Ele lançou para Alice um olhar estranho, foi quando ela se lembrou que tinha cortado os cabelos sem o conhecimento -e consentimento – dele.
Aquele olhar, por um momento, assemelhou-se ao do dia em que o marido lhe surrou pela primeira vez. O ar falhou para circular em seus pulmões.
– Ora, nostro genero. É um prazer recebê-lo em nossa casa! Perguntamos e falamos sobre você o dia inteiro! - Anitta quebrou o silêncio de poucos segundos.
– Espero que tenham falado bem. Sei que roubei um pouco a joia rara dos senhores, mas prometo que a trarei para bem perto novamente! Nossa lua-de-mel durou um pouco mais que o planejado! - Disse Khalil, risonho e simpático, puxando a esposa para um abraço.
Os pais dela estavam encantados pela figura do genro tão cordial e amável, jamais imaginariam a violência que a filha sofreu, o porquê de Alice raramente ter ligado durante aqueles poucos anos de casamento. Como imaginariam? Facilmente era plausível acreditar que o jovem casal estava apaixonado demais para se lembrar do restante do mundo.
– Filha, já instalamos Khalil em seu quarto... Esperávamos por você havia quase uma hora, então aproveitamos a deixa. - Desta vez, era Matheo quem falava.
– Desculpe te fazer esperar, meu amor. Fazia tanto tempo que eu não via o mar daqui de Amalfi... - "E de nenhuma outra parte do mundo", pensou ela. - Vou tomar um banho, tirar o sal e areia do corpo. - Alice aproximou-se do marido e deu-lhe um rápido selinho, dirigindo-se à suíte.
– Espere, amor! Vou com você, preciso me preparar para o jantar que minha sogra está fazendo com tanto carinho.
Os pais da bela sorriram ao ouvi-lo, porém ela não se alegrou sequer um pouco. Sorriu de lado e murmurou um "tudo bem".
A verdade era que ela já temia uma explosão de nervos por parte dele, aquele olhar de momentos atrás decerto a apavorou.
"Preciso ser forte, é só uma antecipação de meu plano."
Ela pensou, logo sentiu a mão do marido puxando seu braço.
– O que você fez? Por que cortou assim os cabelos? - Sussurrava o homem, irritado.
Alice sabia que não poderia ser malcriada ali e que não poderia alarmar seus pais, aquele era o momento em que precisaria mudar suas estratégias e aquela resposta seria crucial – em especial para evitar uma bela de uma surra.
Simulando um choro, ela começou:
– Porque eu quero esquecer de tudo, Khalil. Eu me escondi durante meses atrás daqueles cabelos tão longos... Eu quero esquecer das marcas que aquele homem me deixou. Não quero lembrar que ele - aquele homem - existiu em minha vida.
Ela colocou as mãos sobre o rosto, tampando-o e o marido recuou, amenizando a expressão dura de segundos atrás.
***
Enquanto Anitta e Matheo preparavam a mesa de jantar, a campainha tocou.
– Amore mio, eu atendo. Continue cuidando das coisas, querida. - Decidiu ele e Anitta assentiu.
O senador surpreendeu-se com a imagem que ele conhecia muito bem.
– Ora, querido Lollo! Que saudade! Você não nos visita há um mês! Bastam poucos dias para que nos faça falta, bambino.
– Fora meu pai, somente o senhor para me tratar com tanto carinho! - Sorriu o belo jovem, emocionado.
– Veio jantar conosco? Temos visitas e você iria gostar de ver.
– Na verdade, encontrei com Alice na praia e havíamos combinado que iríamos para a vinícola... Ela está demorando, então pensei em chamá-la...
– Oh! O marido dela chegou de surpresa, entende? Vocês não se veem há anos, se forem os três, a conversa não será colocada em dia.
– Ah, não imaginava...
– Entre, jante conosco!
– Acho melhor não, Matheo. Há um bom tempo que não veem o casal, não quero ser intruso nesse momento tão especial de reencontro... E eu não gosto de dividir a atenção com ninguém, nem mesmo com seu genro.
Ambos sorriram, o senhor abraçou o jovem, dando-lhe algumas palmadas leves nas costas.
Os senhores Canelluti amavam Lollo há anos, quando ainda era criança e desde que ele retornou de Roma, ritualmente, visitava-os. Sabia que eles sentiam saudades da filha e mesmo não podendo substitui-la, entendia que estar por perto, amenizava um pouco a tristeza que o casal dizia não sentir.
– Eu sempre pensei que você seria o homem a quem eu chamaria de genro, Lollo. - Matheo surpreendeu o rapaz com o comentário.
– Gosto mais de ser considerado filho, pois posso vir todos os dias e não ser chamado de folgado, vocês não falarão que ela merecia algo melhor quando se referissem a mim... Acho que está tudo certo! E olha, vi o homem, seu genro, na revista. Eu nunca sairia tão bonito, não. - Respondeu, tentando fazer graça de seu constrangimento.
– Ele é mesmo boa pinta.
– Olha, eu volto depois então. Tudo bem? Bom jantar. Amo vocês.
Lorenzo saiu rápido dali, não se atreveu a imaginar-se casado com Alice. Retirou o celular do bolso para ligar para Millene e saber o que ela estaria aprontando.
Matheo retornou para o interior da casa e comentou sobre quem havia chamado no portão. Ele e Anitta aguardavam pela filha e o genro ficarem prontos.
– Lembra, Matheo? Parecíamos siameses também, estávamos grudados até para tomar banho! - Divertiu-se a senhora Canelluti.
– Ora, mas nada disso mudou para nós. Mesmo depois de tantos anos. - Matheo beijou carinhosamente a esposa.
***
Khalil pegou nas mãos de Alice, retirando-as da frente de seu rosto e delicadamente beijou-as.
– Eu não quero machucá-la outra vez. Amo você, querida.
– Vamos recomeçar tudo? Quero recomeçar com você, Khalil. Quero ser feliz com você.
– Eu também quero, muito.
– Você entende o porquê eu mudei tudo por fora? Entende que eu quero te perdoar?
– Se você se sente melhor assim, e se as coisas vão mudar entre nós, então está tudo bem... Você é linda de todas as formas.
– Venha, tome um banho comigo. Há tanto tempo que não fazemos isso juntos...
– Vamos cuidar do presente, a partir de hoje.
Khalil beijou-a e tirou as roupas de ambos, quando tentou algo a mais, Alice o impediu, dizendo que os pais os aguardavam para o jantar, mas que haveria muito tempo depois.
Ela parecia tão doce e tão disposta a amá-lo novamente que contornou a situação que tinha tudo para ser outra cena dramática.
Porém, por dentro, Alice estava tentando controlar sua vontade de gritar. Teria de aceitar as mãos daquele homem em seu corpo, sorrindo, fingindo prazer. Enfim, aquilo seria um problema temporário. Os dias de glória para Khalil Abdu estavam oficialmente sendo contados.
Já ele, por sua vez, também ficou um bocado desconfiado da mulher. Dois dias longe dele havia sido tempo suficiente para uma mudança de sentimentos tão radical?
Kalhil apenas não se interessou em se apegar a tal questionamento, mesmo desconfiando.
De qualquer forma, ele testaria a esposa até o limite dela.
No amor e na dor, ele queria saber o que aquela mulher estava tramando - e se realmente estava.
Quando a viu vestida de um dos belos vestidos que ele lhe deu, num tom azul escuro e de tecido em malha fria, ele se concentrou em como ela estava linda e até aceitou melhor o comprimento dos cabelos, pois as costas dela estavam totalmente nuas e a nuca estava a mostra. A visão o deixava maluco.
O jantar foi tão tranquilo quanto a cidade de Amalfi.
A conversa foi trivial e leve, falaram muito sobre viagens, geopolítica e o adiamento de Khalil na embaixada do Egito, mas que ele acreditava que daria tudo certo em breve.
Logo após o jantar, todos se recolheram para dormir. Alice sofreu calada, pois sabia que o marido a tocaria e ela não poderia negar.
Khalil estava sendo delicado enquanto a despia e a beijava. Parecia apreciar cada parte dela.
A moça, com o escuro do quarto e o toque tão suave, não pôde evitar de desligar-se da realidade e ser invadida por lembranças há muito esquecidas.
***
"Era um fim de tarde, sentados abaixo de uma árvore que ficava pelos fins da terra dos Bertoncello. Alice estava entre as pernas de Lorenzo, que a abraçava calorosamente.
O vestido branco deixava-a como um anjo de cabelos negros, um anjo prestes a ser tocado.
O rapaz passava seus dedos por baixo do vestido e ela suspirava. Eles haviam combinado que aquele 15 de julho seria muito especial, pois Alice estava completando seus dezoito anos. Ela queria muito ser uma completa mulher.
A adolescência inteira eles saíram às escondidas, mesmo que nunca houvesse proibição de namorarem.
Quanto mais ele a tocava, mais ela suspirava.
– E agora, daqui em diante... como se faz? - Perguntou a garota, com o rosto avermelhado de prazer e vergonha.
– Eu não sei bem, não sei como se faz... Mas nada nesse mundo seria melhor do que aprender com você. - Respondeu ele, igualmente envergonhado e confuso.
Dali, tudo se desenvolveu tão naturalmente... Misto de dor, prazer, amor e a inocência sendo
abandonada."
***
E quando o marido a invadiu, ela ainda estava dentro daquela lembrança.
Ele entrou tão levemente, que Alice, de olhos ainda fechados, suspirou, gemeu e sorriu.
Uma estocada mais forte e ela então despertou do devaneio, vendo que aquele era um invasor indesejado apenas, não era o seu primeiro amor.
Decepcionou-se ao ver que aquele homem que era o mais belo que havia conhecido em sua vida, que amou tão intensamente, não era quem ela pensava ser.
Cerrou os olhos, somente esperando que ele terminasse logo.