Lágrimas deslizam incessantemente por minhas bochechas, sentindo o ar frio pela minha pele enquanto corro loucamente até a casa que já consigo avistar. Eu não sei explicar como, mas depois do que me aconteceu, mesmo com as feridas nos joelhos, braços e cabeça e o vestido parcialmente rasgado, eu ignorei a dor e dei lugar ao medo. Corri por vários minutos sem parar ou diminuir o passo, apenas chorando enquanto parecia que teria uma parada cardíaca a qualquer momento.
Quando vi a casa no meio da floresta, chorei ainda mais de alívio, não sabendo ao certo se já havia se passado uma hora. Mas até o momento, eu não tinha levado nenhum tiro. A porta da frente não estava trancada, por isso entrei buscando por ar, sentindo-me tonta e pronta para desmaiar a qualquer instante. Porém me deparei com Lucas que pareceu estar prestes a sair da casa.
Seus olhos se abriram de surpresa ao me ver.
- Eu estava indo atrás de você, Emma... - Ele murmura baixinho, passando o olhar pela minha roupa.
Quase que imediatamente após Lucas falar, Mia e Pedro que estavam do outro lado da sala, ambos de costas discutindo, se viram na minha direção. Mia exclama horrorizada ao ver o meu estado e Pedro que está com um copo de bebida na mão apenas franze o cenho como se o meu estado o desagradasse. Isso é culpa dele! Tudo o que me aconteceu essa noite foi porque ele me deixou sozinha no meio da floresta, machucada e passando mal.
Mordo o meu lábio abaixando a minha cabeça para chorar. Fora o corte na minha testa causado por Pedro, meus joelhos estão sangrando, minhas mãos machucadas e eu tenho sangue espalhado pelas minhas pernas. A frente do meu vestido está rasgada quase por completo. Não é muito difícil imaginar o que pode ter acontecido comigo... E eu o odeio!
- Emma... meu Deus. O que aconteceu? - Mia se aproxima com a mão na boca, mas eu não consigo parar de chorar.
Eu não quero que eles me vejam assim! Eu não quero que ela me olhe dessa forma. Eu... não... sou... ninguém. Não sou nada além de uma garantia.
- Droga, eu não deveria ter deixado... - Lucas murmura para si mesmo, se virando de costas exasperado.
- Você deve tê-la persuadido a beijar! Como pode ter colocado ela nesta situação? E você Pedro, o que passa na sua cabeça para ter deixado ela sozinha no meio da noite? Sabe lá o porquê dela estar tão machucada... - A voz de Mia fraqueja no final, quando ela se vira mais uma vez para me observar, com pena estampada em seu rosto.
- Eu quero ficar sozinha. Eu vou para o quarto!
Saio correndo em direção ao quarto, porém antes que eu pudesse subir as escadas, não me passou despercebido o olhar que Pedro me enviou. Por um segundo... por um segundo ele me pareceu preocupado. Mas do que adianta agora ele estar arrependido? Isso não vai mudar o que aquele homem asqueroso fez comigo no caminho.
Tiro o vestido desesperadamente, sentindo todo o meu corpo doer por conta dos machucados e me ponho na frente do espelho, observando o meu corpo semi nu enquanto as lembranças me atormentam. Pelo reflexo do espelho, posso ver marcas de cortes pela minha barriga, e essas são as que eu fiz em mim mesma em momentos difíceis. Eu jurei em nome da minha mãe que não faria nada como isso novamente.
Deslizo meu dedo por uma dessas cicatrizes, encarando o reflexo do meu corpo com nojo. Mesmo eu o odiando e o maltratando, como aquele homem pode ter sido atraído por ele? Como... por que?
Fecho os meus olhos lembrando de como não tive escolha a não ser aceitar a sua carona...
"- Quer uma carona, boneca?
Eu não pensei muito sobre sua pergunta, mesmo sabendo que jamais deveria aceitar carona de um estranho. Sei os riscos que pode me trazer, porém os riscos que terei se apenas for de pé serão ainda maiores, e eu não quero desistir.
Ele me deu apenas uma hora, e talvez se eu for de carro... talvez eu consiga chegar lá.
Me levantei com certa dificuldade, sentindo o meu corpo trêmulo enquanto encarava o homem mais velho com um cigarro na boca.
- Eu... tenho que ir para um lugar. É só seguir direto e... chega lá. - Digo com a voz fraca, sentindo que deveria apenas desistir.
Se for para morrer então que não seja com um velho que acabo de conhecer durante a noite no meio de uma floresta perigosa. Mas... e se ainda houver uma chance para mim se eu for de carro com ele? E se eu estiver apenas o julgando pela aparência.
- Para onde está indo, senhor? - Pergunto em busca de saber mais sobre o mesmo.
- Estou indo para a minha casa. Moro pela floresta também, é um ótimo lugar... Afastado de tudo e todos. Mas entre, boneca. Posso te levar para casa.
Ele abre a porta do carro, que eu encaro por vários segundos assustada, até que decido entrar. Minha mente está atormentada por um nevoeiro sombrio, e me sinto entorpecida demais para pensar direito sobre como devo agir. É quase como se eu estivesse drogada.
Quando entro no carro e fecho a porta com as mãos trêmulas, logo o cheiro de cigarro se torna insuportável, pois me traz lembranças de quando chegava em casa após o trabalho e era esse cheiro que eu mais odiava no mundo. Agora nada disso mais importa...
Ele dá partida e começa a dirigir na direção que eu havia dito, seguindo em frente. Eu suspirei aliviada por ele ter mantido silêncio pelos próximos quinze minutos, até que ele começou a olhar de canto para mim, com um sorriso amarelo.
- Então, onde você estava tão arrumada assim, boneca?
- Huum... Eu estava numa festa com... - Me interrompo assim que me dou conta que posso pedir ajuda a esse homem agora mesmo, porém e se eu estiver com uma escuta? O fato de Lucas ter descoberto facilmente sobre o fato de eu ter contado tudo para Nathalia talvez seja a minha confirmação. - ... amigos.
Engulo em seco, apertando minhas mãos fortemente uma contra a outra.
Como um mal presságio, a mesma cena se repetiu e o homem freiou o carro bruscamente em direção a uma árvore. Meu corpo foi jogado para frente, porém dessa vez pude impedir que a minha cabeça batesse.
Eu olhei na sua direção com os olhos arregalados, sem entender o motivo desse seu ato de repente.
- Ah, boneca... Você já devia saber que não devia entrar em carros de estranhos. - Ele murmura tirando o cinto e abrindo a porta logo em seguida.
Senti o meu coração acelerar em meu peito, porém mais uma vez, movida pelo pânico de algo horrível acontecer, abri a porta do carro e corri para fora, percebendo suas más intenções.
Deus... por que de repente tudo de ruim está acontecendo comigo essa noite?
Eu tentei correr para longe, gritando por ajuda e arrependida de ter aceitado a carona, mas o que mudaria? Eu já estava sozinha, ele poderia apenas ter saído do carro e me pegado à força. Eu não sei o que ele pretende, mas definitivamente não é coisa boa e eu me sinto apavorada.
- Calma, gracinha. Por que está indo embora? Achou que a carona seria de graça? - Ele diz com a voz embargada, puxando o meu braço com força.
- ME SOLTA! POR FAVOR, ME SOLTA!
Ele puxa o meu cabelo, me fazendo gritar de dor e quando eu menos espero ele está me pressionando contra uma árvore.
- Você é tão gostosa, boneca. Não vejo a hora de te comer.. Porra!
Ele ri de satisfação enquanto suas mãos se apressam em rasgar com bastante facilidade a parte de cima do meu vestido, deixando meu sutiã à mostra.
Eu sequer consigo me mover em seus braços, e isso me deixa ainda mais desesperada, sem conseguir parar de gritar.
- Por favor, não faz isso... - Suplico chorando, tentando bater em seu peito para o afastar, mas ele não parece se deixar abalar e começa a levantar a parte debaixo do meu vestido.
- Ah, que calcinha mais bonitinha... não vejo a hora de arrancar ela do seu corpo!
De forma rápida e violenta, ele me vira de costas para si, me empurrando com força contra a árvore. Ele aproveita para segurar meus braços atrás do meu corpo, onde o mesmo está se esfregando.
A madeira da árvore é dura e deixa alguns cortes em meu rosto, assim como meus joelhos que arranham.
- Bom, deixe-me ver...
No momento em que ele solta meus braços para levantar o meu vestido e pôr a mão sobre a minha bunda, eu vejo uma chance de o impedir. Com toda a minha força eu ponho minhas mãos sobre o tronco da árvore e impulsiono o meu corpo para trás. Pelo susto, ele cai para trás e é quando eu vejo uma chance de ter vantagem.
- Seu filho da puta!
Pego uma grande pedra no chão e atiro contra o mesmo, na sua cabeça. Instantaneamente ele cai deitado, com sangue saindo da sua cabeça. Eu fico encarando o seu corpo imóvel por vários segundos, em completo choque.
Ele está morto? Eu o matei? Eu...
Olho para as minhas mãos machucadas, sentindo uma pontada na minha cabeça por saber que acabei de matar alguém. Mesmo tendo sido para me defender... Eu não quero carregar a culpa da morte de alguém.
Não... por favor, não faça isso comigo. Eu não aguento mais..."
E foi assim que eu comecei a correr até aqui, sem sequer diminuir o ritmo.
Quando olho para o meu reflexo no espelho, eu não consigo me reconhecer. Essa não é a mesma Emma de antes e sinto que estou morrendo aos poucos nesse lugar. Eles disseram que não iriam me machucar e que eu poderia ir embora se eu me comportasse, mas até que esse dia chegue... não vai sobrar mais nada de mim. Não vou ter mais porque lutar.
Viro-me rapidamente na direção da porta do quarto, que se encontra fechada. Por um segundo tive a impressão de que alguém estava lá me observando, o que me faz questionar sobre a minha sanidade.
Após limpar minhas lágrimas, vou para o banheiro onde tiro minhas roupas íntimas e logo vou para debaixo do chuveiro, distraída pelos pensamentos assombrosos.
Eu não sei como me sentir ao certo. Estou com medo, atormentada e enojada, porém há um outro sentimento em meu peito que não consigo identificar. Ele é mais caloroso que os outros, e me dá uma sensação de alívio, quase como um bálsamo em meio a tanto caos.
Quando eu saí do banheiro com uma toalha envolta no corpo, congelei ao ver Pedro sentado na beira da minha cama, encarando as próprias mãos distraído.
- O que está fazendo? - Perguntei pressionando o tecido da toalha contra o meu corpo, sentindo medo de que ele tivesse vindo para vingar o que prometeu caso eu não chegasse em uma hora.
Porém ele apenas levanta o seu olhar na minha direção, me lançando um olhar que não se parece em nada com aquele vazio que me atormentava. É quase como se pela primeira vez ele está deixando que eu enxergue algo nele além de impiedade.
- Avisaram que te viram correndo e acharam um homem desmaiado no caminho até aqui.
Arregalo os meus olhos de repente me sentindo ansiosa.
- Desmaiado? Ele não está morto?
Ele ergue a sobrancelha com a minha pergunta.
- Não, ele não está morto. Está nesse exato momento sendo levado para uma cela de tortura.
Cela de tortura? Meu Deus, o quão longe ele pode chegar? Por que diabos ele tem um lugar assim? E pensar que eu poderia me sentir segura aqui... eu estou exatamente no ninho do perigo.
- Vai me dizer o que aconteceu?
Estremeço com a sua pergunta, me lembrando da sensação repugnante que foi das mãos daquele homem em meu corpo.
- Eu não quero falar sobre isso. - Digo indo rapidamente até o meu guarda-roupa, decidida a pegar minha roupa. - Você disse que se eu chegasse a tempo você não iria fazer nada comigo, não é? Então vai embora do meu quarto, eu quero me vestir!
Pego um vestido preto qualquer, mordendo o meu lábio para não revelar o quanto estou mal com essa situação. Eu já entendi que ele está no controle da situação, e por isso quero ele longe de mim, mas não vou deixar que ele brinque comigo.
- Não vou sair enquanto não me disser o que aconteceu.
Ele se levanta e se aproxima de mim, porém corro até o banheiro, trancando a porta logo em seguida.
Respiro fundo enquanto ouço ele bater na porta.
- Olha, eu estou falando sério, caralho! Quero que me conte o que aconteceu, assim vou achar um motivo para torturar ele! E Mia está surtando preocupada com o que te aconteceu! - Ele diz do outro lado da porta, mais calmo que o normal, o que é surpresa para mim, pois parece que ele está tentando acalmar a situação.
Mas não importa quanto tentem... Nunca vão conseguir parar a tempestade em meu coração, e nunca vou me dispor a perdoá-lo pelo que fez comigo.
- Eu machuquei minha cabeça por sua culpa. Eu só aceitei carona daquele homem porque você me ameaçou... ameaçou até de me abusar. Eu... não... quero... falar com você. Você é um infeliz e quero que apodreça no inferno. - Digo calmamente deixando transparecer o ódio em meu peito.
Eu consigo ouvir a sua respiração, e até esperava que ele chutasse a porta, porém tudo o que fez foi me deixar com essas palavras como aviso:
- Vai se arrepender por essas palavras.
Não há palavras para descrever o quanto estou dolorida e traumatizada. Eu quero gritar, chorar, colocar esse sentimento para fora de alguma forma, porém até que tudo isso passe, eu não quero sair desse quarto ou falar com qualquer pessoa.
Até lá... quero ficar encolhida nesse banheiro, no chão e chorando, pensando numa forma de consertar o que talvez não tenha conserto.
O meu coração e agora o medo que carrego da noite.