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"... Nós apenas queríamos mais um dia para curtir, entende?" questionei e ela assentiu. "E então, a bagunça começou no momento em que James perdeu as passagens!"
Eu explicava a confusão com bastante animação para a garota sentada na poltrona ao meu lado, ela me parecia legal, e devido ao tédio, era a única distração naquele avião.
E que distração, meus amigos!
"Então você tem uma boyband?" "Ela questionou meio desinteressada, pude ver isso em seus olhos, apenas assenti sem ter o que dizer."
Quando acordei, respirei fundo – ainda de olhos fechados – e me preparei para surtar... Merda! Era a terceira vez naquele mês que eu sonhei com aquela criatura grotesca e cheia de arrogância... nunca estive tão frustrado!
Para piorar, quando abri meus olhos e me deparei com as cortinas escancaradas em minha frente, eu só quis me encolher e chorar em posição fetal por não ter um único dia de paz. A luz que entrava, vinha forte e eu quase não podia enxergar, pois para a minha alegria, sou sensível à claridade e tem um infeliz que ao acordar, faz questão de abrir as cortinas desse cubículo todo santo dia.
"A Bela Adormecida acordou!" Jin exclamou. Ele entrou no quarto bem a tempo de me ver levantar, me encarou dos pés até a cabeça, respirou fundo e voltou a falar: "Acho melhor você correr, tomar um banho e tirar essa cara de sono, se você não se esqueceu, temos uma sessão após o almoço... você ainda se lembra?"
"É claro!" comentei com um tom desgostoso.
Como se eu pudesse esquecer com esse pé no saco me avisando há cada 15 minutos, não é mesmo? Eu pensei, Henkel deu de ombros e eu revirei os olhos, o dia mal começou e já estava tão de saco cheio...
"Depois de encher a cara ontem, eu duvidei que você sequer fosse capaz de acordar, quanto mais lembrar-se de seus compromissos." Jin respondeu, e notei que de certa forma, ele estava tentando me alfinetar.
Jin Henkel é o mais velho do grupo, tem quase 27 anos, e embora parecesse perfeito, seu defeito era justamente esse: tentar provar para Deus e o mundo que era o mais correto de todos, e que andava sempre na linha... mesmo que todos nós soubéssemos que não era bem assim, e que o buraco era muito mais embaixo. Eu ri, se me perguntassem por qual razão, minha resposta seria o silêncio, porque eu não poderia expressar o que gritava no meu coração sem atingir todas as minorias nesse processo.
"Isso explica essa dor de cabeça..." disse como se não tivesse notado o quanto ele estava me torrando a paciência.
Só que de verdade, eu estava de ressaca, tinha a cabeça pesada e só conseguia pensar em como ficaria super disperso quando chegasse a hora da sessão. Jin sorriu, afinal, aqueles episódios eram completamente comuns e se eu esquecece de algum compromisso após exagerar na bebida, ninguém ficaria surpreso, da minha parte, já era de se esperar.
Quando o castanho desapareceu da minha vista eu segui para o banheiro, nós morávamos os 7 apertados naquele lugar, mas o pior de tudo era o fato de ser obrigado a dividir o único banheiro com aqueles caras. Quase não ficávamos ali - exceto quando as turnês acabavam e recebíamos alguns dias de folga para "descansar" e visitar nossas famílias -, além de tudo isso, devido os episódios com fãs enlouquecidos, aquela era a única opção segura que a agência estava disposta a oferecer.
Meus pais não gostavam da ideia de ver o filho que eles criaram com tanto carinho vivendo em um ambiente tão apertado, mas sinceramente, eu faria qualquer coisa pra me livrar daquelas paredes vazias, e no final das contas não era tão ruim assim. Salvo pelas discussões que costumavam acontecer em vários momentos diferentes do dia, eu até podia dizer que nós vivíamos em paz...
"James!" bati na porta com os punhos cerrados. "Eu quero mijar, porra, sai daí!"
Gritei, chutei a porta com violência, mas não tinha jeito, se aquele cara entrasse no banheiro ele ficaria lá pelo tempo que achasse necessário e que se foda todo mundo!
"Nossa, quanto nervosismo." disse James, com um ar de ironia, quando abriu a porta do banheiro. "Pode ir agora, cara."
"Filho da mãe!" resmunguei antes adentrar o banheiro.
Fechei a porta só para me arrepender no mesmo instante, quando resolvi prender a respiração, já era tarde demais... Não tinha a menor ideia do que aquele cara estava comendo, mas precisava confessar que ele estava podre, vencido... eu nunca vi, e depois de quase morrer intoxicado, consegui jogar um spray no ar e me sufocar com aquele cheiro maravilhoso de lavanda. Liguei o chuveiro e quando a água atingiu meu corpo, esperei que de alguma forma eu conseguisse me curar daquela ressaca, porque seria difícil.
Inevitavelmente eu voltei a pensar naquela doida, estava sendo perturbado por aqueles sonhos durante a noite, e de dia, não conseguia tirar aquela sem educação da minha cabeça e até pensei em encontrá-la novamente, embora aquela ideia tenha sido descartada por mim alguns instantes mais tarde. Não seria possível, afinal, eu sequer sabia o seu nome, o seu rosto era um borrão na minha mente, e por isso, eu me recusei a acreditar que estava apaixonado por ela...
Desliguei a água rapidamente e me enrolei na toalha tentando afastar aqueles pensamentos imbecis da mente, eu tinha um longo e tedioso dia pela frente, não podia me dar ao luxo de ficar viajando na maionese e fantasiando algo que nem tinha certeza se era real. Me aprontei o mais rápido que pude, elaborando algumas questões para discutirmos mais tarde em uma reunião enquanto todos nós ficávamos prontos. Logo descemos de uma vez por todas, indo em direção a van que viria nos buscar.
No meio do caminho fomos atingidos por uma tempestade, o motorista dirigia tão devagar, que demorei certo tempo para me dar conta quando finalmente já estávamos diante do estúdio. Do lado de fora, a chuva ensurdecedora se fazia presente, imaginei que deveríamos ficar ali até que o tempo melhorasse – eu duvidava da capacidade de Jimi bagunçar o penteado que ele demorou algumas horas para terminar -, mas já estava morto de tédio e não havia nada que eu pudesse fazer para melhorar a minha vida.
Enquanto aguardava o desfecho daquela história, fiquei observando atenciosamente as gotas de chuva baterem contra o vidro do carro, enquanto as pessoas corriam para se proteger do aguaceiro que se formava. Todavia, apesar de toda aquela correria, meus olhos encontraram uma pessoa diferente correndo pelas calçadas com uma jaqueta ensopada sob a cabeça, tentando – e falhando miseravelmente – se proteger da chuva.
Sua altura era mediana, os cabelos castanhos eram longos e eventualmente grudavam no rosto enquanto ela corria desesperadamente para longe. Mesmo de costas, eu pensei, aquilo me era um tanto familiar, fiquei com isso na cabeça até que ela atravessasse a rua e cortasse a esquina, de cabeça baixa e com as roupas completamente encharcadas. Não vou mentir, me imaginei no lugar dela e não me senti bem, estava frio, e sem sombra de dúvidas aquela chuva me parecia dolorosa...
"Não tinham guarda-chuvas para todos, vocês vão de um por um..." ouvi o cara dizer. "Quem gostaria de ser o primeiro?" o manager questionou tirando-me de meus devaneios.
James levantou sua mão.
"Serei o último." Disse pensando na vantagem que eu teria se tirasse um cochilo de 10 minutos.
Até ali tudo bem, todos seguiram até a entrada do estúdio, só que na minha vez, antes mesmo que eu pudesse descer da Van, meus olhos encontraram aquela moça outra vez e eu só conseguia pensar que era o destino. Não consegui enxergar seu rosto, ela passou por mim com o cabelo pingando e a jaqueta no braço – em um determinado momento ela percebeu que não faria a menor diferença – e sem que ela pudesse notar, acompanhei, em passos lentos, até que ela entrasse na sala da Jane.
Eu sabia que ela era uma otária, mas aquilo era demais!
Tomei uma distância segura e fiquei esperando para ver que tratamento aquela moça receberia, vindo daquela vaca, suponhamos que seja o pior...
"O quê?" Jane gritou com os olhos arregalados. "O que pensa que está fazendo?"
A mulher respirou fundo, e eu tinha certeza que ela se esforçou muito para não revirar os olhos por conta daquela reação ridícula.
"O seu café, Jane!" entoou com uma voz robótica.
"Você está ensopada garota, vai molhar o chão da minha sala... Ryo!" Jane chamou o assistente em desespero. "Peça para alguém secar isso aqui, e você..." ela apontou para a moça. "Suma da minha vista, o Jacob está chegando, vá embora se secar... ai meu deus, eu não suporto mais isso!"
A voz de Jane trazia agonia, os gritos então..., mas aquilo não me tirou do sério, eu estava mais preocupado em ver o rosto daquela moça e matar de uma só vez a minha curiosidade. Só não imaginava que seria a mal-educada do avião, e naquele momento, eu só rezei para não deixar que minha expressão denunciasse o meu estado de choque. A cara dela não era a melhor, observei ela caminhar lentamente em direção a um armário, apanhou uma mochila seguindo rapidamente para o corredor da saída... foi nesse momento que eu entrei em desespero, coloquei um boné, corri e me apressei para alcançá-la.
"Você vai embora nesta chuva?" Perguntei ainda atrás dela. "Vai ficar doente!"
Ela pausou os passos e virou-se para me encarar, me olhou de cima a baixo e depois sorriu. Ali mesmo eu já tinha decretado minha morte, mas me mantive firme e esperei ansiosamente sua resposta.
"Você se importa?" foi o que eu ouvi sair de sua boca e abaixei os ombros decepcionado.
"Se não me importasse, acha mesmo que perderia meu tempo te fazendo essa pergunta?" Comentei ríspido, não era minha intenção, ainda assim, me sentia obrigado a responder aquela pergunta tão óbvia.
"Sim, estou indo embora debaixo dessa chuva" Lançou-me um sorriso falso e espremeu os olhos "... obrigado por perguntar!"
"Escuta garota, você já está péssima, vai mesmo enfrentar essa chuva?" perguntei e me aproximei um pouco mais, sei que estava tomando uma distância perigosa, ela poderia me reconhecer e tudo mais, só que eu gostaria que ela percebesse minha preocupação... "Quer dizer, você está disposta a ficar doente?"
Ouvi sua risada ecoar e embora fosse muito gostosa de ouvir, senti uma certa melancolia.
"Então seria a 4ª vez nesse mês." Explicou sem perder o humor, tinha um sorriso maravilhoso e eu pude constatar que era o mais bonito que vi em toda a minha vida. "Bom, estou de saída, mas obrigado pela preocupação!"
"Ah, mas não vai mesmo!" disse e segurei seu braço antes que ela saísse correndo. "Está muito frio lá fora..."
Nós estávamos tão perto que eu era capaz de escutar sua respiração descompassadas e o coração acelerado, quase saindo para fora do peito. Não sabia se por medo, ou pelo mesmo motivo que o meu também estava batendo tão forte.
"Eu não tenho medo do frio." A mulher respondeu friamente. "Pode soltar meu braço agora."
Eu soltei, mas não conseguia engolir que uma mulher daquele tamanho fosse tão teimosa, e se eu não pudesse fazer a menor diferença para aquele dia, minha vida não valia mais à pena. Meu coração estava doendo só pelo pensamento, não tinha ideia das razões que eu tinha para estar preocupado – eu até tinha, mas não iria dizer em voz alta –, me assustava a ideia de que ela ficasse doente por culpa dos caprichos da Jane.
Respirei pesadamente, tirei o moletom que estava no meu corpo e ofereci a ela.
"Tome!" disse e vi ela erguer as sobrancelhas em surpresa.
"Não, que isso, você não precisa..."
"Por favor cara, aceita essa merda!" insisti quando percebi que ela queria ceder.
"Olha, eu não quero incomodar." Ela começou e quando me viu revirar os olhos pela milionésima vez, acabou ficando perdida.
"Não é incômodo algum, não me importo em te dar essa roupa, eu tenho dinheiro o suficiente para comprar vários iguais a esse" rebati, mas parei de falar quando percebi que estava soando exibido demais "... o que eu quero dizer é que você precisa disso aqui muito mais do que eu, nesse momento."
Ela assentiu, mesmo contra sua vontade, talvez soubesse que não valia à pena fazer todo aquele drama e finalmente pegou o moletom da minha mão. Mesmo assim, não foi o suficiente para acalmar meu coração e eu não resisti ao impulso de oferecer o guarda-chuva a ela...
"Você está de brincadeira." Sorriu nasalmente e abaixou a cabeça sem conseguir crer no que estava acontecendo.
"Não, estou falando sério!" respondi imediatamente. "Fui o último a deixar a van, e digo mais, qual a utilidade de um moletom molhado?"
"Não precisava, eu não sei como agradecer." Ela comentou meio se jeito.
Vestiu o moletom e eu não me aguentei quando vi que estava muito grande no corpo dela, um sorriso tímido tomou seu rosto e então ela finalmente virou as costas e seguiu sem rumo. Assisti ela ir embora e quando a voz da Jane atingiu meus ouvidos eu quis morrer.
"Docinho!" chamou e imediatamente eu revirei os olhos. "É um prazer tê-lo aqui!"
"Infelizmente não gostaria de dizer o mesmo, mas a empresa tem regras e já que sou obrigado a seguir..."
"Não seja assim, nós dois sabemos o que acontece quando ninguém está vendo." Jane falou com um tom sugestivo, referindo-se às nossas trocas de favores.
"Sobre aquela funcionária." Comentei me aproximando furtivamente dela. "Por que a trata tão mal?"
"Você conhece?" Jane rebateu de cenho franzido.
"Não, de jeito nenhum." Menti. "Mas acho injusto você tratar um ser humano dessa maneira..., sim, eu vi tudo, Jane!"
"Ela não é tão competente como você está pensando, docinho..."
"Ah, é mesmo?" interrompi sua fala, ela bem que precisava ouvir umas verdades. "Diga isso para a moça que você mandou buscar café debaixo de uma tempestade!!!" comentei empurrando o seu corpo contra a parede. "O mundo dá voltas, nunca se sabe o que pode acontecer amanhã..."
Jane não conseguiu responder imediatamente, eu sabia como tirá-la do sério e obrigá-la a andar na linha, afinal, eu a tinha na palma da mão e não precisava ser muito inteligente para saber disso.
"Tudo bem" Ela começou e tocou meu peito. "Mas você sabe o que eu quero em troca, não sabe?"
É claro que eu sabia o significado de suas palavras, não havia motivos para ceder aquelas provocações..., mas por que eu estava tão tentado a fazer suas vontades só para proteger aquela mulher?
Não havia uma resposta mais óbvia, alguns instantes depois, lá estava eu, trancado dentro de uma cabine minúscula aos amassos com Jane. Não era capaz de entender como eu pude fazer aquilo, não conhecia aquela mal-educada e estava me vendendo para livrar a pele dela... sinceramente, me perdia toda vez que lembrava daquele sorriso, de certa forma, foi o que me ajudou a continuar, ainda que minha mente gritasse incessantemente que eu estava ficando louco.
"Aquela garotinha é muito mais importante do que imaginei." Jane alfinetou após separar seus lábios do meu.
"Você acha mesmo que eu vou cair nas suas provocações?" perguntei e mordi seus lábios para disfarçar o meu ódio. "Confesso que estava mesmo precisando de uma diversão e bem... você estava aqui, por que não?"
Me afastei abruptamente, passei os dedos na boca e tentei desamassar a minha roupa, coloquei a calça novamente e após me recompor, abri a porta só para dar de cara com Klaus. Ele estava sorrindo, assumiu uma expressão de confusão ao me ver e quando Jane apareceu atrás de mim, sua confusão se transformou em ódio. Não precisou pensar muito para adivinhar o que eu estava fazendo, conhecia ele o bastante parar saber que odiava a Jane. Porém, mais do que achava ser possível.
"Quando você vai tomar vergonha na cara?" Klaus entoou quando nos afastamos da produção.
"Oi, papai!" sorri com ironia e me preparei para caso fosse atingido por um soco, não aconteceu, então eu continuei: "Infelizmente não vou tomar vergonha tão cedo, aliás, não se meta na minha vida e eu não faço o mesmo, fechou?"
Klaus O'Connell - mais conhecido por KC -, era meu melhor amigo, além de líder do grupo. Costumávamos dar conselhos uns aos outros, porém, seu comportamento estava diferente e fazia muito tempo desde a última vez que foi um exemplo a ser seguido. Se eu era pior, o KC era um desastre, ninguém sabia o que estava acontecendo, a única certeza que tínhamos e todos concordavam, era a de que ele já havia perdido completamente o controle.
"Que seja." Ele se afastou de cara fechada. "A maquiadora está esperando por você."
Apenas concordei, o dia já estava um saco de qualquer forma, eu só queria que acabasse, era uma tortura trabalhar sem vontade, tudo me parecia monótono – talvez fosse culpa da Jane -, e o que me mantinha em pé além do ódio, era o pensamento de que podia acabar, que de maneira nenhuma duraria para sempre...
"Dá pra dormir enquanto você faz isso?" direcionei a minha pergunta a uma garota de cabelos verdes que organizava seus materiais de trabalho.
Ela não disse nada, apenas balançou a cabeça e eu praguejei até a 5ª geração dela.