Decidiu seguir até o shopping center mais próximo, não queria deixar nada para depois.
Enquanto observava uma vitrine que refletia sua imagem, Alice percebeu que seus belos olhos azuis estavam brilhando depois de muito tempo. Ali, em frente aquela loja, determinou que não seria mais tão covarde a ponto de tentar tirar sua vida novamente e nem fugiria mais de Khalil.
Sabia que ele jamais lhe daria o divórcio e que somente a morte poderia separá-los, mas nenhum dos dois seria capaz de matar um ao outro, porque apesar de toda a loucura de seu marido e dele feri-la de muitas formas, o amor dele não seria tão cruel e seu ódio não seria tão piedoso para acabar com aquele sofrimento.
Talvez, em curto prazo, a solução seria tentar conviver com ele e lhe dar uma chance para que provasse sua mudança.
Ele estava sóbrio nos últimos meses, não a esbofeteou de novo e não a forçava mais a deitar-se com ele desde o dia em que ela disse que o repugnava e sentia nojo dele numa briga havia uns quatro meses.
Talvez ele realmente estivesse tentando voltar à sanidade e estivesse sinceramente arrependido de tudo o que a fez passar. Por que não um voto de confiança? Uma dose de esperança? Afinal, se considerava uma mulher cristã e acreditava na instituição do casamento.
E mesmo que em seu destino estivesse escrito coisas piores, ela iria lutar até o fim. Até o amargo fim. Iria lutar até cair.
"Eu encontrei meu caminho depois de tanto errar, me deixar ser pisoteada, humilhada, agredida. Agora eu sei o outro lado de mim e eu desisto de quem eu costumava ser. Preciso me reencontrar, nascer de novo e lutar até o amargo ou o doce fim. Foram milhares de cicatrizes, cobertas pelo dinheiro, pelas cirurgias e me lembro de cada uma delas. Eu nunca mais vou me render assim. Eu não tenho medo. Eu estou liberta do medo que eu tinha de você, meu amor." Pensou.
– Khalil Abdu, se você me quer, você terá a mim. Porém, será tudo do meu jeito agora e você nem vai perceber, porque jogarei o mesmo jogo que você! - Disse a si mesma em voz alta, totalmente decidida.
Assim que entrou na loja de roupas, esqueceu-se do mundo. Foi escolhendo tudo o que achava bonito, de vestidos a peças básicas. Entrou em uma outra loja de cosméticos e renovou todo seu estoque pessoal de cremes, hidratantes, perfumes e maquiagens. Comprou joias e sapatos.
Ao final das compras e do dia, havia gastado um valor absurdo.
Seu marido deveria ter se importado antes de deixar um cartão de crédito ilimitado nas mãos de uma mulher que sentia a necessidade de ficar mais bonita.
Khalil, por sua vez, nunca se importou muito com dinheiro, pois fora sua herança já quase incalculável, era formado em direito e relações públicas, havia aumentado o patrimônio que herdou e criou diversos outros negócios e investimentos.
Todas as transações feitas com o dinheiro do sr. Abdu eram notificadas por celular. Horas depois ele possuía histórico completo e os valores gastos com cartão de crédito, inclusive e especialmente o cartão adicional que estava em poder de Alice.
Ele não queria regular os gastos dela, mas não era do feitio da moça gastar milhares de euros – o homem se recusava a acumular libras egípcias, ele gostava de euros e dólares, que valiam muito mais.
– Bom dia, meu amor. - Ligou para a esposa logo de manhã e pôde ouvir um resmungo sonolento dela.
– Bom dia. Como foi de viagem? - Respondeu Alice, ainda atordoada de sono.
– Tudo correu bem. - Ele fez uma breve pausa e continuou. - Querida, você usou seu cartão de crédito ontem?
– Usei. - Respondeu ela, objetivamente.
– Ahn... e o valor é o que recebi notificado por celular?
– Provavelmente, Khalil. Comprei muitas coisas, muitas, mesmo. Algumas joias. Nada que tenha sido barato.
– Desculpe, não quero controlar seus gastos. É tudo questão de segurança, te perguntei, pois, você nunca gastou tanto de uma só vez. Pensei que pudessem ter extraviado ou clonado seu cartão.
– Está tudo certo. Eu o usei.
– Devo voltar em duas semanas para casa... Te avisarei em um ou dois dias de antecedência a exatidão de meu retorno.
– Ok.
– Amo você...
– Tenha um bom dia, Khalil.
Alice desligou o telefone e voltou a dormir.
Ela até poderia ser mais maleável com o marido, mas dizer novamente que o amava, isso já era fora da realidade naquele momento. Amar Khalil (de novo) se fosse possível ainda, levaria muito e muito tempo, quem diria algumas reencarnações.
Duas semanas sem o marido!
Alice mal pôde acreditar que ele não a importunou ligando a todo minuto no primeiro dia longe dela.
Ao final daquele incrível segundo dia, a jovem enviou uma mensagem ao celular do belo marido:
"Meu voo para a Itália é pela manhã de amanhã. Vou visitar meus pais. Avise quando estiver prestes a voltar, para que eu lhe aguarde em casa."
Não houve resposta alguma.
Ela suspirou aliviada enquanto terminava de arrumar a mala.
Então subitamente recordou-se: Khalil não era perigoso enquanto falava. Era perigo eminente quando estava calado.