Capítulo 5 Chuvas, sessões e um moletom azul.

"Docinho!" Ouvi a voz de Jane chamar. "É um prazer tê-lo aqui!"

Foi a última coisa que escutei antes de deixar aquele lugar de uma vez por todas, abri o guarda-chuva e fiz o que pude pra alcançar a estação de metrô o mais depressa possível. Estava triste, Jane parecia mais disposta a me humilhar a cada dia e eu continuava sem entender os seus motivos, por qual razão ela me odiava tanto...

Inicialmente eu não liguei, mas aquele constrangimento tornou-se tão frequente que mesmo eu, que fiz sempre de tudo para ignorar aquelas pessoas, acabei sem saída e agora não conseguia parar de pensar. Nos primeiros dias, nada disso era explícito, imaginei que seríamos todos amigos, só que ao contrário de tudo o que se passou pela minha cabeça, eram todos contra Jia e essa era a mais pura verdade!

Aquela chuva era muito forte, mas alguém acredita que isso foi o suficiente para impedir aquela cobra de me mandar até o outro quarteirão para buscar a porra de um café? Se sim, essa pessoa está completamente enganada. Além disso, tudo o que eu fazia estava errado, e do ponto de vista daqueles canalhas, eu não servia para nada. Diziam estar fazendo uma caridade mantendo o meu emprego, só que eu não podia abandoná-los naquele momento e simplesmente chutar o balde. A infeliz realidade, era que eu precisava de dinheiro, ao menos o bastante até conseguir o suficiente para me demitir... Por conta disso, precisava me submeter a toda e qualquer forma de humilhação.

Quando cheguei na estação, procurei um banheiro imediatamente, precisava tirar aquela blusa molhada e ao chegar, entrei em uma das cabines com a intensão de fazer tudo rapidamente. Tirei o moletom que o "docinho" havia me entregado e pendurei na porta, depois, tirei a blusa molhada e vesti o moletom novamente.

Não conhecia aquele cara, mas não conseguia deixar de agradecê-lo dentro da minha cabeça.

"Tão quentinho!" disse baixinho após sair do banheiro.

Quando cheguei no dormitório, estava vazio, como era de se esperar. Me joguei bruscamente sobre a cama, porém, minha folga não durou muito. Estava disposta a mudar minha rotina, ignorar o cansaço e focar nas aulas com a esperança de que ainda desse tempo para salvar o meu semestre. Sabia que no fim de tudo eu ia me ferrar, mas sonhar ainda era de graça.

Reuni todas as minhas forças para conseguir levantar, depois, tomei um banho bem quente e durante aquele momento de paz, rezei para que eu não ficasse doente. Estava frio, a água me trouxe uma sensação de alívio, mas não passou disso. Quando sai, tentei preparar meu psicológico para enfrentar o frio que estava prestes a envolver meu corpo - nosso aquecedor estava quebrado há cerca de 3 dias e ninguém aparecia para arrumar.

Corri na direção da cama e vesti minha roupa: 3 calças, uma por cima da outra, 5 meias para evitar que meu pé congelasse e mais algumas boas camadas de camisetas. Estava gradativamente perdendo peso, então todas as minhas roupas pareciam maiores, encarei o espelho e quando olhei melhor, percebi que tinha uma mancha de molho enorme no meu casaco.

"Merda!"

Procurei por um moletom, um casaco, qualquer coisa capaz de proteger o meu corpo do frio sem me fazer de chacota. Foi só virar os olhos na direção do cesto de roupas sujas que encontrei todos eles. Afinal, não era o meu dia de sorte, tirei aquela roupa e simplesmente coloquei o moletom que estava usando antes de chegar.

"Muito infantil." Disse enquanto encarava meu reflexo no espelho.

Era azul, e no centro, a ilustração de um copo com vários cubinhos de açúcar. Chacota, pensei, e caminhei até a mesa de estudos quando ouvi o barulho da chamada soar. Agradeci mentalmente, percebi que era Diana, eu estava péssima, sentia falta da minha família, e sobretudo, de conversar com alguém que pudesse me entender, como ela entendia...

"Você está passando fome?" foi a primeira pergunta que Diana fez ao me ver através da câmera.

Abaixei a cabeça sem jeito, pois não estava passando fome, a verdade é que não havia tempo para comer, independentemente de quanto dinheiro eu tivesse. Chegava do trabalho e ia direto para a aula, logo em seguida para a Lanchonete Chang's estudar com Jack – com uma rotina tão desgastante como essa, a única coisa que alguém consegue desejar é dormir e nunca mais acordar.

"Também senti sua falta." Respondi tentando ignorar sua pergunta. "Você sumiu!"

Diana não conseguiu disfarçar a expressão de choque e eu precisei ser muito forte para não desligar na cara dela, já estava ruim o bastante, não precisava ficar pior. Além disso, ela não sabia que eu estava trabalhando, eu inventei que fiz amizade com uma garota que tinha um estúdio e volta e meia ia visitá-la pra jogar conversa fora.

Se ela soubesse a verdade, eu ficaria tão envergonhada...

"Você bem que podia me visitar nas férias, garota, isso aqui é o paraíso!" exclamou com uma animação estranha.

Sorri abanando a cabeça, ela tinha um jeito engraçado, agora, seus cabelos negros estavam amarrados em um coque mal feito, trajava uma regata com uma frase indecente e a armação dos óculos parecia torta – provavelmente ela deixou cair de uma altura consideravelmente desastrosa – e um batom mate enfeitava sua boca.

Até que ela tinha um estilo autêntico, só que eu não conseguia parar de olhar para a regata.

"Di, se o Dante te visse com essa regata seria tão engraçado." Comentei divertida, mas ela provavelmente não daria uma foda para o meu comentário.

"Todas as partes indecentes estão cobertas... Bem... Acho que estão!" ela afirmou cínica. "Eu adorei o seu, esse desenho... Bem... Anh... Moderno!" Rebateu tentando trocar de assunto.

Olhei para mim mesma e depois para a câmera, o rosto começou a ficar vermelho e eu entrei em desespero sem saber o que dizer.

"Ah, eu... peguei emprestado com uma pessoa." Respondi rapidamente procurando algum lugar para esconder meu rosto.

Diana me lançou um sorriso malicioso e eu bem sabia o que ela estava pensando, imediatamente respirei fundo, arrependida por abrir minha boca com a intensão de me explicar...

"Eu posso comemorar?" Ela perguntou apreensiva.

"Ele não é meu namorado!" disse e no instante seguinte escutei sua gargalhada.

"Então é Ele?" entoou fazendo aspas com os dedos. "Era só um palpite, mas você entregou o jogo todo, Jia. "Qual é a desse carinha?"

Respirei fundo antes de falar:

"Eu não o conheço, tá legal?" comecei, mas nada que eu dissesse faria diferença para ela. "Tudo o que eu sei é que a Jane o chama de 'docinho', além disso, eu não consegui vê-lo direito para sequer estar apaixonada."

"Ele te emprestou um moletom por bondade?"

"Estava chovendo, Di. Passei no estúdio para me proteger da chuva e ele se recusou a me deixar ir embora enquanto não aceitasse a ajuda."

Diana perguntou novamente uma série de coisas, eu estava cansada e tentei resumir o máximo que pude, e enquanto explicava, percebi que a situação não era normal. O tal "docinho" só podia ser doido, pensei analisando os acontecimentos. A partir disso várias paranoias atingiram a minha cabeça e eu só conseguia pensar no que ele estava a ganhar com isso.

"Uma ajuda do universo, talvez?" Di argumentou pouco antes de desligar.

Fiquei o resto da tarde pensando a respeito, até finalmente me cansar, fechei os olhos e quando acordei procurei o celular em desespero, mas para a minha sorte, faltavam alguns minutos para a primeira aula. Peguei a bolsa e sai correndo, simplesmente atropelando todos os alunos nos corredores até chegar no lugar onde costumava encontrar Jacob.

"Eu não acredito nisso!" ele disse no instante em que me viu. "Você é incrível!"

"Do que você está falando?" perguntei confusa.

"Jia, não tem noção da confusão que esse moletom causou ao dono dele!" Jacob explicou.

Contou-me que cada membro do grupo havia recebido algumas peças de roupa, e que aquele cara, quase deu um tiro no próprio pé quando sumiu com a dele. Aquele moletom pertencia à coleção de uma marca muito famosa e que eu não deveria estar usando antes que fosse lançada, só que o problema não era meu...

"E você tem certeza do que ouviu?" perguntei pelo que pareceu a milésima vez aquele dia.

"Me chame de qualquer coisa, vamos lá." Jacob resmungou. "O maldito do Cooper parecia até apaixonado, sinceramente, eu não sei o que deu na cabeça dele..."

Apaixonado, era a última coisa que eu esperava escutar.

A verdade mesmo era que eu achava impossível de acreditar que alguém como aquele cara fosse capaz de olhar pra mim com outro sentimento além de desprezo. Talvez eu até tenha problemas relacionados à autoestima, e por isso não conseguia engolir aquela novidade. Não, de jeito nenhum, ele foi bondoso e apenas isso.

"Você com certeza está viajando na maionese, Jack!" disse após algum tempo. "Amanhã resolvemos isso e eu peço para Jane entregar o moletom dele."

Jack deu de ombros, o que se podia fazer aquela altura do campeonato, além de sentar e chorar?

            
            

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