Ele nunca era de faltar trabalho, mesmo estando com ressaca, isso me cheirava algo estranho. Às vezes, ficava um pouco preocupado com a garota que ele tem que cuidar, sei que ele não tomava jeito, devia chegar em casa e fazer a maior barulheira, mas, ele sempre fala que acha Lucy era uma menina forte e que iria cuidar dela, dizia que parecia com a mãe, eu nem me intrometia nesses assuntos de família, mas, ele parecia uma pessoa boa quando estava comigo no trabalho, mesmo depois daquela notícia da morte da mãe da garota, aquilo foi um pouco estranho, mas, não sei se ele seria capaz de matar alguém.
Já eram dez horas da manhã, nem sinal de Rick. Iria ter que trabalhar sozinho e dar uma desculpa esfarrapada para Rose de que Rick não tinha vindo, não era muito difícil fazer isso... Logo depois que terminasse boa parte dessa pintura, iria mandar mensagem para o mesmo, informando que devia melhorar da ressaca e vir trabalhar no dia seguinte, senão eu o visitarei e darei uma bronca no mesmo.
[...]
Lucy On
A luz da lua clareava a noite lá fora, assim que amanhecesse iriamos partir. Zack não tinha nada para arrumar, mas, eu sim. O mesmo optou por me ajudar com as coisas, então sem demorar muito, pegamos a mala e começamos a colocar minhas roupas lá dentro. Eu estava ansiosa, Zack parecia estar assim também. A mala estava pronta, arrumamos bem rápido por sinal.
- Lucy, se você quiser, você pode morar lá em casa... - encarei Zack que se sentou na cama perto da mala. - Tipo, até esses problemas acabarem. Você me entende? Tem um quarto de hospedes lá, você poderia ficar.
- Zack é muita gentileza da sua parte. - respondi sorrindo. - Mas, eu não sei... Sua mãe ainda nem me conhece e vai achar que houve algo errado. Você já sabe sobre o que falar com ela, como tudo aconteceu?
- Eu vou contar a verdade, ela tá acostumada com tudo isso, lá na fundação tinha várias coisas esquisitas todos os dias. - me sentei ao lado dele na cama, enquanto o mesmo estava falando.
- Então se correr tudo bem, aceito sua proposta. - sorrio e fico um pouco corada.
- Eu não topei isso daí, não. - Veneno sibila em meu cérebro com uma voz tenebrosa.
Reviro os olhos, Zack fica meio confuso.
- O que houve? - pergunta o mesmo.
- É só o Veneno...
- O que ele disse? - Zack mostra um semblante curioso.
- Ele disse que vai adorar conhecer sua família! - menti e dei um risinho baixo.
- Blasfêmia! - diz Veneno em minha mente.
Zack também ri e parece que o mesmo ficou contente com aquilo, devia estar com muita saudades da família. Veneno havia feito uma grande injustiça contra o garoto, coitado. Ele se levanta da cama e olha para mim ainda com um sorriso nos lábios.
- Melhor irmos dormir... Amanhã temos que levantar bem cedo. - diz.
- É, amanhã será um dia e tanto! - me levanto também e o acompanho até a porta de meu quarto.
- Boa noite, Lucy.
- Boa noite, Zack... - ele sorri e eu retribuo, logo que ele sai, fecho a porta do meu quarto.
A mesma coisa da noite anterior acontece. Veneno sai de meu corpo por alguns segundos até eu vestir a roupa, depois ele entra novamente. Quando percebi, já estava de olhos fechados deitada em minha cama. A ansiedade me matava naquelas horas, mal conseguia dormir direito, virava para lá e pra cá na cama...
Estava imaginando como seria a casa de Zack, a família dele, a Fundação, todas essas coisas rondavam minha mente na mesma hora. Então foi ai que eu aleatoriamente lembrei do que Veneno havia falado na sala de aula: "ele fala que nem o meu chefe", abri meus olhos com rapidez.
- Que história é essa de "chefe"? - perguntei indignada.
Alguns segundos de silencio se passaram.
- O chefe que comanda todos, que são assim como eu. - respondeu Veneno. - Ele quer dominar o mundo junto com os outros e é capaz de nos encontrar mais cedo ou mais tarde...
- Você vai seguir as ordens dele?
- Se ele dominar o mundo, mata todos daqui, todos inclui você. - Veneno diminui sua voz com uma certa delicadeza, mas ainda continua rouca como sempre. - Gunn não vai encostar um dedo em nós.
- Você mudou de ideia sobre o meu mundo?
- Mesmo eu tendo entrado em corpos inúteis, encontrei o seu e isso me proporcionou momentos bem divertidos... E além do mais, aqui no seu planeta, eu sou invencível e poderoso. - sinto algo estranho em meu corpo, uma dor em minha barriga.
Veneno estava se formando fora da minha pele com sua face amedrontadora, uma cabeça escura com uma boca larga cheia de dentes afiados e olhos brancos surgiu.
- Lá no meu, era apenas mais um, inútil e sem importância.
- Eu acho que você se empolgou um pouco... - minha expressão mostrava um pouquinho de medo, era a segunda vez que eu o via desse jeito, sua verdadeira identidade.
Veneno riu mostrando seus dentes pontiagudos bem próximos do meu rosto, senti um cheiro forte de sangue vindo de sua boca, aquilo me deu enjoo.
- Afasta esse bafo pra lá! - empurrei sua cabeça.
- Eu não tenho bafo! - reclamou Veneno um pouco irritado com o comentário, mas, depois soltou uma risada, achei assustadora, típico.
- Você devia escovar os dentes de vez em quando... - rio também.
Veneno olha para mim por alguns segundos. Percebo que o mesmo não é tão assustador assim, logo me acostumo com sua aparência, afinal, iriamos estar juntos pra sempre, a não ser que ele largasse minha carcaça quando eu morresse e entrasse em outro corpo. Aquilo perfurou minha mente como uma bala.
- Você não vai me largar, né? - a pergunta surge rapidamente junto com meu semblante um pouco entristecido, mesmo que ele saiba dos meus pensamentos, acho que teria mais certeza se perguntasse cara a cara.
- Você tá brincando, só pode! - Veneno respondeu sendo irônico. - Você acha que irei largar uma molenga, baixinha e teimosa? Somos iguais Lucy, somos infinito.
Suspiro alto com o alivio.
- Agora é hora de crianças dormirem... - continuou Veneno sendo brincalhão. - Vai querer que eu cante uma canção de ninar também?
- Cala a boca! - ri e revirei os olhos.
Veneno começa a se deformar e entrar em meu corpo novamente, fazendo com que a gosma preta desaparecesse. Ele não disse mais nada durante aquela noite, eu virei de lado e fechei os olhos esperando o sono vir. A ansiedade não perturbava mais os meus pensamentos, até tinha esquecido um pouco da viagem e de Zack.
Sem ao menos perceber, já havia caído no sono e isso só durou alguns segundos para o despertador tocar. Sinto meu braço ir em direção ao mesmo em cima da cômoda, desligando o na mesma hora, ainda nem tinha me mexido porque era Veneno que havia feito isso.
- Levanta daí preguiçosa! - Veneno empurra meu corpo em direção ao chão, o que me faz bater de cara e soltar um gritinho aterrorizado.
- Bom dia pra você também seu estrupício. - minha voz sai toda abafada e baixa, pois minha boca esta amassada contra o chão, assim como meu rosto todo.
Me levanto do chão depois de alguns segundos.
- Se sua cabeçona aparecesse aqui agora, iria levar um soco nessa sua cara! - falo com raiva andando em direção ao meu guarda roupa, havia preparado uma só peça de roupa para viajar.
Deduzi que iria fazer frio naquela manhã, já que no dia anterior estava assim também. Tirei a blusa do meu pijama, ficando sem nada para cobrir a parte de cima do meu corpo, logo Veneno se pronunciou.
- Ainda bem que parou com essa palhaçada... - bufou.
Veneno só me fazia revirar os olhos, esse coisinha já começa a me irritar logo de manhã. Sem me importar muito coloquei o sutiã e uma blusa de manga comprida, logo depois coloquei o moletom por cima. Retirei minha calça de pijama, coloquei a calça jeans.
Por fim, coloquei uma bota de inverno de cano curto, marrom clara. Antes de sair do quarto passei no banheiro para fazer minha higiene matinal, não demorou muito. Penteei meu cabelo, estava todo bagunçado.
Peguei minha mala no canto e abri a porta do meu quarto e sai em direção ao do meu padrasto onde Zack estaria dormindo no caso, fico surpresa pois não achei ninguém por lá. Vou até a cozinha, ouço barulhos vindo de lá, ao chegar vejo Zack preparando alguma coisa, o cheiro chegou em minhas narinas, nem sabia o que era.
- Gostei do seu empregado novo. - Veneno fez uma piada e riu.
"Tenha respeito, V...", pensei.
- O que está fazendo? - perguntei dando um sorriso e caminhando até o mesmo, estava de costas para mim.
- Tô preparando dois pães com bacon e ovo pra gente, é o que tem na geladeira. - Zack olha para mim por cima do ombro e ri.
Vejo que o mesmo está passando manteiga no pão, começo a ajuda-lo pegando os copos e despejando refrigerante nos mesmos. Sento na cadeira e fico esperando Zack terminar, o mesmo coloca os pães num prato e começamos a comer, nem tão depressa, a ansiedade podia esperar. O trem só saia oito horas.
[...]
Já estava na rua ao lado de Zack, coloquei o dinheiro em uma bolsinha separada que eu estava carregando junto com a mala, estávamos fazendo sinal, um táxi logo para perto da calçada. O motorista vem até mim e pega minha mala para pôr no porta-malas, eu agradeço à ele. Abro a porta do carro e eu entro na frente, Zack entra atrás logo em seguida. O motorista fecha o porta-malas e entra também. Ele vira para mim.
- Pra onde vocês querem ir? - pergunta arrumando o bigode no rosto.
- Para a estação de trem mais próxima daqui. - respondo com um semblante sério.
O homem mexe a cabeça em afirmativa e aperta no acelerador. O carro começa a andar. Passamos pelas ruas, eu olhava pela janela enquanto tocava uma música popular no rádio. Veneno também estava quieto, devia estar pensativo sobre o que iria acontecer quando chegássemos ou pensando em qual pessoa era mais saborosa que passava na rua...
Era muito bom pensar que meu mundo iria ser totalmente diferente depois daquele dia, talvez eu nem volte mais naquele apartamento. As coisas vão ser melhores daqui pra frente, não irei sofrer mais, vou seguir honrando a minha mãe, dando uma lição naqueles que cometem o mal. Às vezes fico pensando, em ser uma super-heroína, combater o mal aqui na cidade e por aqui perto... Estava me dando uma vontade de ouvir uma música do meu celular, mas, lembrei que o mesmo tinha estragado, culpa do Veneno.
- Você que deixou o celular cair em algum lugar lá na rua. - falou o mesmo irritado.
Tinha esquecido que o estressadinho podia ler meus pensamentos.
"Você tem que ver o meu lado também, tomei um sustão quando você apareceu..."
Eu e Veneno começamos a conversar bobeira mentalmente que nem percebi as horas passarem. O carro parou e o motorista me encarou.
- Já chegamos... - informou ele. - São vinte e quatro dólares.
Tirei o dinheiro da bolsa e entreguei para ele, agradecendo novamente. Zack e eu saímos do táxi. A claridade invadiu meus olhos, o motorista foi pegar minha mala. A estação era bem grande, havia muitas pessoas lá, uma multidão andando pra lá e pra cá, entrando e saindo, aquilo era novo pra mim, nunca tinha visto algo assim antes. Meus olhos brilharam, o motorista me devolveu a mala e eu agradeci. Encarei Zack, o mesmo também parecia deslumbrado. Em mais algumas horas, já estaria em Manhattan, a minha ansiedade só aumentava.