Capítulo 10 Entre a vida e a morte

Ao me levantar da escada dei de cara com Sam.

― Aconteceu alguma coisa? ― perguntou ele.

―Aposto que quer saber sobre o que estávamos falando. ― indaguei temendo que tivesse ouvido a conversa.

― Confio em Javier. ― retrucou sério.

― Não confia em mim, mas ainda assim me trouxe até aqui. ― sorri com ironia insistindo no assunto.

― Não se sinta mais especial do que pensa que é, Gale. Por que aceitou vir, afinal? ― perguntou ele agora impaciente.

Sam me olhava com um olhar penetrante provavelmente já esperando que minha resposta não o convencesse.

Demorei um pouco para formular as palavras, e cruzando os braços, disse:

― Sam, eu e meu pai discutíamos muito sobre vários motivos e o principal deles era sobre essa minha teoria de que o amor não passa de átomos. Mas, um dia antes de vir a Cambridge eu prometi uma coisa a ele: de que eu cederia. Devo isso a Jim e a mim mesma. Não é fácil pra mim e...

E sem pensar duas vezes, Sam andou rápido em minha direção e segurando meu rosto com as duas mãos, me beijou ternamente. Depois, deslizou as mãos para o meu pescoço até a cintura.

O perfume que usava não era o mesmo que me atentava algumas vezes, entretanto, era bom do mesmo jeito. Ali, eu não conseguia pensar em nada, muito menos em me esquivar, atitude comum de Gale Price. Retribui o gesto envolvendo-o em meus braços.

Era curiosa a diferença vinda de nós dois. Para Sam, o ato representava um amor acumulado há tempos, embora calado e não era nem um pouco frio. Eu, por outro lado, tentava-me reater ao beijo e queria poder desejar Sam da mesma forma, porém, mais uma vez, aquilo não passava de um devaneio fazendo com que eu me desesperasse por dentro.

E então, eu temia que aquele sonho acabasse de novo, de modo não resolvido, como tinha acontecido tantas vezes no passado e que me causara tanta dor e agonia. Sam demonstrava a pureza apaixonada agora finalmente revelada enquanto eu o segurava com força para perto de mim implorando por um sentimento verdadeiro, no entanto, eu só conseguia sentir raiva de mim mesma. Não, não era a teoria que não me permitia sentir algo, era a tal resistência sustentada pela racionalidade, orgulho, egoísmo, insensibilidade, insegurança, enfim, um coração partido.

Segundos depois, e creio que não foram poucos, ele me soltou lentamente. Ao perceber minha feição entristecida perguntou preocupado:

― O que aconteceu?

― Nada, é que... Minha nossa! Olha a hora... É melhor irmos. Mandy pode estar preocupada. ― disse um pouco nervosa após ter feito toda aquela reflexão.

― Pensei que não se importasse com isso. Aliás, devia fazer parte das regras.

― Só não quero ser mais um motivo de preocupação. Ela já tem muita coisa na cabeça.

No mesmo instante, meu celular começou a tocar, era Mandy.

― Alô? ― atendi.

― Gale, querida, por favor, venha para casa. Nós... Precisamos conversar. ― disse com a voz fraqueja.

― Mãe, está tudo bem? O que aconteceu? ― perguntei preocupada.

― Apenas venha para casa. ― e desligou.

Agora, minha feição demonstrava a enorme angústia que sentia naquele momento o que deixavam Sam também nas mesmas condições ao ver-me naquele estado.

― Nós precisamos voltar. ― alertei-o. ― Aconteceu alguma coisa.

Nossa conversa não havia sido muito promissora no caminho de volta e a ligação inesperada de Mandy contribuía para que o clima se mantivesse intacto.

―Você acha que talvez Mandy tenha desistido de ir ao congresso? ―perguntou Sam tentando quebrar o gelo.

― É essa minha primeira hipótese.

― Tem outras?

― Nós? ― insinuei. ― Não é óbvio? Essa foi a terceira vez que saímos.

― E você com certeza não disse a ela que estávamos no museu.

― Isso sim fazia parte das regras.

Ele respondeu com um olhar severo e ligou o rádio, provavelmente para afastar o clima deixado pelo nosso estado apreensivo.

"E agora as últimas notícias sobre a explosão nas indústrias Norget em Londres: Ainda não se sabe a causa, mas..." Essas foram as palavras do locutor que foram interrompidas ao trocar de estação.

― Volte, por favor.

" O fogo já está sendo controlado e os bombeiros alertam possibilidade de contaminação. Três corpos já foram identificados e outros dois se encontram gravemente feridos."

― Meu Deus...

― O que foi?

― Meu pai... Ele trabalha nessa indústria.

Meus pensamentos ficaram conturbados e meu coração parecia querer pular para fora. Eu estava com medo e não fazia ideia do que esperar. Acredito ter descoberto a verdadeira razão para a ligação de Mandy.

― Fique calma, nós já estamos chegando. Sua mãe nos dará boas noticias, você vai ver.

― Eu espero que sim.

Quando chegamos, observamos as luzes acesas da sala de estar através da cortina translúcida. Corri em direção à porta e dei de cara com Mandy colocando duas pequenas bagagens ao lado da porta.

― Mãe, o que está acontecendo? Onde está meu pai?

― Então você já sabe? É claro que já. ― respondeu logo em seguida. ― Não se fala em outra coisa. Jim está na UTI em Londres, temos que partir agora. Senhor Dickson, lamento muito por isso. ― disse dirigindo-se a Sam em meio a correria.

― Não se preocupe, professora. Há algo que eu possa fazer?

― Já fez muito trazendo Gale até aqui, obrigada. Agora deve ir para casa. Vamos, Gale! ― ordenou ela levando as bagagens para o carro deixando-me a só com Sam.

― Deixe-me ir com você. – disse ele.

― Eu agradeço a preocupação, mas eu vou ficar bem.

― Tem certeza? ― perguntou ele tirando um fio de cabelo do meu rosto.

― Não. ― disse sem esperança.

Aproximei-me então lentamente dele. Coloquei minha mão fria e trêmula em seu rosto e olhando profundamente em seus olhos o beijei com destreza como quem quisesse agradecer por tudo. E no mesmo instante, as lágrimas se fizeram presentes o que não só demonstravam minha preocupação com Jim, mas também o fato de não poder retribuir a Sam aquele mesmo sentimento. Ele não merecia isso e definitivamente não me merecia.

― Eu me diverti muito esta noite.

― Sabe que pode me ligar quando quiser. ― disse ele por fim.

Naquela noite, deixei Sam sem nenhum amparo o que não me permitiu tirá-lo da cabeça durante todo o caminho. E às vezes me pegava sorrindo ao recordar-me dos nossos momentos. O pátio de Cambrigde, o Paintball, Nobodyland, o planetário... Onde seria nosso próximo encontro? Creio que seja agora minha vez de escolher.

Felizmente, fomos recebidas com boas notícias em Londres por parte da minha avó Gilda. A polícia afirmou que de fato meu pai havia sido levado para a UTI.

Seguimos apressadamente para o hospital e enquanto isso Sam me enviava mensagens a cada cinco minutos procurando saber o que aconteceu e se meu pai estava bem. Porém, ninguém sabia ainda nos informar o que de fato havia ocorrido na indústria.

A entrada na UTI foi cautelosa. Gilda entrou primeiro, Mandy em seguida e eu por último. Eu estava com medo do que esperar ao vê-lo. A primeira impressão foi um pouco chocante. Num dia a pessoa está jantando com você e no outro está na UTI com tubos e bandagem pelo corpo todo. Jim foi induzido ao coma e respirava com a ajuda de aparelhos. Segurei sua mão como se quisesse transmitir minhas forças para ele e eu não queria chorar para não deixar com que a tristeza habitasse aquele ambiente, mas eu não pude me conter.

― Pai, eu te amo muito e quando acordar, estarei aqui. Há muito para contar.

Foi a única coisa que eu disse. Queria poder segurar sua mão a noite toda, mas a UTI era um lugar que deveria ser totalmente preservado daquilo que vinha de fora. O diagnóstico do médico também não nos provia de pensamentos animadores. Jim inalara muita fumaça e ao ser jogado para longe com o impacto da explosão, sofreu traumatismo craniano e ainda corria riscos de perder a memória.

Enquanto aguardava por melhores notícias de seu estado no saguão, eu ouvia aos telejornais pelo celular esperando por uma nova informação a respeito da explosão na indústria, contudo, independente do que tenha acontecido, nada mudaria o fato de que Jim lutava contra a morte e eu me recusava a pensar na possibilidade de que pudesse perdê-lo.

Repassei a Sam o diagnóstico preocupante do médico e ele tentava me consolar de alguma forma.

            
            

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