Talvez não seja uma inverdade que eu seja uma personagem de um filme. Quer dizer, qual a chance de uma adolescente normal ao mesmo tempo que estranha e problemática, ser raptada no meio da noite e agora estar beijando um dos seus sequestradores apenas para ter uma chance de escapar? Talvez eu seja a típica personagem que morre e leva um grupo de adolescentes a investigaram seu misterioso assassinato. Porém mesmo sendo difícil dizer, quem se importa comigo a esse ponto?
Levo minha mão até o peito de Lucas, sem impedi-lo e sentindo-me envergonhada por pensar que mesmo com tantas coisas desastrosas acontecendo na minha vida, o seu beijo definitivamente não se encaixa entre elas.
A sua língua tem um gosto peculiar e ao mesmo tempo familiar. É bom e ao mesmo tempo ruim. Posso presumir que seja o gosto de alguma bebida com um gosto doce, e me convenci que o gosto do álcool é o motivo pelo qual o seu beijo está sendo tão agradável.
Quando eu estava prestes a levar minha mão até seu pescoço, gostando da sensação, Lucas que estava com seu corpo praticamente colado ao meu, de repente foi arremessado para longe de mim, me assustando. Quando abri os meus olhos me deparei com Pedro em cima de Lucas, o socando repetidas vezes no rosto. Foi nesse instante que eu percebi que ferrei a minha vida. Se ele está tão furioso com o próprio amigo, o que será de mim?
- Ai meu Deus! PARE! Pare de bater nele! - Gritei partindo para cima de Pedro, decidida a fazê-lo parar mesmo sabendo das chances de eu sair machucada. - Por favor! Pare com isso!
Choramingo tentando o puxar pelo ombro. A sua força é assustadoramente grande, mesmo assim não dou para trás e sou empurrada com muita força, quase perdendo o equilíbrio das pernas.
Enquanto tento me reerguer e gritar por ajuda, vejo Pedro levantar e limpar o nós dos seus dedos sujos de sangue com um lenço. Apavorada com o possível estrago no rosto de Lucas, corro até ele, notando como ele parece machucado, porém não tanto quanto eu pensei, apenas parte dos seus lábios sangram. É quase como se Pedro tivesse feito esforço para não machucá-lo tanto.
- VOCÊ! - Pedro grunhe, trancando o seu maxilar enquanto me fuzila com o olhar. Eu sinto um calafrio de pavor percorrer a minha espinha, e praticamente entro em choque. - Você vem comigo!
Ele segura o meu braço com força e me puxa na direção dos carros, onde não há ninguém. Porém dentre tudo isso o que mais me deixa assustada é o sorriso nos lábios de Lucas, como se estivesse testando Pedro e a sua reação o satisfez. Eu não posso estar ficando louca!
Pedro me joga dentro do carro, no banco do passageiro e segundos depois entra no banco do motorista, ligando o carro e dando partida, onde já sinto a minha visão embaçar pelas lágrimas.
Me sinto tão assustada, mas não quero chorar aqui! Ao meu lado ele parece estar exalando ódio, o que me confirma o que Lucas havia me dito. Pedro é possessivo! Não importa do que se trata ele gosta de ter controle sobre, e isso me assusta.
- Sua pequena vadia! Foi só eu virar as costas que você já estava se jogando em cima do meu amigo! - Ele murmura com desdém notável em sua voz quando começamos a percorrer a estrada na floresta, como se eu devesse algo a ele. - Achou que se o seduzisse conseguiria sair daqui?
Arfo desacreditada, entendendo cada vez mais o que Lucas quis dizer sobre o seu lado controlador.
- Você está me ofendendo! Eu não estava tentando o seduzir, não é como se eu fosse tola o suficiente para achar que ele se apaixonaria por mim depois de um beijo! - Exclamo me sentindo cada vez mais alarmada.
Percebo como ele está apertando o volante com toda a sua força, tanto que os nós dos seus dedos parecem vermelhos. Antes eu já desconfiava, mas agora tenho certeza de que ele é um psicopata louco.
- Eu conheço bem esse tipo de garota, Emma... está se aproveitando da situação para se fazer de coitadinha, mas não passa de uma vadia.
Ele ri com escárnio, como se eu fosse a deplorável neste carro.
- EU NÃO SOU UMA VADIA! - Grito com lágrimas nos olhos. - Você pode conhecer quantas garotas achar que conhece, mas você não... me... conhece! - Exclamo lentamente, transparecendo o meu ódio, dessa vez sem conseguir segurar as lágrimas. - Foi só um beijo! Como pode presumir que eu estava tentando o seduzir? Talvez eu estivesse querendo te deixar com raiva!
Ele freia o carro bruscamente no meio da floresta, já na estrada de terra e por eu estar sem cinto, sou arremessada para frente, onde bato a minha cabeça no vidro do carro.
- Au...!
Levo minha mão até a minha testa, sentindo uma dor fina, ao mesmo tempo que algo com cheiro de ferrugem deslizando pela minha testa. Fecho meus olhos por conta da dor, sentindo ainda mais vontade de chorar e gritar com ele.
- O que te levou a pensar que eu ficaria com raiva ao te ver beijando Lucas? - Ele questiona, porém não tenho coragem de abrir meus olhos para encará-lo.
Eu quero apenas chorar cada vez mais, tentando me lembrar de como me meti nessa situação. Eu realmente mereço passar por isso?
- Me responde você... por que ficou tão irritado?
Levanto o meu olhar para encará-lo, ainda com a mão na testa, no lugar do machucado e onde estou sangrando. A dor da ferida é grande, nunca havia me machucado assim se não fosse por arranhões nos joelhos ou cortes provocados por mim mesma, porém dessa vez a situação parece mais crítica que o machucado.
Pedro me encara por vários segundos em silêncio, e transparece estar com tanta raiva de mim que poderia até mesmo me matar. Estar dentro de um carro com ele, sozinha e no meio do mato... Essa é a chance perfeita para um assassinato.
- Desce do carro. - Diz ele me surpreendendo.
- O quê?
A hipótese dele estar me deixando livre me enche de esperanças por um instante, porém... o olhar que ele está me enviando agora torna essa hipótese muito absurda. Por que ele me deixaria ir assim tão fácil? Será que Lucas estava certo quando disse que provocá-lo me daria uma chance de ir embora?
- DESCE DA PORRA DO CARRO! - Ele grita como uma fera, me fazendo saltar de susto no banco.
Sinto uma pontada na minha cabeça! O medo pode me fazer desmaiar facilmente, mas não posso agora! Não agora!
Com as mãos trêmulas abro a porta e jogo o meu corpo para fora do carro, sentindo minhas pernas fracas até mesmo para aguentar o peso do meu próprio corpo. Ele fecha a porta antes mesmo que eu consiga reagir e me joga um relógio de bolso, que eu pego com bastante dificuldade pelo susto.
- Você tem uma hora! - Ele diz enquanto eu encaro o objeto em minhas mãos, observando a hora que o ponteiro marca. - Você tem uma hora para chegar na minha casa, Emma. Você lembra o caminho. Se tentar fugir ou não chegar a tempo, um dos meus homens terá permissão para atirar na sua cabeça.
Arregalo os meus olhos, o encarando, mostrando o quão assustada e desesperada eu pareço com suas palavras. Ele quer que eu faça o caminho que de carro é uma hora, a pé? Lembro que passei bastante tempo nessa estrada até chegar a casa de Pedro assim que trouxeram para cá.
Um sorriso se desenha em seus lábios, como se estivesse satisfeito com a minha reação.
- A não ser que você prefira que eu me divirta com a vadiazinha que você é antes disso. - Tremo com suas palavras, não acreditando no que está insinuando. - Espero que tenha entendido quem é que manda aqui.
Com essas últimas palavras, vi o carro se distanciando cada vez mais na floresta, tanto que o perdi de vista em poucos segundos. O ar frio acariciou a minha pele, talvez numa forma de consolo, porém a noite me pareceu mais assustadora do que eu imaginava que poderia ser.
Com lágrimas nos olhos perdi a força das pernas e senti meus joelhos colidirem com o chão. Libertei as lágrimas que eu estava segurando e chorei no chão de forma desesperada, como uma criança atormentada.
- AAAH! - Grito numa forma de libertar a dor em meu peito.
Não importa quanto eu pense! Eu vou morrer! Não importa quanto eu corra e me esforce para chegar lá, mesmo que eu ignore o cansaço e me rasteje, eu nunca vou conseguir chegar em sua casa em menos de uma hora. Isso é desesperador, pois não consigo aceitar o fato de que a qualquer momento levarei um tiro na cabeça.
- Eu não quero morrer, por favor, me perdoa... - Choro deixando o meu corpo cair para frente, e minha testa machucada encostando no chão enquanto soluço.
Eu estava perdendo as esperanças, amedrontada de que tudo o que tinha lutado tinha sido em vão, até que ouvi o barulho alto do motor de um carro. Quando eu olhei para o lado, me deparei com um carro um pouco mais antigo e com a aparência suja. O vidro logo se abaixou e quando levantei a cabeça vi um senhor mais velho, me encarando com um sorriso e um cigarro na sua boca.
- Está precisando de carona, boneca?