Minha boca está seca e meu corpo está suando quando eu me forço a abrir os olhos, sentindo uma estranha fraqueza. A lembrança dos três homens na porta do meu quarto me deixa momentaneamente em frenesi. Por mais que na minha cabeça tudo esteja confuso, eu lembro perfeitamente do olhar de um deles... eles estavam tão vazios em comparação aos outros. Essa imagem ficou gravada na minha memória de forma que eu a sentia latejando.
- Podemos simplesmente ficar com a casa. Tenho certeza que será um bom investimento.
Meus olhos se abrem em desespero quando ouço uma voz que havia pensado fazer parte apenas de um sonho ou pesadelo. Meu coração errou uma batida quando eu despertei da imersão dos meus pensamentos e percebi que estava no banco de trás de algum carro. Eu forcei meus olhos a enxergar algo, já que tudo o que posso contar como iluminação é a luz da lua e uma lâmpada fraca que estava acendida na frente da minha casa. Isso de certa forma me aliviou, pois eu tive a certeza que não estava longe.
Eu estou sendo sequestrada? Aqueles homens foram reais? O que está acontecendo?
Mesmo na penumbra da noite, eu consegui ver um daqueles homens que havia aparecido de repente em meu quarto, logo ao lado do carro, discutindo algo com o homem que conheço como pai, que parece estar desesperado. Mesmo que um pouco tonta por conta da confusão que se encontra na minha mente, eu pus a mão na porta do carro a procura pela maçaneta. Não entendo o porquê de eu estar aqui, mas se for mais um dos problemas que o meu pai está metido... talvez ainda haja uma chance de eu conseguir sair daqui.
- An-ham!
Saltei assustada ao perceber que o som vinha de mais perto do que eu esperava. Ao olhar para frente me deparei com dois olhos na minha direção, refletidos no retrovisor do carro. Por conta da escuridão eu não pude perceber a sua presença. Mesmo agora, finalmente notando, a pressão em meu peito se torna tão intensa que por alguns segundos eu esqueço de respirar.
- Se eu fosse você eu não faria isso. Mesmo que tente, a porta está trancada. E mesmo que não tivesse, o meu amigo do lado de fora é muito nervoso e está com uma arma em mãos; - Ele diz como se não fosse nada, com um tom até divertido. Aperto minhas mãos uma na outra numa forma de conter meu corpo trêmulo. - Eles estão fazendo um acordo. Vai ser mais divertido ficar aqui comigo.
- Q-Quem são v-vocês? - Pergunto com os lábios trêmulos sentindo uma sensação de medo invadir o meu peito. - C-Como assim acordo? Que tipo de acordo?
O que o meu pai poderia estar querendo com esses homens? Por que eu estou dentro do carro com um deles? E o que ele quis dizer com "garantia"?
- Você se chama Emma, não é? Eu me chamo Enzo, é um prazer te conhecer.
Ele vira o seu rosto na minha direção, me lançando um sorriso "simpático". Ele fica alguns segundos me encarando. Esse homem que se apresentou como Enzo, está usando um boné que praticamente esconde seus olhos, mas é possível notar algumas mechas loiras escapando do chapéu.
Pode ser estranho, mas esse gesto fez meu corpo parar de tremer.
- Por que eu estou aqui dentro? Eu quero sair.
Minha voz pareceu um sussurro, porém tive a certeza que ele conseguiu entender, pois o mesmo assentiu voltando a olhar para frente com um olhar mais sério.
- Nosso chefe está te esperando. Ele gostou de você.
Arregalo os meus olhos, me sentindo ainda mais encabulada e amedrontada. Isso é realmente um sequestro, meu Deus! Por que o chefe dele gostou de mim, estão me levando a força? Quando eu paro para pensar... lembro dos olhos vazios daquele homem, e não parecem ser nada parecido com nenhum desses dois. Seria ele o chefe que esse Enzo está falando?
- Negócio fechado!
O meu coração deu um salto quando a porta do passageiro se abriu e o mesmo que estava lá fora apareceu. A luz do interior do carro se acendeu e eu pude ver suas características. Ao contrário de Enzo que parecia estar se escondendo, eu pude ver claramente a sua aparência. Ele é um homem alto, com cabelo castanho, piercing na sobrancelha fora algumas pequenas tatuagens e um sorriso sugestivo de orelha a orelha. Eu tremi novamente, recuando em meu banco ao lembrar que segundo o seu amigo, ele possui uma arma.
Enzo o respondeu com um "Ótimo" e logo o seu olhar foi direcionado a mim, mantendo o mesmo sorriso.
- Então temos que levá-la... Ela até que é fofa. - Ele murmura fazendo que um arrepio percorra a minha espinha. - Inclusive o meu nome é Lucas.
Ele me lança uma piscadela e eu suspiro, olhando através da janela do carro me sentindo desesperada. Eles realmente vão me levar?! Por que o meu pai não está fazendo nada? Por que está apenas de frente para mim com a cabeça baixa?
- Olha, por favor. Eu não sei o que está acontecendo, mas se ele tiver arrumado briga com vocês ou algo do tipo, não podem apenas reconsiderar? Se for alguma dívida eu tenho juntado algumas economias e posso trabalhar apenas para pagar, mas por favor... me deixa sair daqui. Não façam nada comigo, eu prometo que não conto para ninguém sobre isso. Por favor... - Murmuro entre as lágrimas, sentindo um medo que eu nunca tinha sentido antes.
Em qualquer situação eu estaria controlada, como de costume, mas tratando dos meus medos eu ajo com uma criança. Me descontrolo quando o assunto é sentimentos.
O que se apresentou como Lucas parece não se importar com minhas súplicas, enquanto Enzo desvia o olhar, ainda mais sério.
- Você tem dez mil reais em mãos, princesa? - O homem do piercing pergunta e eu arregalo os meus olhos, prendendo a respiração. - Pois bem, eu imaginei. Sinto muito, mas recebemos ordens para cobrar uma dívida do seu pai. Ele não tem dinheiro, portanto temos que levar algo como garantia. Você entende, não é?
Garantia? Eu? É por isso que o meu pai não está fazendo questão de me tirar daqui? Olho mais uma vez para janela, sentindo lágrimas inundarem meus olhos enquanto o homem entra no carro, fechando a porta.
- Pai, por favor! Me tira daqui!
Bato na janela, tentando abrir a porta, mesmo sabendo que está trancada.
- É inútil.
- PAI! Por favor... por favor, não deixa eles me levarem!
Ele continua de cabeça abaixada e a dor em meu peito só aumenta. Mesmo quando ele deixou de ser o pai que era, eu não tinha sentido essa sensação de abandono avassaladora. Quando o carro começou a andar e eu o vi se afastar do meu campo de visão junto com a casa na qual eu fui criada, eu senti algo como uma facada no coração. Ele estava sangrando por dentro enquanto eu chorava. Enzo que ainda dirigia parecia estar fazendo o máximo para ignorar e até mesmo não parecia gostar disso, enquanto Lucas ficava apenas dizendo que não tinha motivo para entrar em desespero que nenhum deles iriam me tratar mal caso eu me comportasse.
Eu nunca me importei realmente com a minha vida e sempre pensei que se eu deixasse de viver, talvez a sensação de vazio e dor em meu peito cessasse. Porém agora nessa situação, eu não quero morrer! Eu sequer consegui abrir a carta que a minha mãe escreveu para mim antes da sua morte. Eu nunca tive coragem... sempre pensei que minhas mãos estavam manchadas com o seu sangue e que eu não merecia. Mas agora... eu não posso morrer! Não quero que eles me usem, me matem e depois jogue o meu corpo no mato. Ver isso na televisão sempre me amedrontou e agora eu sequer estou conseguindo falar.
Quando eu cessei o choro e olhei em volta, percebi que estávamos indo para uma direção fora da cidade, adentrando numa floresta. O meu corpo ainda estava trêmulo e minha mente confusa, mas consegui raciocinar um pouco melhor para manter a calma.
Se eu sou a garantia de que uma hora meu pai vá pagar, eles não podem me matar. Porém não posso garantir que não me machuquem, e não consigo mensurar o tamanho do meu desespero ao pensar sobre isso.
Quase uma hora se passou, comigo calada no banco traseiro, pensando em diversas formas de fugir quando o carro parou na frente de uma casa. Mesmo na situação desesperadora, eu não consegui evitar de me sentir impressionada. A casa é enorme, de madeira carvalho e tijolo. Eu nunca pensei que essa combinação pudesse resultar em algo tão bonito até ver esse lugar. Mas nem mesmo isso foi capaz de conter meu medo.
Lucas abriu a porta e me tirou do carro com certo cuidado, analisando o meu rosto inchado por conta das lágrimas. Eu permaneci calada, entorpecida pelo dano causado na minha mente. Eu ainda estava com medo pelo fato dele possuir uma arma, porém ele apenas sorriu.
- Não estamos acostumados a aceitar pessoas nessas situações, só para deixar claro. Ninguém vai te fazer mal se você agir corretamente. Não se preocupe, eu tenho cara de mal mas eu não mordo. Apenas torça para que o seu pai arrume um jeito de pagar a gente. Mesmo sendo apenas dez por cento do valor, aceitaremos deixar você livre, contando que ele pague todo mês até quitar a dívida.
Dez por cento do valor... Mil reais por mês! Se já não tínhamos para nos sustentar direito, como ele vai conseguir pagar mil reais por mês?! Alguém como ele não tem nenhum contato além das prostitutas!
- Deixa ela em paz, Lucas. Só vamos levar ela lá para dentro.
Enzo apareceu ao meu lado e Lucas se afastou, levantando os braços como se fosse culpado de algo. Por mais que eu odeie isso, se o que esse Lucas me falou for verdade, eu não preciso sentir tanto medo e apenas torcer para que o meu pai faça algo.
- Vamos.
Enzo segurou o meu braço e me puxou com ele para frente da casa, onde subimos dois degraus e nos deparamos com a porta de entrada.
- Não tente fugir, há homens armados por todo canto ao redor da casa. - Enzo sussurra enquanto abre a porta e me lança um sorriso fraco.
Quando a porta se abre, eu consigo ouvir vozes do que parece ser pessoas discutindo. Mesmo o interior parecendo enorme e espaçoso, quando eu dou o meu primeiro passo para adentrar a casa, sinto uma pressão enorme em meu peito como se eu estivesse claustrofóbica.
No final da sala, uma garota loira que eu julgo ser da mesma idade que eu, está discutindo bravamente com uma garota um pouco mais velha, que está ao lado de um homem que se encontra de costas.
Ambas parecem não gostar uma da outra, e eu suspiro, me perguntando se elas passaram pelo mesmo que eu e agora já se familiarizaram com o local.
- Pedro, aqui está a garota. - Enzo diz e a briga entre as duas garotas cessam.
Ambas estavam me encarando de forma curiosa, e o homem alto que estava de costas se virou na minha direção.
Eu prendo a respiração ao perceber que esse é o dono daquele olhar vazio. Ele também estava no meu quarto naquela hora! O que está acontecendo?
Um arrepio percorre o meu corpo quase que imediatamente quando nossos olhares se cruzam. A mesma sensação de impiedade atravessa o meu peito e por um segundo eu esqueço de respirar, embriagada por aqueles olhos tão frios que o mundo ao meu redor para por alguns segundos.
O seu rosto é estranhamente familiar para mim, mesmo se tratando de um desconhecido... Seus braços revelam várias tatuagens e o seu cabelo é da tonalidade preto, o mais escuro possível. Algumas mechas caem sobre o seu rosto e eu poderia até mesmo o admirar de longe se não fosse por essa situação.
No canto dos seus lábios, eu notei um sorriso se desenhar enquanto me encarava. Isso sim foi malditamente arrepiante.
Quem é esse homem?