Os avós maternos de Lorenzo eram pessoas de muitas posses, Julieta, sua mãe, era a caçula de três filhas do casal. Eles não gostaram muito de a filha mais nova ter se apaixonado pelo filho dos caseiros daquela terra na divisa de Atrani com Amalfi, mas nada conseguiram fazer para impedi-los, a terra foi dada como presente de casamento com muito contragosto.
Com o tempo, passaram a gostar um pouco de Luigi e assumiram que ele era um bom homem.
Após dez anos de um casamento inteiramente feliz, Julieta engravidou. Ela estava radiante de tanta felicidade por poder se realizar na maternidade.
– Eu tenho certeza de que é menino, meu amor!
– Será?
– É sim, olhe o formato da minha barriga! Os outros meninos, meus sobrinhos, rejeitam meu colo! É um menino!
– E qual nome daremos?
– Quero Lorenzo.
– Eu gosto mais de Miguel... - Retrucou ele – E se colocarmos os dois?
– Talvez. - Sorriu a esposa.
Os cachos de cabelos castanhos e os olhos azuis, imensos, deixavam Julieta sempre com rosto de criança pidona e Luigi queria muito que aquela criança se parecesse com ela, não importava o sexo daquele bebê já tão esperado e amado.
Perto do nascimento de Lorenzo, a mulher decidiu fazer um testamento, deixando a fazenda para o seu bebê e para Luigi. O marido achou bobagem, mas ela seguiu com a ideia, afirmando que era apenas por precaução.
Julieta estava mais certa do que nunca em sua vida.
Minutos após o parto, ela foi vítima fatal da síndrome de hellp, uma doença rara ocasionada pelo aumento excessivo da pressão arterial, que atinge uma em cada duas mil gestantes, e que sem tratamento adequado, leva a gestante e às vezes o bebê também ao óbito. A fatalidade ocorreu a ela, que apenas teve tempo de sorrir para a sua tão esperada criança.
– Mio ragazzo, mio Lorenzo!
O bebê rosado chorou pela primeira vez, apreciando o único abraço de sua mãe. As sobrancelhas claríssimas já denunciavam que seu cabelo seria extremamente claro, como o de Luigi. Porém, a mulher tinha certeza de que ele teria todos os traços dela, para que nunca fosse esquecida pelo homem que tanto a amou e por ela também foi amado até o fim.
E assim foi, Lorenzo era a cópia fiel masculina de sua mãe, com exceção aos cabelos muito mais
claros que os dela. De certa forma, sua aparência fazia com que Luigi o amasse ainda mais, por ver nele o filho que ele tanto quis e a esposa linda que tanto amou e com ela foi feliz.
Os avós maternos jamais quiseram conhecer o garoto, consideravam-no culpado pela morte da filha. Tentaram tirar a propriedade de Luigi e do neto renegado, porém o testamento de Julieta Prado os impedia daquilo.
Eles então viraram as costas e se recusaram a saber de ambos até o restante de suas vidas, além de obrigarem as outras duas filhas a não conhecerem o sobrinho, ameaçando-as deixá-las na miséria se o fizessem, uma vez que ambas estavam divorciadas e com seus filhos, vivendo com eles e inteiramente às suas expensas.
– Deixe, Martinha... Quando esses velhos morrerem nós iremos conhecer o menininho. – Disse Sofia, a mais velha das três irmãs, fazendo a outra rir.
Porém, eles demoraram mais de trinta anos para morrerem.
***
As primas eram contagiantes e alegres, supriam a necessidade do rapaz em ter alguém por perto que lhe desse carinho e atenção. Não como uma mulher por um homem, mas como de irmão para outro irmão.
Ele era o mais velho dos três, superprotetor e amorosíssimo com as mais novas.
Lolita era formada em economia e Millene em administração de empresas.
O sonho de ambas era de trabalharem juntas, prestando consultoria e fazendo planos de reestruturação de empresas. Porém, a resistência de Lolita em mudar-se de Amalfi para algum grande centro, em que as possibilidades do negócio dar certo eram maiores, minou parte deste sonho. Elas conseguiam fazer as consultorias, mas não eram suficientes para mantê-las no mesmo padrão de vida ao qual Lolita havia se acostumado e crescido, o que forçou-as a trabalharem com outras coisas.
Millene trabalhava como bancária e achava aquela rotina regrada uma coisa insuportável, Lola trabalhava em algumas ações com o pai e escrevia para a coluna de economia de um jornal local. Até gostava das duas atividades, mas pouco aplicava sua verdadeira paixão que era a matemática.
A mais velha via sua amada cada dia mais infeliz, começando a considerar que a mudança poderia trazer o brilho de volta aos olhos de sua pequena mulher.
Quando Lolita estava pronta para conversar seriamente sobre a decisão de mudar-se com Millene para Turim, foi quando Lorenzo apareceu com um plano maluco de tornar as terras em que morava rentável e de abrir um restaurante com uma proposta bastante diferente, que instigou muito o espírito economista da moça.
O rapaz fez com que a prima largasse o emprego que ela tanto odiava, para dedicar-se
inteiramente ao plano de negócio que ele tinha.
Poucos meses depois do início do planejamento, Luigi Bertoncello faleceu, vítima de anemia megaloblástica não tratada, doença essa que é comum em idosos, iniciada com dores nas extremidades do corpo que se alastram, resultando na perda total de movimentos dos membros, do tronco e por fim, atingindo o cérebro e levando a pessoa à demência e posteriormente ao óbito.
A fatalidade aumentou o desejo de Lorenzo pelo negócio que surgia, uma vez que a distração amenizava a dolorosa perda.
Após um mês de luto, pediu para as moças, que moravam num pequeno apartamento, que se mudassem para viver com ele, alegando a solidão que sentia numa propriedade tão grande. Prontamente o pedido foi aceito.
– O que não faríamos por você, meu irmão de alma? - Disse Millene, sorrindo, enquanto arrumava o novo quarto.
Aquela lembrança era tão vívida na mente dos três que, ao contemplarem a plantação de uvas, o pequeno galpão onde os vinhos artesanais ainda produzidos por Luigi envelheciam nos barris e o galpão muito maior onde os novos eram feitos, a queijaria que havia sido ampliada, ao fundo, a casa que os três moravam e que havia sido por eles reformada... Tudo aquilo, os emocionava de um modo impossível de ser descrito.
Aqueles abraços conjuntos sempre pareciam intermináveis.
– Podemos entrar? Estou morrendo de fome! - Millene se desvencilhava do abraço.
–Verdade, vamos comer! Temos muitos assuntos para conversar! - Respondia Lorenzo.
A ligação dos três era tão forte que mesmo vivendo na mesma casa e trabalhando lado a lado, sempre tinham assuntos para conversarem, em especial na hora do jantar.
Tagarelavam sem parar, gesticulavam como todo tradicional italiano.
– Bem, pelo que tenho analisado, é possível que o negócio não cresça muito este ano, Lollo. Porém, nem se preocupe, preparei um plano para tempos difíceis... Você sabe que a economia mundial está passando por dificuldades, temos que rebolar no mesmo ritmo. - Dizia Lolita.
– Mas vamos passar por sufocos? Não quero demitir ninguém! - Retrucou o rapaz.
– Não, modéstia à parte, você tem ótimas gestoras. Aguentaremos três anos de crise numa ótima. Guardamos um bom montante de capital inativo, temos um ótimo capital de giro... A plantação vai bem, estamos com uma boa logística... Tudo vai dar certo, de acordo com os números.
– Aí, como vocês dois são chatos! Vamos conversar sobre outra coisa pelo menos no jantar! – Reclamou Millene, fazendo os outros sorrirem. - Lorenzo, pode começar. Eu vi você saindo de carro e reparei nos chinelos! Você só usa chinelos na praia e olhe lá.
– Sim, fui até Amalfi.
– Que gostoso! Viu Anitta e Matheo? - Perguntava Lola.
– Ahn... vi Matheo, apenas. Eu queria só passear... Mas... Aconteceu um pouco mais que um passeio normal.
– O que? Viu uma sereia? - Debochou a moça mais nova.
– Quase isso... Vi Alice. Vocês se lembram dela?
– Sim, eu me lembro... era sua melhor amiga, né? Nos conhecemos há uns oito anos atrás. - Respondeu Lola
– Eu preferia esquecer essa garota, e olha que eu mal me lembro dela. - Soltou Millene, que em troca recebeu um olhar de reprovação da esposa.
Ignorando o comentário, Lorenzo continuou:
– Ela está tão linda, mas parece triste.
– Lollo, irmãozinho. Ela é casada. Não é da sua conta se ela está triste ou não. - Continuou a prima do rapaz. - Nós colhemos aquilo que plantamos. Se você causa a tristeza de alguém, outrem causará a sua.
– Millene, se toca! - Disse Lolita, revirando os olhos.
– Desde novinha, você nunca simpatizou com Alice... - Sorriu o rapaz, desanimado, se direcionando para Millene.
– Ela não me inspira coisas boas. - A garota finalizou aquele assunto.
Millene decidiu se calar por saber que Lola chamaria sua atenção depois, quando estivessem a sós.
Foi exatamente o que aconteceu.
– Amor, você não tem o que se envolver nessa história. Deixa o Lollo! Ele é um homem, sabe o que é certo e o que é errado.
– Não é isso, Lola. Essa mulher deixou marcas nele até hoje! Meu primo não sai com as mulheres, preso nesse sentimento que ele nem sabe se é amor...
– Mi, ela é casada, como você mesma disse. Eu sempre vejo o marido dela em revistas econômicas e políticas. Lorenzo deve descobrir por ele mesmo que não tem chance de se reaproximar.
– É muito mais que isso... Eu tenho um pressentimento terrível em relação a essa mulher. Senti arrepios só de ouvir o nome dela. Eu sei que há chances sim dela se reaproximar de meu primo e ele vai cair na dela, você vai ver. Eu vou te dizer bem alto que eu avisei.
– Os arrepios foram de frio, boba. - Respondeu Lola, debochando da parceira.
– Lola, é sério... estou com o pressentimento de vão acontecer coisas nada boas se essa história for para frente. Lorenzo perdeu o senso do perigo, essa criatura vira a cabeça dele!
– Mas que história, garota? Lollo apenas comentou que a viu!
– É sempre assim, de "eu a vi" para "nós nos amamos" vai ser questão de dias!