensamentos para fora. Dizer o quanto eu o odeio mais uma vez e falar que o que ele fez comigo ao rasgar algo tão importante para mim não tem perdão. Dizer mais uma vez que até mesmo meu pai tem mais humanidade do que alguém como ele. Mas tudo o que eu consigo é apenas encará-lo, mostrando o quão vulnerável, machucada e enojada ele me deixou, mesmo que o mesmo me lance um olhar que qualquer um acreditaria ser de arrependimento.
É quase como mais uma vez aqueles olhos vazios estivessem sendo ocupados por um sentimento a mais além da sua própria bolha de inexistência. Mas eu sei muito bem que é apenas uma farsa.
Me apoio nos braços numa tentativa de me levantar ignorando completamente a dor, porém sou interrompida por ele que se põe na minha frente.
- Emma, o médico disse para você não sair dessa cama até se recuperar.
O empurro para o lado, me pondo de pé rapidamente, porém me interrompo já com os pés no chão quando sinto uma fina dor debaixo dos meus pés. Quando olho para baixo meus pés também se encontram enfaixados.
- Você pisou nos vidros, deveria voltar para cama. - Ele diz como se não fosse nada e eu não consigo evitar de me sentir tremer.
- Pare de falar como se importasse para você. - Digo baixinho de costas para o mesmo enquanto aperto o tecido da minha roupa fortemente, sentindo o meu corpo tremer.
- Emma... - Ele dá uma pausa para suspirar. - Foi ordens do médico.
Um sorriso incrédulo surge em meu rosto, mesmo que eu saiba que ele não está vendo por estar atrás de mim, porém não consigo evitar de achar essa situação no mínimo engraçada.
- Você me ameaçou de abuso... está mesmo preocupado com as ordens do médico? - Questiono sentindo lágrimas nos olhos.
Ele fica calado por alguns segundos até que eu me viro na sua direção para encontrá-lo de cabeça baixa.
- Você me chamou de tanto adjetivo ruim, fez com que eu me machucasse no carro propositalmente e está preocupado com as ORDENS DO MÉDICO?! - Grito sentindo um fardo diminuir em meu peito enquanto as lágrimas rolam descontroladamente pelas minhas bochechas. - VOCÊ! Você me deixou sozinha! SOZINHA NO MEIO DE UMA FLORESTA A NOITE! Você... Um homem tentou me estuprar e eu achava que o matei!
Seguro minha cabeça sentindo-a latejar fortemente como se a qualquer momento eu fosse desmaiar, porém não consigo parar de chorar. É quando sinto as mãos de Pedro em meus braços.
- Emma...
- ME SOLTA! - O empurro para longe do meu corpo. - Você usou a única coisa que me mantinha viva contra mim mesma. Eu tinha apenas uma única amiga e ela estava contra mim por você... você deixou que ela rasgasse aquela carta... o colar da minha mãe...
Levo minhas mãos ao meu pescoço, me sentindo sufocar enquanto dou alguns passos para trás, ignorando as reclamações do meu corpo.
- Eu te odeio como nunca odiei ninguém! Odeio ainda mais por fazer com que odiasse a mim mesma...
Você é culpada!
- O que está dizendo, Emma? Olha, eu admito, você não fez nada de errado.
Você é uma assassina!
- Eu a matei... Eu matei a minha própria mãe!
Caio de joelhos no chão sentindo como se o mundo estivesse desmoronando ao meu redor, ou talvez... Apenas dentro de mim.
É quase como uma sensação de inexistência. Como se minha alma tivesse saído de dentro do meu corpo por alguns segundos e eu não consigo sentir nada além da dor, e talvez dos braços que me cercaram segundos depois. Pode parecer loucura, mas eles estavam tão quentes que eu pensei que poderia ficar ali para sempre. Talvez até morrer.
Mas esse sentimento logo se foi, até eu lembrar de quem se tratava. Eu ainda continuei a chorar em seu peito enquanto ele acariciava minhas costas, pois eu não conseguia me mexer e muito menos reprimir o choro. Por isso apenas deixei-me levar até que eu me acalmasse o suficiente para pensar direito sobre tudo.
A primeira questão seria por que ele me abraçou ao invés de me agredir como sempre faz. Talvez a consciência estivesse pesando...
Segundos depois dele me "consolar" ele me pôs sentada novamente na cama enquanto eu divagava. Ele trouxe a poltrona para perto da cama e eu entendi que aquele era o nosso momento de conversar. Eu sei que não consigo perdoar ou entender tudo o que ele fez comigo, porém uma trégua não poderia ser mais perfeita, dada a situação em que por estar presa nessa casa ele tem certo "controle" sobre mim.
Suspiro o encarando, porém o mesmo parece não ter coragem de falar.
- Ele não está morto, se quer saber; - O encaro me sentindo confusa. - Alguns dos meus parças acharam um homem com aparência duvidosa desmaiado no chão. Mesmo que quisesse matá-lo, com aquele pequeno golpe jamais conseguiria. Agora ele está na sala de tortura.
Suspiro mais aliviada, mesmo lembrando de Pedro já ter comentado Eu sei que ele é um babaca por ter feito o que fez comigo e que merece pagar pelo o que iria fazer comigo e pelo o que já deve ter feito com outras meninas por aí, porém não queria levar a culpa da morte de alguém. Eu realmente não me importo se ele "acabasse" morrendo, contando que não fosse pelas minhas mãos.
- O que vai fazer com ele? - Pergunto porém ele apenas ergue uma sobrancelha.
- Você não vai querer saber. - É apenas o que responde, me fazendo engolir em seco.
Ele levanta para pegar uma caixa em cima da cômoda e logo volta a sentar-se na poltrona, pondo a caixa ao meu lado na cama. Não consigo evitar de me sentir curiosa e até mesmo insegura. Ele não estaria querendo me comprar, não é?
- Eu... vou falar a real para você. - Ele começa me encarando seriamente. - Mesmo que eu não saiba como fazer, eu não vou conseguir dormir sem antes falar isso. O que você disse sobre eu não poder julgar seu pai por estar tendo uma atitude pior que a dele me fez lembrar do por que eu estou aqui. Mesmo assim eu continuei fazendo merda porque levei o que você disse como um desafio, e eu odeio ser desafiado. Mas se quer saber, eu não pensava que as coisas iriam chegar nesse ponto ou que tudo iria realmente te afetar dessa forma. Pode parecer loucura e até idiotice pensar assim, mas eu realmente só queria te deixar com raiva. Eu não imaginava a dimensão que é você, ou que iria tentar algo contra a sua própria vida. Então... - Ele limpa a garganta enquanto abre a caixa. - Me desculpe.
Meus olhos não conseguem desviar dos seus ao perceber que a única dimensão que de repente surgiu foi a dos seus olhos. Deve ser algo inconsciente dele e talvez não faça ideia, mas seus olhos brilham muito mais quando não estão vazios.
Suspiro sentindo estranhamente todo o meu rosto esquentar, desviando o meu olhar para a caixa, que inclusive, faz o meu coração acelerar loucamente em meu peito.
- Sobre aquela carta que você viu sendo rasgada e o colar... não eram os verdadeiros.