A casa era aconchegante e continha apenas três suítes, uma sala de estar, sala de jantar, cozinha e um belo jardim. Nenhuma mansão. Um espaço cuidado com muito amor por Anitta, sua mãe, que mantinha as paredes e móveis claros, para trazer energias positivas e tranquilizadoras, segundo a senhora. O espaço tinha aroma de flores frescas, praia e bolos. Tudo como Alice se lembrava.
Pouca coisa havia mudado, os sentimentos eram exatamente os mesmos de alguns anos antes.
Quando encontrou os pais no jardim, ambos sorrindo e trocando olhares apaixonados depois de tantos anos juntos, Alice desejou que um dia tivesse a chance de sentir aquilo, que alguém pudesse ver a paixão em seus olhos novamente, se é que ela seria capaz de se apaixonar depois de tudo o que viveu.
Os olhos encheram-se de lágrimas, transbordando toda a saudade que sentia deles, tentava chamá-los mas nada saía de suas cordas vocais.
Ela correu para os braços que lhe acolheram em todas as quedas de infância, dramas de adolescência e que a entregaram no altar no início de sua vida adulta.
Os Canelluti estavam igualmente emocionados. Apenas permaneceram abraçados, os três, por vários minutos, até que alguém fosse suficientemente corajoso para quebrar o silêncio.
– Papà e mamma! Quanta nostalgia! – Alice mal percebeu que já falava sua língua nativa.
– Também sentimos saudades, miele! - Disse sua mãe – Figlia, amei o que fez no cabelo! Bello!
– Mia piccola! Sentimos sua falta, querida! Porém, entendemos bem, o amor nos leva pra longe! - Riu Matheo. - Onde está meu genro, o bello ragazzo ?
"Ah, é", passou na mente de Alice. Os pais adoravam Khalil. O tão doce e gentil genro, que entre suas bebedeiras e surras, disse que mataria os sogros se a piccola deles fugisse de casa ou ligasse para contar-lhes o que estava acontecendo.
– Está viajando, pappà. - Disse ela, engolindo seco.
– Me lembro como ontem do jantar de aniversário dele que você me forçou a não ir, porque queria reencontrá-lo... do quanto você estava linda no dia do casamento... Eu espero que ele esteja te fazendo feliz.
Matheo olhou profundamente nos olhos da filha, que desviou o olhar por um momento, olhou para o pai de volta e sorrindo disse que estava tudo bem. Que o marido era tudo o que jamais imaginou, o que jamais esperava ter em toda sua vida. E realmente, ela não mentiu uma vírgula, pois Khalil de fato foi uma maldade inesperada do universo.
– Vamos para dentro, minha filha! Estou fazendo um bolo de frutas vermelhas e vou fazer aquele chá de flores silvestres que você ama. - Disse Anitta, enlaçando a filha com seu abraço caloroso. - Meu amor, leve a mala de Alice para o quarto dela! - Voltou-se ao marido.
– Mamma, a edícula lá no fundo, continua sendo um quarto de brinquedos meus? - Sorriu a jovem ao perguntar.
– Não, meu amor. Transformamos a edícula em escritório e minibiblioteca para seu pai trabalhar um pouco. Doamos os brinquedos para um lar de crianças. Espero que não se importe.
– De modo algum, eu não voltaria a usá-los mesmo.
– E meus netos? Achei que você perguntou por querer guardar algo para o próximo anjo de nossas vidas.
– Não planejo ter filhos, mamãe. Não agora.
– Você tem razão! Seu e eu pai tivemos que te esperar casar-se para aproveitarmos nosso casamento! - Divertiu-se a mãe de Alice, que estava próxima de completar sessenta anos.
Falar sobre si mesma e o casamento estava deixando-a um pouco sem jeito, pois ela já não era feliz havia muitos meses, tentava trazer à tona seu primeiro ano de casada. Puxava na memória o lindo homem que a conquistou, que a amou, que foi gentil. Não queria trazer preocupação aos pais e nem os colocar em perigo.
A mudança de Khalil, mesmo que estivesse perdurando por alguns meses, ainda não a convencia. Algo em sua mente dizia que ele era capaz de coisas muito piores e que havia outras maneiras de enfrentá-lo. Irritá-lo era uma péssima ideia.
Alice olhou para seus pais preparando a mesa para o chá da tarde, recordou-se dos amigos que eles tinham e dos amigos dela também. Todos a conheciam naquela comuna. Ela tinha por quem lutar, por quem viver. Tinha família, tios e amigos.
Já Khalil... Somente tinha ao dinheiro e a esposa fisicamente, não tinha nada a perder.
Em pensamento, ela disse a si mesma:
"Não, Khalil Abdu. Não tentarei justificar seus atos de covardia. Não terei pena de você. Eu perdi tudo, mas poderei recuperar. Agora você... Uma pessoa que fica na miséria dificilmente volta para a nobreza. Você terá o que merece."
Um brilho sombrio brotou no olhar de Alice, acompanhado de um sorriso de raiva.
– Filha. Tudo pronto! - Disse Anitta.
"Não, mamãe. Não está tudo pronto."
– Chega de pensar no bonitão, venha aproveitar as delícias de sua mãe! - Agora o pai chamou-lhe a atenção.
– Eu nunca paro de pensar em meu marido, papai...
"No quanto eu quero vê-lo sofrer."
– Quanto amor, espero que vocês envelheçam juntinhos, cheios de amor. Como nós dois!
"Um de nós dois não chegará à velhice, minha amada mamma."
Por fim, Alice conseguiu se concentrar apenas nos pais, quando eles conseguiram parar de falar no quanto o genro lhes parecia maravilhoso. Iniciaram uma animada conversa contando as "fofocas" sobre os amigos e familiares em Amalfi.
Fizeram um revigorante passeio a beira-mar e Alice não resistiu ao embalo das ondas, mergulhando de roupa e tudo.
Em algum momento, o mar levou todo o seu ódio e trouxe-lhe a paz tão ansiada.
"E se eu sumisse no mar?"
– Você sempre quis ser uma sereia. - Sussurrou uma voz no ouvido dela, que havia longos anos que não escutava.
– Não pode ser... - disse ela ao se virar, abrindo um largo sorriso.
A visão a deixou totalmente atordoada e feliz, aquele rosto tão inocente que ela conhecia como ninguém estava ali.
Depois de tantos anos, parado em sua frente estava a melhor parte de sua infância, a melhor parte de Amalfi.